Opinião e Análise

Jacintho Arruda Câmara

Há pouco, Gustavo Binenbojm apontou nesta <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/viagem-redonda-a-lei-14-133-21-e-o-resiliente-problema-das-normas-gerais-19092023">coluna</a> a resiliência do debate sobre os limites da competência da União para legislar sobre licitações públicas. Como se sabe, a União detém competência privativa para legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação” (art. 22, XXVII, da Constituição Federal).
O desafio tem sido encontrar uma definição de “norma geral” que impeça o Congresso de invadir espaço legislativo dos entes subnacionais. Gustavo indica que a nova Lei de Licitações extrapolou esse limite em vários trechos, avançando nos campos de gestão financeira, patrimonial e de servidores de estados e municípios. Não tem sido fácil identificar o que faz de uma prescrição verdadeira “norma geral” e o que a torna “norma específica” (o que a impediria de vincular estados e municípios).
Desconheço definição de “norma geral” que se aproxime do que vem se admitindo como objeto de disciplina nacional das licitações. A regra que fixa número mínimo de servidores nas comissões de licitação, a que define prazo entre a publicação de editais e o recebimento de propostas, a que estabelece meios de divulgação de avisos de licitação são exemplos de prescrições que, embora “específicas”, são aplicáveis sem oposição a todos os entes federativos.
Com esses exemplos, não estou a sugerir leniência com eventuais excessos normativos do legislador nacional. A ideia é experimentar outro critério para aferir a constitucionalidade das normas nacionais. Em vez de se examinar a “generalidade” da norma, pode ser mais produtivo avaliar sua pertinência temática, ou seja, se ela trata ou não de “licitação e contratação”.
A mudança parece compatível com os precedentes do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a> sobre o tema. Os dispositivos da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm">Lei 8.666/93</a> que limitavam doações (ADI 927) tiveram suas abrangências limitadas aos entes federais. O fundamento da decisão foi o de que referidos preceitos não configurariam “normas gerais”. Porém, o mesmo resultado pode ser obtido afirmando-se que eles não tratavam de licitação, mas sim da disposição de bens públicos (tema que escapa à competência privativa da União). O exercício pode ser repetido em outros casos: para formar um juízo de constitucionalidade, avaliar se a regra é ou não matéria de licitação e contratação, ao invés de tentar aferir seu caráter geral.
Vejo duas vantagens na substituição. A primeira, de cunho formal, é livrar o intérprete do ônus de justificar a incidência de regras próprias sobre competências concorrentes (art. 24, §§ 1º e 2º) como diretriz para interpretar competência privativa da União (art. 22, XXVII). A literatura especializada já construiu solução hermenêutica convincente, tanto que tem sido empregada nas decisões do STF, mas não deixa de ser um ruído no entendimento da matéria.
A outra vantagem é pragmática. Parece mais fácil definir se uma regra é matéria de licitação do que avaliar se representa “norma geral”. Digamos que se queira examinar a constitucionalidade da regra que define quem pode ser “agente de contratação” (art. 6º, LX, da Lei 14.133/2021). Nesse caso, em vez de se perquirir se esta seria ou não norma geral, o debate giraria em torno de identificá-la como típica disciplina da licitação ou como ingerência sobre organização de pessoal dos demais entes federativos.
Continuará desafiador em muitos casos precisar se a regra versa sobre licitação ou contratação ou se invade outra seara (gestão de pessoal, patrimonial ou financeira). Contudo, o caminho me parece menos subjetivo e problemático do que o de indicar se o dispositivo encarna norma geral ou específica.

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JOTA

Para preservar competências de estados e municípios, que tal avaliar se o legislador tratou efetivamente de licitação?

Fugindo do enigma das normas gerais sobre licitação

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