Opinião e Análise

João Carlos Pietropaolo

A Lei nº 17.293 de outubro de 2020, na esteira do que fizera a União, instituiu a transação em São Paulo como forma consensual de solucionar litígios relacionados às obrigações inscritas em dívida ativa. A medida representa avanço inquestionável no sentido de diminuir a quantidade de processos em andamento e, assim, possibilitar melhorias na arrecadação, tanto a direta, com o pagamento dos valores envolvidos, quanto indireta, ao liberar tempo para atuação jurisdicional direcionada a casos mais difíceis.
Grandes quantidades de execuções fiscais constituem, desde sempre, um dos principais fatores prejudiciais para a arrecadação. Congestionam o Judiciário com medidas e providências excessivas, tomadas mais por inércia do que pelas efetivas perspectivas processuais de solução do caso concreto. A constatação dessa realidade exigiu da PGE ações para manter as cobranças ajuizadas em quantidades administráveis.
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Desde 2015, são ajuizadas somente certidões de dívida de valor superior a R$ 32 mil. Com isso, na média anual, a juízo vão apenas 15% do total de títulos inscritos, correspondentes, no entanto, a 80% do valor das inscrições. Os 85% de certidões não ajuizadas – ou 20% do valor das inscrições – são cobrados administrativamente, por meio de protesto e notificações. Com essas medidas, a PGE consegue manter uma quantidade grande, mas operacional de execuções, hoje na casa das 500 mil, incluindo físicas.
Não obstante a redução de ajuizamento, a arrecadação permanece na casa dos 2,5% sobre o valor dos estoques recuperáveis, avaliados, em dezembro de 2019, em R$ 146 bilhões. O índice de recuperação inclui os parcelamentos e recolhimentos incentivados, em que o devedor obtém descontos condicionados ao pagamento.
A prática de quase dez anos desses incentivos condicionados é elucidativa para melhor compreensão do significado da transação como política de arrecadação e de controle de processos em juízo.
Inicialmente, os programas de descontos têm efeito financeiro positivo, passando a dívida inscrita para ativo circulante.  Além disso, no exercício em que concedido, a arrecadação tem incremento substancial, correspondente a adesões para pagamento em parcela única.
Mas os parcelamentos desses mesmos programas, que nos casos mais antigos chegaram a dez anos, acabam tendo um efeito nefasto no longo prazo. O problema acontece no rompimento do acordo, quando os descontos inicialmente concedidos são reincorporados à cobrança. Como aproximadamente 2/3 dos parcelamentos são rompidos entre o segundo e o terceiro anos, mesmo as dívidas mais novas sofrerão acréscimos muito superiores aos que o devedor poderia suportar. Assim, os programas acabam por postergar a cobrança integral, quando as perspectivas de solução ficam muito reduzidas.
No programa de 2013, por exemplo, de R$ 10 bilhões em adesões, R$ 2 bilhões foram pagos em parcela única e R$ 8 bilhões foram parcelados. Destes, aproximadamente, R$ 2,5 bilhões foram quitados, resultando em rompimentos de R$ 5,5 bilhões ou 55% da adesão inicial. A consequência foi a retomada da cobrança do valor integral, com juros pelo tempo em que a dívida estava parcelada. A cobrança, nesses casos é quase sempre frustrada, considerando que a dívida integral e com juros se tornou impagável, mesmo para devedores presentes.
Não obstante os aspectos negativos dos programas de pagamento com descontos, a experiência mostrou que, por motivos os mais variados, devedores buscam alguma solução para suas dívidas quando lhe são oferecidas condições diferentes para pagamento. Nesse sentido, qualquer que fosse o desenho de transação, descontos teriam que ser previstos. Além disso, fazia-se necessário indicar que os prazos para pagamento não poderiam ser superiores aos que a Fazenda considera viáveis.
A lei paulista, perfilhando esses elementos colhidos da experiência, coloca os seguintes pontos:
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<li>a) a transação é forma de extinção de litígios que envolvem dívida inscrita e, portanto, exige extinção de todas as ações questionando referidas dívidas;</li>
<li>b) a transação inclui descontos sobre juros e multas, limitados ao valor total da dívida, conforme o grau de recuperabilidade;</li>
<li>c) os descontos são concedidos de maneira inversamente proporcional à expectativa de recuperação do crédito incluído na transação;</li>
<li>d) o grau de recuperabilidade da dívida tem que ser determinada em quatro faixas;</li>
<li>e) a gestão da dívida ativa passa a ser pautada, preferencialmente, por critérios de recuperabilidade;</li>
<li>f) os prazos máximos para pagamento parcelado são em 60 ou 84 meses, neste último caso para devedora em recuperação judicial;</li>
<li>g) não podem ser transacionados débitos de devedores do ICMS em reiteração, entendida como a impontualidade de 50% ou mais das obrigações vencidas nos últimos 5 anos, independentemente do valor;</li>
<li>h) possibilidade de exclusão de obrigações questionadas em juízo pelo devedor e resolvidas definitivamente a seu favor, por precedentes vinculantes.</li>
</ol>
