Opinião e Análise

Mariana Mota Prado

A <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/separacao-de-poderes-controle-da-administracao-e-politica">coluna</a> de Alexandre Aragão, publicada na semana passada, levanta uma questão importante: devemos olhar para o direito administrativo de outras jurisdições?
Há décadas, Celso Antônio Bandeira de Mello já alertava para o risco do “servilismo intelectual dos povos periféricos”, e apontava para o equívoco de assumir que formulações jurídicas das “metrópoles” poderiam ser aplicáveis ao nosso sistema.
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Aragão explica um dos porquês da ressalva: em temas centrais ao direito administrativo, como o controle judicial da administração pública, o contexto político informa e motiva doutrinas jurídicas, e ele varia ao longo do tempo e de país para país.
Outro motivo é o contexto institucional que também varia conforme o local; transplantes jurídicos raramente funcionam como sua versão original, como mostram <a href="https://tspace.library.utoronto.ca/bitstream/1807/128931/1/The%20Challenges%20and%20Risks%20of%20Creating%20Independent%20Regulatory%20Agencies.pdf">as agências reguladoras brasileiras</a>. Portanto, olhar para decisões da Suprema Corte americana e arranjos institucionais nos EUA (ou qualquer outro país) não nos ajuda a prever o futuro do direito administrativo brasileiro e certamente não deveria servir para promover reformas. 
Ainda que não sirva como ferramenta de uso imediato, olhar para outras jurisdições não se resume a puro acúmulo de informação como fim em si mesmo. O direito comparado tem o potencial de expandir o arcabouço conceitual e institucional de juristas, e pode até servir de inspiração para renovar e aprimorar o direito nacional.
O recém-lançado livro <a href="https://www.editorajuspodivm.com.br/direito-administrativo-comparado-2024?srsltid=AfmBOooJB-TpfiGeKBiJ0Fzo1RnTgky3E89RzVU13i1dLcNfi7E-ywkg">Direito Administrativo Comparado</a>, organizado por Aragão e Gustavo Binenbojm, oferece interessantes reflexões sobre como e por que tal exercício é válido. Segundo Aragão, “ao mesmo tempo que ingressam no direito brasileiro ideias advindas de outros sistemas jurídicos [como serviços públicos na doutrina francesa e agências reguladoras estadunidenses], estas são traduzidas para uma nova (e única) realidade social, dando origem a algo também novo, sem correspondência exata em nenhum outro lugar, e, não raro, bem distante daqueles institutos que inspiraram sua criação” (p. 45-46). 
Binenbojm e Renato Toledo Cabral Junior oferecem um exemplo concreto das influências no direito administrativo brasileiro por meio de uma análise dos contratos administrativos. Baseado no modelo francês, os contratos administrativos no Brasil vêm passando por adaptações que incorporam elementos do modelo anglo-saxão (no qual não se distingue entre contratos públicos e privados) e do modelo alemão (no qual tais arranjos contratuais são considerados atos unilaterais do estado, aceitos voluntariamente pelo ator privado).
Exemplos incluem a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm">Lei 14.133/21</a>, que busca maior equilíbrio nos contratos administrativos, assim como soluções consensuais, tais como os acordos de leniência na <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm">Lei 12.846/13</a>. 
Em suma, o direito administrativo comparado não deve ser tratado como uma caixa de ferramentas, pronta para ser utilizada na resolução de problemas do direito nacional. Quando feito de forma doutrinária (sem considerar o contexto político, econômico, jurídico e legal em que institutos jurídicos operam) e acrítica, não passa de enciclopedismo. Mas a comparação, quando feita de forma adequada, pode expandir os horizontes intelectuais dos administrativistas, enriquecer a compreensão do direito nacional e inspirar adaptações frutíferas.

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JOTA

Enciclopedismo, caixa de ferramentas ou exercício de autorreflexão?

Direito administrativo comparado

Direito administrativo comparado não deve ser tratado como caixa de ferramentas usada na resolução de problemas do direito nacional