Opinião e Análise

Floriano de Azevedo Marques Neto

Recentemente o presidente da República destacou o papel das compras governamentais como vetor de políticas públicas. O poder de compra pode ser instrumento importante na promoção das agendas ambiental, de governança e de inclusão social. 
Debate-se a suposta oposição entre comprar mais barato ou forcejar melhores  práticas. Compras governamentais respondem por mais 12% do PIB. Podem e devem ser úteis às políticas públicas. Que, como tal, devem se bem pensadas, mensuradas e avaliadas. 
Previsões legais destes instrumentos se voltaram a prever critério de desempate em licitações (cf. art. 60, III da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm">Lei 13.133/22</a>) ou cláusulas mandatórias no contrato (cf. art. 24, par. 9º da Lei 14.133/22). Assim foi com a exigência de parcela de produto nacional ou de contratação de mão de obra local. 
Porém, a efetivação de pautas ESG, em especial de metas de inclusão social, deve passar necessariamente pelo estabelecimento de exigências na fase de habilitação. Quando direcionadas apenas para o vencedor (quando do julgamento ou da contratação) têm impacto limitado àquele agente econômico. Se, contudo, a exigência é feita para todas as empresas que disputam o mercado — pois sem isso não se habilitam — o impacto é transformador. 
As exigências habilitatórias modelares enfrentam resistência no entendimento de que esse tipo de restrição demanda expressa previsão legal. Nosso regime de contratações é estatutário, deixa baixa margem de liberdade para inovação. Não obstante, tem havido certa evolução nestas pautas. Exigências de governança, como programas de integridade e bom histórico de performance, já são comuns. Exigências ambientais também vêm sendo feitas na fase de habilitação. Tímidas  são as exigências na inclusão social. Mas não é por falta de previsão legal. 
Exemplo é a promoção da igualdade racial. As leis de licitação, antiga e nova, são tímidas ou silentes no assunto. Porém na <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm">Lei 12.288/10</a> (Estatuto da Igualdade Racial), já não tão recente, há vários dispositivos que obrigam o poder público  a prover igualdade de oportunidade à população negra. Isso vem como comando geral (art. 2º) e dever específico (art. 4º, incisas IV e VII). O Estatuto determina mais:  que o poder público adote ações concretas para garantir oportunidades iguais no mercado de trabalho (art. 39), inclusive “visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público” e o incentivo a iguais medidas na iniciativa privada. Negar cláusulas de promoção de inclusão racial nas licitações sob o pálido argumento de falta de previsão legal é insustentável. 
Tais iniciativas tampouco são novas. O caso do Aeroporto O’Hare, em Chicago, desde os anos 1980, mostra que tais cláusulas não só são possíveis como muito eficientes. Lá, em todas as fases de implantação, foram feitas exigências de contratação com a cadeia de fornecedores de empresas lideradas ou relevantemente integradas por populações excluídas. O impacto foi grande e positivo.  
Implantar políticas afirmativas demanda mais do que criatividade, é necessário ter alguma dose de coragem.

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JOTA

Há vários instrumentos legais disponíveis, basta aplicá-los

Compras governamentais afirmativas

Implantar políticas afirmativas demanda mais do que criatividade, além disso, é necessário ter alguma dose de coragem