Opinião e Análise

Floriano de Azevedo Marques Neto

Recente decisão determinou que o <a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/protecao-de-dados/reconhecimento-facial-metro-de-sp-23032022">metrô suspenda a implementação de tecnologia de reconhecimento facial</a> nas suas estações. A liminar alega complexidade técnica e incerteza. A inicial afirmara que a tecnologia ameaça potencialmente os direitos humanos: seus algoritmos tenderiam a “discriminar pessoas negras, trans e não binárias”, violando a Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>).
Como toda inovação, esta também traz discussões jurídicas. Porém, o Direito deve tratar estes desafios a partir de um detido esforço consequencialista e de motivação. Deve enfrentar os problemas, não a tecnologia. Do contrário, bloqueia-se o novo só por ser desconhecido.
A decisão, ainda que apoiada em cautela, tem equívocos. De fundo e de forma.
Somos permanentemente monitorados e gravados. Nas ruas, em locais públicos e privados. Fotografam-nos em qualquer portaria de edifício comercial. Câmeras captam e gravam crimes, sendo importante meio de prova para identificação e condenação dos responsáveis. Isso não torna aceitável o uso ou a comercialização de informações pessoais recolhidas. O mesmo vale para o reconhecimento facial. O desafio não está na tecnologia, mas no uso que dela se der. A LGPD se volta a regrar o tratamento dos dados pessoais, não a ferramenta para a sua coleta.
Diariamente milhares cedem, tacitamente, suas características faciais a empresas que fabricam e operam os modernos celulares. Fazemos o mesmo nas redes sociais. E não se proíbe o emprego destas ferramentas. Disciplinamos o uso destes dados.
A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm">LGPD</a> afirma que ela não se aplica à coleta de dados destinada exclusivamente à segurança pública (artigo 4º, III, a), o que parece ser o caso. Mas veda o tratamento desses dados por pessoas de direito privado. Portanto, seu uso pelo poder público não é conjectura, mas obrigação legal (§2º). Diariamente são praticados crimes, abusos e assédio sexual em trens e estações. Racismo, sexismo, homofobia também podem ser combatidos por estes recursos. Coibir essas condutas é necessário
Tecnologias devem ser avaliadas sem preconceito. O reconhecimento facial pode conter algoritmos falhos. Mas só há violação se a informação coletada gerar condutas discriminatórias ou abusivas.
Câmeras comuns de monitoramento não dependem de algoritmo. Mas as imagens podem servir de base a comportamentos abusivos se operadas por agente racista ou misógino. Pessoas pretas e trans são mais abordadas pela polícia, não por força de algoritmos. Todos esses comportamentos, inaceitáveis, devem ser combatidos. Mas independem da tecnologia empregada.
Há ainda um problema de forma na decisão judicial. Sua motivação é superficial. Sob alegação de sopesar consequências, descumpre o artigo 20 da LINDB. Avaliação de consequências práticas tem de mostrar a necessidade e a adequação em face das possíveis alternativas. Não é exercício retórico.
Com essa decisão o Judiciário erra o foco. Os ludistas queimavam os teares mecânicos para defender o trabalhador. A decisão barra a tecnologia com medo de seu mal uso. Perde a oportunidade para discutir o que é realmente relevante.

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JOTA

Decisões têm de analisar consequências, não barrar tecnologias com temores vagos

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