Floriano de Azevedo Marques Neto
Advogado e professor titular da Faculdade de Direito da USP
No debate público, é comum que se desqualifiquem propostas associando-as a desvios. Foi assim com as alterações na LINDB, taxada como desserviços ao esforço anticorrupção. A lei é de 2018. De lá pra cá o controle só melhorou. Não se viu o então temido “espetáculo da corrupção”.
Agora, a desqualificação dirige-se às mudanças na Lei da Improbidade Administrativa (LIA). Para os críticos, dariam um salvo conduto ao desvio de dinheiro público. As críticas não se sustentam.
A exigência de dolo ou culpa para condenar por improbidade inviabilizaria punições. É muito falso. Tal comprovação é obrigatória na esfera penal e nunca impediu condenações. Admitir penas, mesmo civis, sem essa comprovação, seria retroceder séculos.
A doutrina já firmou entendimento de que, sem ela, não há improbidade. As críticas são mera irresignação com o que deveria ser premissa: a responsabilidade do gestor público não é objetiva (CF, art. 37, §6º).
Critica-se também a retirada de tipos abertos de improbidade, baseados em princípios – um desvio da LIA, cuja ementa promete “sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito”. Passados 30 anos, é mínima a parcela de condenações baseadas em prova de locupletamento. A maioria se escora no art. 11, em conceitos abertos.
Pune-se mais a má gestão que atos de corrupção. Administradores ineptos merecem censura, não penas graves como as da LIA. O que de desonesto há em ferir o princípio da “lealdade das instituições”? A grita contra a atualização da LIA é contrariedade pela perda do poder de censurar opções administrativas das quais se discorda.
A terceira crítica é contra a prescrição. Pressupõe-se que, em prol de um bem maior (punir e ressarcir), condutas devem ser eternamente sindicáveis. Pode-se discutir seu prazo ou as condições para a suspensão da prescrição, mas não se pode aceitar que um agente tenha de responder sobre casos ocorridos décadas antes. Mesmo os crimes deixam de ser puníveis passado um largo tempo. Imprescritibilidade torna o passado incerto para sempre.
Piores são as vociferações contra a limitação de prazo para as investigações. Críticos dizem que um ano é pouco para investigar se há indícios de improbidade. É falacioso. Provas podem ser produzidas em juízo.
Defender a ausência de prazo para inquéritos é aceitar sua eternização e movimentação ao alvedrio de quem os preside. Persecução é função pública. Sujeita-se ao dever constitucional de celeridade. A mudança legal não acarretará impunidade. Induzirá a maior seriedade investigativa e inibirá procrastinações deliberadas.
Há, sempre, pontos a melhorar. O debate, porém, parece propositalmente distorcido. No estilo rodrigueano, pode haver interesses corporativos e autoritários sob a retórica moralizante. O que se quer intocável é um regime legal que vulgarizou o conceito de improbidade, não impediu a corrupção e afugenta o bom gestor público. Não é correto dar toda essa discricionariedade a quem deve vigiar e punir. A LIA tem de mudar.