A norma estadual seguiu, à exceção das previsões sobre contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, a estrutura da transação federal. Outra diferença é a de que a norma paulista traz a possibilidade de descontos para devedores com capacidade máxima de pagamento, no limite de 10% do valor da dívida.
Já em sua primeira regulamentação, a transação em São Paulo apresenta importante diferença relativamente à federal, consistente em previsões públicas sobre a apuração do rating. A Resolução PGE nº 27, de 18/11/2020, e a Portaria SUBG CTF nº 20, de 4/12/2020, estabelecem critérios objetivos transparentes para ranquear o devedor, que pode verificar sua própria situação e calcular os descontos possíveis para o seu caso. Essa opção tem origem prática, imposta pela capacidade computacional limitada de São Paulo para processar o rating. No futuro, no entanto, a regulamentação paulista tende a ficar mais parecida com a da União, em que o rating é publicado diretamente.
Além desses aspectos concretos, optou-se, neste primeiro momento, por solução normativa mais garantista, com o intuito de evitar questionamentos judiciais sobre o motivo pelo qual um devedor tem um rating e não outro qualquer. Para a União tais questionamentos são menos traumáticos do que para o Estado, dada a maior especialidade da Justiça Federal em temas de recuperação de ativos.
O rating em São Paulo segue um conjunto de regras que procura equilibrar seis critérios estabelecidos expressamente pela lei: garantias, histórico de pagamento, idade da dívida, capacidade econômica, risco fiscal e custos de cobrança. Haverá, necessariamente, um rating para ICMS e, no mínimo, um outro para todos os demais débitos.
Os três primeiros critérios - garantias, histórico e idade - estabelecerão rating básico para todas as dívidas do mesmo tipo do mesmo devedor. Será obtido por processamento da integralidade dessas dívidas. As informações para tanto são internas, da própria PGE.
O processamento confere notas pela comparação entre o valor total das garantias, o valor das obrigações inscritas nos últimos 5 anos e os pagamentos realizados no mesmo período, tudo em comparação com o valor total da dívida. Garantias terão peso dobrado. Conferidas as notas, o rating é estabelecido entre três categorias, “A” ou recuperabilidade máxima, “B” média e “C” difícil. Irrecuperáveis ou rating “D” são as dívidas de devedores com base do CNPJ inativo ou baixado.
O risco fiscal para o Estado das ações inseridas na transação pode determinar ajuste de rating, conforme a probabilidade de êxito do devedor na demanda. O custo de cobrança superior ao valor da dívida poderá ser também utilizado para ajustar o rating.
Os descontos sobre juros e multas serão de 20% para o rating “A” e “B” ou 40% para o rating “C” ou “D”. Os descontos são limitados a 10% do valor total da dívida para o rating “A”, a 15% para o rating “B” e a 20% para o rating “C”. O rating “D” tem limite de 30% do valor total da dívida.
A capacidade de pagamento será utilizada, neste primeiro momento, somente para determinar a solvabilidade do devedor no parcelamento. A capacidade será aferida por documentos juntados pelo devedor, que terá parcelas não inferiores a 20% de sua receita bruta média mensal do último exercício. Os parcelamentos – exceto nos casos de recuperação judicial – ficarão sujeitos a uma primeira parcela no valor de 20% do valor da transação.
<blockquote class="jota-article__eye">A transação poderá ser feita por adesão à proposta da PGE, em edital, ou por proposta individual do contribuinte, além de propostas individuais da PGE em alguns outros casos.</blockquote>
Em edital, a PGE estabelece todas condições aplicáveis, para adesão pelo devedor, em sítio eletrônico.
Quanto à adesão, espera-se, nos próximos cinco anos, algo não superior à verificada nos parcelamentos incentivados, de aproximadamente 5% da oferta, o que envolveria todo o estoque da dívida, de aproximadamente R$ 330 bilhões. A novidade do instituto não permite uma visão mais otimista, sobretudo quando considerado que os descontos da transação são muito inferiores aos concedidos em programas de recuperação fiscal pretéritos.
Entretanto, mais do que atrair devedores, a transação constitui importantíssimo mecanismo para orientar a cobrança judicial da dívida. De fato, com base em ratings, o Estado poderá melhor escolher suas estratégias, fato esse que certamente terá efeitos benéficos sobre a recuperação dos ativos. Além disso, os critérios de recuperabilidade permitem à PGE promover, do ponto de vista patrimonial, escrituração mais correta da dívida.
As expectativas são modestas. Mas o fato é que a transação constitui uma pequena alteração com muitas possibilidades. Internamente, o Estado terá, com base em lei, conhecimento mais realista de seus ativos e condições de racionalizar a cobrança da dívida ativa em juízo. Para o devedor, coloca uma saída mais próxima de suas necessidades. Poucos que sejam os casos, a transação forma, com outras alternativas baseadas no consenso, importante forma de solução de conflitos.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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JOTA

Desde 2015, são ajuizadas somente certidões de dívida de valor superior a R$ 32 mil

Transação tributária em São Paulo: uma pequena alteração e muitas possibilidades

Desde 2015, são ajuizadas somente certidões de dívida de valor superior a R$ 32 mil