Opinião e Análise

Adriano Chiari da Silva

O nível de litigiosidade verificado no Brasil parece não encontrar paralelo nos outros países. Se tomarmos o tamanho da Justiça, a partir do acervo de processos e do gasto, per capita e relativo ao PIB, a litigiosidade nacional é campeã<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Nas questões tributárias, a intensidade e volume de litígios é ainda maior. O contencioso é a tônica das relações fiscais no país.
Trata-se de fenômeno histórico. De um lado, temos a Administração Tributária, que ainda oferece uma visão turva e titubeante em relação a uma série de pontos de interpretação. De outro, os contribuintes, especialmente os maiores que detém forte capacidade legal, econômica e política, buscando incessantemente oportunidades de diferenciação fiscal, seja no contencioso administrativo ou no judicial. Essa relação, mediada por uma legislação esparsa, complexa e muitas vezes atécnica, gerou mais tensão do que previsibilidade; desconfiança entre contribuintes e fisco do que conformidade fiscal.
A recente edição da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm#:~:text=Art.,natureza%20tribut%C3%A1ria%20ou%20n%C3%A3o%20tribut%C3%A1ria.">Lei 13.988, de 2020</a>, com o objetivo de diminuir os excessivos níveis de litigiosidade no contencioso tributário, é uma novidade animadora, em que se busca por mais cooperação e transparência.
A transação, como instituto relativamente novo na prática tributária nacional, desperta importantes e desafiadoras questões. Uma delas diz respeito a conformidade legal dos procedimentos relativos à negociação de créditos tributários.
A tipicidade legal, ainda que ofereça importantes e recentes críticas quanto ao possível formalismo na sua aplicação<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, ainda segue um aspecto definidor da forma como compreendemos nosso sistema tributário. Nesse caso, cabe indagar qual a relação da legalidade com a transação.
Um primeiro ponto a ser abordado é que, ao se falar em regulamentação da transação tributária, não se está a tratar do poder de tributar especificamente, tampouco da definição de fato gerador ou base de cálculo. A transação, prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional, busca a celebração de negócio jurídico mediante concessões mútuas ou recíprocas voltado ao encerramento de litígio e, por consequência e de modo indireto, do crédito tributário<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Nesse sentido, não se deve incorrer em confusão com os institutos tributários que exigem a atividade vinculada na cobrança e arrecadação e a legalidade estrita (arts. 3° e 97, do CTN).
Outro relevante aspecto a ser destacado da transação é o da previsão de autoridade competente para autorizar a transação. Longe de constituir um requisito meramente formal, a previsão revela, antes, um elemento de discricionariedade administrativa na composição da transação tributária.
As concessões recíprocas são elementos indissociáveis da transação em geral<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. A doutrina, em boa medida, aponta este aspecto como elemento da discricionariedade da autoridade, no caso das transações tributários. O argumento é reforçado pela observação de que não haveria que se falar em atividade exclusivamente vinculada da Administração Tributária, uma vez que não se trataria de regra a exigir mais imposto (instituição ou aumento) ou dispensar o seu recolhimento (desoneração). Por essa perspectiva, a manifestação volitiva pela rejeição ou adesão da transação tributária, pelo fisco, poderia ser justificada pela dimensão da discricionariedade necessariamente presente na celebração desse tipo de ato jurídico.
Entretanto, se nos parece correto afirmar, por um lado, que a transação tributária está fundamentada na conveniência e oportunidade da autoridade fazendária de acordo com o art. 171 do CTN e com a própria natureza do instituto (do direito privado), por outro não há maior precisão no dispositivo quanto a que condição ou aspecto e extensão do negócio jurídico esta discricionariedade será exercida. A questão se mostra ainda mais sensível se o negócio estiver a envolver a redução do montante devido, o que poderia atrair a exigência do art. 150, § 6° da Constituição de 1988, quanto à reserva de lei para conceder benefício fiscal.
Sobre esse ponto, parece que não pretendeu o CTN estabelecer um único modelo de transação, em que se pressuporia uma vinculação total da autoridade fazendária. Tampouco permitiu poderes discricionários irrestritos na celebração da transação. Os modelos, assim, irão variar a partir da margem legal reservada ao exercício da discricionariedade quanto à extensão e objeto da transação. Sob tal ângulo, seria interessante se falar em “transações tributárias”, pois os modelos, a partir da discricionariedade delimitada pela lei, poderão variar bastante.
Essa variação de modelos de transação tendo em conta sua relação com a discricionariedade é reforçada quando se examina as legislações sobre o tema.
No caso do Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 6.537, de 27 de fevereiro de 1973 foi detalhista quando ao atendimento das condições a serem estabelecidas, fixando-se os percentuais de redução de multa (30 ou 20%) de forma específica e exaustiva, não abrindo maior margem para discricionariedade na redução do montante.
Já o modelo de transação do Município de Blumenau/SC (Lei Estadual n. 8.532, de 13 de dezembro de 2017) estabelece balizas para a concessão daquilo que poderia se denominar “favor fiscal”, a partir de critérios como histórico fiscal do sujeito passivo, o cumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com o fisco e a adoção de critérios de boa governança, a situação econômica do sujeito passivo e a existência de bens do devedor, dentre outros.
O painel de legislações estaduais e municipal tratando da transação tributária reforça, portanto, a percepção de que o CTN, ao prever o instituto, não precisou um conteúdo único, exclusivo, determinado quanto às condições em que se daria a discricionariedade da autoridade fiscal na celebração da transação.
No caso da Lei 13.988, de 2020, pode-se extrair que o parágrafo único do art. 14, ao enumerar critérios para aceitação do negócio pela Administração, também teve o intuito de que tais referências servissem como parâmetro (balizas) para a redução do montante devido.
Em conclusão, quanto maior a previsão legal explicitar balizas, ainda que a serem mais detalhadamente especificadas e quantificadas por ato infralegal, e que estas possuam relação direta com a atuação discricionária na atuação da Administração Tributária na negociação da transação, especialmente na concessão dos descontos, maior será a segurança quanto à conformidade com o primado da legalidade.
A prática da transação tributária é uma auspiciosa novidade, e que já vem trazendo bons resultados a partir de um novo paradigma na relação fisco-contribuinte. Um ganha-ganha, como se costuma dizer.
Porém, uma arquitetura legal das transações tributárias, que confira transparência e segurança jurídica nos modelos das diversas Administrações Tributárias, atributos indispensáveis a qualquer sistema tributário eficiente, é parte fundamental do êxito da aplicação deste instituto.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Dados do Council of European Comission for Efficiency in Justice (CEPEJ), da OCDE e do CNJ apontam que o Brasil lidera lista de litigiosidade entre países com as principais economias do mundo com 200 funcionários per capita, 1,4% do PIB no gasto judicial, e uma duração média de 1.600 dias para julgamento em 1ª Instância. A Itália, segundo colocado neste último item pesquisado, para se ter uma ideia, apresentou uma média de 564 dias.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ROCHA, Sérgio André. Da Lei à Decisão: A Segurança Jurídica Tributária Possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2017, p. 19.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> SILVA, Lázaro Reis Pinheiro. Transação como mecanismo preparatório para a extinção da obrigação tributária. In: CONRADO, Paulo Cesar; ARAUJO, Juliana Furtado Costa. Transação tributária na prática da Lei 13.988/2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 60.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 840 do Código Civil: É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

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JOTA

Uma análise do instituto a partir do princípio da legalidade

Transação ou transações tributárias?

A transação tributária é uma auspiciosa novidade que já traz bons resultados a partir de um novo paradigma na relação fisco-contribuinte