Opinião e Análise

Daniel de Paiva Gomes

Eduardo de Paiva Gomes

Na linha dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV/Direito-SP, pensamos que os casos com potencial de subsunção à transação no contencioso tributário também podem ser identificados a partir da análise histórica do entendimento adotado pelos Tribunais acerca da legitimidade ou não de determinado tributo.
Com isso, quer-se dizer que, nas hipóteses em que se verifica relevante alteração jurisprudencial em sentido contrário ao entendimento anterior, para além de outros mecanismos de estabilização já existentes (tal como a modulação de efeitos), a transação pode se constituir como relevante instrumento para equacionamento da dívida e reorganização do passivo fiscal.
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Inseridos neste contexto – atinente à evolução jurisprudencial acerca das “contribuições de terceiros” (Salário Educação, contribuições destinadas ao SENAI, SESI, SESC, SENAC, excluídos SEBRAE e a contribuição ao INCRA, para os quais já há solução assentada), previstas no artigo 149 da Constituição Federal – encontrar-se-ia matéria subsumível à transação de que pretendemos falar.
Em brevíssima síntese, a celeuma atinente ao tema reside em considerar taxativo ou exemplificativo o rol de bases de cálculo elencadas no artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal, após o advento da Emenda Constitucional nº 33/01, quais sejam: (i) faturamento; (ii) receita bruta; (iii) valor da operação; e (iv) valor aduaneiro.
Se taxativo, todas as contribuições de terceiros que adotem base de cálculo diversa daquelas previstas no dispositivo constitucional estariam eivadas de inconstitucionalidade superveniente. Assim, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 33/01, as contribuições de terceiros com base de cálculo não prevista taxativamente no artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal careceriam de fundamento normativo de validade.
Este seria exatamente o caso do Salário Educação, das contribuições ao SESI, ao SENAI, ao SESC, ao SENAC, ao SEBRAE e da contribuição ao INCRA. Embora sejam contribuições sociais gerais e de intervenção no domínio econômico, respectivamente – e, portanto, possuem como fundamento constitucional de validade o artigo 149, §2º, III, “a” da Constituição Federal – , referidos tributos adotam como base de cálculo “o total da remuneração paga, devida ou creditada a empregados e trabalhadores avulsos”.
Trata-se de entendimento que encontra fundamento na jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal. Ao analisar a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS-importação nos autos do Recurso Extraordinário nº 559.937, cujo julgamento foi realizado sob a sistemática da repercussão geral, a Suprema Corte externou seu entendimento acerca da interpretação a ser conferida ao artigo 149, § 2º, III, da Constituição Federal.
Naquela oportunidade, a Corte Excelsa reconheceu que “com o advento da EC 33/01, contudo, a enunciação das bases econômicas a serem tributadas passou a figurar como critério quase que onipresente nas normas de competência relativas a contribuições. Isso porque o § 2º, III, do art. 149 fez com que a possibilidade de instituição de quaisquer contribuições sociais ou interventivas ficasse circunscrita a determinadas bases ou materialidades, fazendo com que o legislador tenha um campo menor de discricionariedade na eleição do fato gerador e da base de cálculo de tais tributos”.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que “resta inconteste o fato de que a EC nº 33/2001 houve por bem instituir um rol taxativo de bases de cálculo, inserido no art. 149, §2º, III, “a” da CF/88, das contribuições sociais gerais e de intervenção no domínio econômico, limitando o exercício da competência tributária por parte da Ré somente sobre as referidas bases econômicas”.
O reconhecimento do caráter taxativo do rol de bases de cálculo previsto no artigo 149, §2º, III, “a” da CF/88, em sede de precedente vinculante exarado pelo Supremo Tribunal Federal, motivou o ajuizamento de diversas ações judiciais, visando ao reconhecimento da inconstitucionalidade superveniente das contribuições de terceiros que adotam como base de cálculo a folha de salários/pagamentos.
Além do entendimento fixado no referido precedente, tais ações judiciais adotam como fundamento a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a antinomia da norma antiga com a Constituição superveniente se resolve na mera revogação da primeira”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Nessa perspectiva, a tese pela inconstitucionalidade superveniente das contribuições de terceiro contaria com sólido respaldo jurisprudencial, falando-se, em verdade, em revogação tácita.
No entanto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal houve por bem afetar dois Recursos Extraordinários para tratar, de maneira específica e também sob a sistemática da repercussão geral, da constitucionalidade da contribuição ao SEBRAE (RE 603.624) e ao INCRA (RE 630.898).
No Recurso Extraordinário 603.624, a Corte Excelsa entendeu que “O acréscimo realizado pela EC 33/2001 no art. 149, § 2º, III, da Constituição Federal não operou uma delimitação exaustiva das bases econômicas passíveis de tributação por toda e qualquer contribuição”. E, assim concluiu: “O emprego, pelo art. 149, § 2º, III, da CF, do modo verbal ‘poderão ter alíquotas’ demonstra tratar-se de elenco exemplificativo em relação à presente hipótese”.
Idêntico entendimento foi adotado no Recurso Extraordinário 630.898, no sentido de que “o § 2º, III, a, do art. 149, da Constituição, introduzido pela EC nº 33/2001, ao especificar que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico ‘poderão ter alíquotas’ que incidam sobre o faturamento, a receita bruta (ou o valor da operação) ou o valor aduaneiro, não impede que o legislador adote outras bases econômicas para os referidos tributos, como a folha de salários, pois esse rol é meramente exemplificativo ou enunciativo”.
