Opinião e Análise

Mariana Mota Prado

No meu curso de direito administrativo canadense na Universidade de Toronto, 2 das 12 semanas de aula são destinadas ao processo de consulta aos povos indígenas. Conhecido como  Duty to Consult and Accommodate, esse dever constitucional do estado obriga os agentes públicos a consultar os povos indígenas e as comunidades tradicionais afetadas por decisões administrativas. Se a consulta não ocorrer, ou ocorrer de maneira indevida, a decisão administrativa pode ser anulada, como <a href="https://www.fca-caf.gc.ca/fca-caf/pdf/Executive_Summary_Trans_Mountain_(English)_clean.pdf">ocorreu em 2018</a> com a autorização para construção do gasoduto TransMountain. 
O Brasil tem feito números avanços em reconhecer protocolos de consulta aos povos tradicionais e indígenas, processo que frequentemente <a href="https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/indigenas/ArtigoFernandodaSilvaMattos.pdf">envolve o Ministério Público</a> e requer diálogo direto com as comunidades afetadas. Falhas quanto ao processo de consulta no Brasil têm o potencial de invalidar toda e qualquer decisão legislativa ou administrativa que afete os interesses dessas comunidades. Por exemplo, no <a href="https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/brasil-justi%C3%A7a-derruba-licen%C3%A7a-de-belo-sun-ordena-consulta-pr%C3%A9via-respeitando-protocolo-de-consulta-dos-ind%C3%ADgenas/">caso da Belo Sun</a>, que envolve uma mineradora canadense, o judiciário ordenou que houvesse consulta prévia adequada aos povos indígenas; outras ações envolvendo construção de portos, linhas de transmissão de energia elétrica, rodovias, ferrovias e exploração de petróleo e gás xisto vão na mesma linha.  Além do setor de infraestrutura, há demanda por consultas no contexto de políticas de preservação ambiental e de educação. Portanto, compreender as exigências desse processo e como desenhá-lo de maneira adequada deveria ser uma preocupação central de todos interessados em direito público. 
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Não é apenas o potencial impacto sobre decisões administrativas que justifica a atenção de administrativistas: como processo administrativo, a consulta aos povos indígenas tem natureza única. Como nos ensina Egon Bockmann Moreira, <a href="https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/77560">o processo administrativo passou por diversas mudanças ao longo da história</a>; hoje, além de ser um direito fundamental do cidadão, ele tem ao menos três espécies: 1) defesa de direitos subjetivos (e.g. ações de expropriação), 2) reconhecimento de direitos ou interesses (e.g. seguridade social), e 3) colaboração na elaboração de normas (e.g. consultas públicas nos processos administrativos de interesse geral). A consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais parece incluir um pouco de cada uma dessas três espécies, dado que evita violações aos direitos de posse e propriedade; visa garantir a preservação do modo de vida e cultura desses povos e comunidades; e busca o <a href="https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/29649/fgv_nt_respeito_a_direitos_de_picts_em_projetos_de_infraestrutura.pdf?sequence=5&amp;isAllowed=y">desenvolvimento sustentável</a> desses povos e da nação como um todo. 
Mais do que isso: ao <a href="https://rca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/Protocolos-RCA-capa-e-miolo-final-2.pdf">reconhecer os protocolos desenvolvidos pelas próprias comunidades indígenas</a>, valida-se a ideia de que a consulta não é apenas um processo de reconhecimento dos direitos unilateralmente concedidos pelo estado aos seus cidadãos. Esse reconhecimento das instituições indígenas traz uma dose saudável de <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/os-selvagens-sentinela-e-o-pluralismo-juridico-10122018">pluralismo jurídico</a> ao direito administrativo brasileiro, que merecia ser mais explorada.

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JOTA

Uma dimensão do direito administrativo brasileiro que precisa ser mais explorada

Consulta aos povos indígenas

Reconhecimento das instituições indígenas traz uma dose saudável de pluralismo jurídico ao direito administrativo brasileiro.