Nos referidos leading cases, o Supremo Tribunal Federal definiu que não existiria entendimento anterior quanto à taxatividade do rol de base de cálculo, fixado no Recurso Extraordinário nº 559.937, sob o fundamento de que se estaria diante de questão qualificada enquanto obiter dictum, bem como seria, apenas, a posição pessoal da Relatoria do referido precedente.
A breve análise dos precedentes acima permite delimitar o embate jurisprudencial que, a nosso ver, justificaria a seleção de tal controvérsia enquanto caso subsumível à transação.
Embora o Recurso Extraordinário 559.937 não tenha analisado, de maneira específica, as contribuições de terceiro mencionadas, fato é que o Supremo Tribunal Federal externou a interpretação a ser conferida ao artigo 149, §2º, III, “a” da CF/88.
Por outro lado, a despeito de os Recursos Extraordinários 603.624 e 630.898 versarem de maneira específica, respectivamente, sobre a contribuição ao SEBRAE e ao INCRA, também é fato que os fundamentos adotados podem ser igualmente aplicados, mas ainda não o foram, para as demais contribuições de terceiros (SESI, SENAI, SESC, SENAC, Salário-Educação, etc.).
O cotejo analítico dos leading cases traz à tona o debate quanto aos limites do efeito vinculante dos precedentes previsto no Código de Processo Civil, isto é, se o efeito vinculante alcança igualmente os fundamentos exarados no precedente ou somente alcançam a tese sumular, tal como objetivamente fixada. Ao lado desse debate, surge, ainda, a problemática atinente à notória subjetividade para qualificação de determinada questão como obiter dictum em sede de precedente vinculante, haja vista a ausência de critérios objetivos para sua delimitação.
Os reflexos dessas controvérsias desaguam, finalmente, no Poder Judiciário, haja vista que, a depender do critério interpretativo a ser adotado quanto à força persuasiva dos precedentes, ter-se-á intenso fluxo de ações exacionais ou antiexacionais, em nítida contrariedade, justamente, ao objetivo perseguido pelos precedentes vinculantes, prática fortalecida e aperfeiçoada no Código de Processo Civil 2015.
<blockquote class="jota-article__eye">Por tais razões, entendemos que se está diante de uma hipótese temática que poderia ser muito bem dirimida no âmbito da transação. A aplicação da transação neste contexto beneficiaria, ainda, pessoas não diretamente relacionadas ao litígio, mas que invariavelmente sofrem as suas consequências: as entidades beneficiadas com o recolhimento das contribuições de terceiros.</blockquote>
Embora a jurisprudência recente reconheça a ilegitimidade passiva das referidas entidades para figurarem nessas demandas judiciais e, consequentemente, a desnecessidade da formação de litisconsórcio necessário<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, não se pode ignorar que a transação com eventual concessão de desconto impactará diretamente os recursos destinados à implementação das atividades que justificam a sua existência. Dessa forma, pensamos ser recomendável a participação dessas entidades na elaboração do edital de transação, na medida em que tal providência permite que tenham previsibilidade orçamentária e financeira.
Em que pesem os tributos objeto de análise possam não representar valores tão expressivos, é importante resgatar a premissa que justifica a adoção da transação, qual seja, a redução da litigiosidade, não se restringido, portanto, a mero instrumento para incrementar a arrecadação.
A transação tem como objetivo a resolução do litígio, de modo que a extinção do crédito tributário é endereçada pelo artigo 171 do Código Tributário Nacional como mera consequência. Daí por que acreditamos que a transação está mais relacionada aos efeitos processuais do litígio do que apenas aos efeitos tributários, o que justifica pensar a utilização da transação tendo como causa as razões processuais que resultam no incremento do acervo do Poder Judiciário.
Nesse sentido, a transação se prestaria a dirimir a controvérsia que gravita sobre o tema, uniformizando a interpretação acerca dos efeitos vinculantes dos precedentes, isto é: (i) se a interpretação externada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário 559.937, acerca do artigo 149, §2º, III, “a” da CF/88, possui efeito vinculante ou é apenas obiter dictum; ou (ii) se os fundamentos adotados nos Recursos Extraordinários 603.624 e 630.898, que resultaram, especificamente, no reconhecimento da constitucionalidade da contribuição ao SEBRAE e ao INCRA, também seriam aplicáveis às demais contribuições de terceiros ainda não analisadas especificamente pela Suprema Corte (SESI, SENAI, SESC, SENAC, Salário-Educação, etc.).
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A título exemplo, confira-se: STF, ADI 438, Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 07/02/1992; STF, ADI 3569, Min. Sepúlveda Pertence, 02/04/2007; ADI 2475, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 15/05/2002, DJ 02-08-2002 PP-00057 EMENT VOL-02076-03 PP-00485
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A título de exemplo, confira-se: AI 00010724120164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/09/2016; AMS 00002970920144036107, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 06/04/2017.

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JOTA

Contexto jurisprudencial como possível critério para identificação de casos transacionáveis

Rol taxativo ou exemplificativo do artigo 149 da Constituição Federal

Contexto jurisprudencial como possível critério para identificação de casos transacionáveis