Opinião e Análise

Michell Przepiorka

No último dia 29 de setembro, ocorreu a primeira reunião presencial do “Grupo de Pesquisa da Tributação no Ambiente Digital” da Fundação Getulio Vargas de São Paulo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, em que se discutiu com grande profundidade alguns dos impactos que a evolução do metaverso<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>-<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> poderia ter na esfera tributária tanto no ambiente nacional quanto no internacional.
Se foi possível perceber entre os pesquisadores presentes quase um consenso quanto à aplicação das normas atualmente vigentes aos eventos e transações ocorridas no metaverso, as maiores dificuldades se evidenciaram quanto à compreensão do fenômeno para fins de qualificação jurídico-tributária, bem como à fiscalização e à aplicação da legislação.
Interessante notícia veiculada no painel pela pesquisadora Silvia diz respeito ao projeto de Hong Kong criar uma cidade gêmea no ambiente digital<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. A questão foi posteriormente problematizada pelo pesquisador Eduardo de Paiva Gomes, indicando-se a eventual necessidade de uma espécie de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/nft">NFT </a>(non fungible token) (um documento semelhante a um passaporte?) para ingressar nesse ambiente.
Após substancial fala do professor Roberto França de Vasconcellos, acerca de uma melhor compreensão do conceito de estabelecimento permanente para fins de aplicação de tratados para evitar a dupla tributação, não pudemos deixar de notar que a aplicação do referido dispositivo demanda inicialmente que se saiba qual o país de residência das partes envolvidas na transação para saber (i) se o tratado é aplicável e (ii) como as normas de qualificação de rendimentos devem ser aplicadas.
Destas reflexões, parece que um problema que se poderá enfrentar no futuro é se e como a propagação de ambientes digitais que reflitam uma determinada cidade ou nação poderia ressignificar os critérios de residência atualmente aplicáveis, muito alicerçados na presença física.
Imagine-se, por exemplo, que um determinado indivíduo residente e domiciliado no Brasil trabalhe para uma empresa brasileira, que possui uma sala locada em “MetaHong Kong”, e que dedique parcela significativa do seu dia naquele ambiente. Seria possível a China pretender tributar este indivíduo como se residente fosse, ainda que nunca tenha pisado naquele país, por entender que ele exerce um papel econômico e social significativo naquele país? A conclusão se alteraria caso se tratasse de plataforma privada ou vinculada a um ente pública? E se fosse necessária alguma autorização para ingressar neste ambiente?
Note-se que tais questões não são despropositais, pois, conforme já defendemos, não há um consenso acerca do que é residência para fins fiscais, cabendo a cada Estado a definir, no exercício de sua soberania, os critérios que serão adotados como referência para que um determinado indivíduo ou uma determinada pessoa jurídica seja considerado residente, sujeito a tributação em bases universais, em seu território. <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Veja-se que para fins de determinar a residência muitos países aplicam testes de fatos e circunstâncias<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> para de alguma forma aferir a pertinência econômica do indivíduo a seu Estado, combinados ou não com testes mecânicos baseados no número de dias que um indivíduo permanece em seu território. Nesse contexto, poder-se-ia questionar se a pertinência econômica poderia ou não considerar a participação deste indivíduo no ambiente digital que representa aquele Estado.
A situação se complica ainda mais quando se pensa em pessoas jurídicas, cuja existência per se, não passa de ficção jurídica, cuja residência pode ser alterada com maior flexibilidade, quando comparando-se a um indivíduo.
Daí o porquê, antes de se pensar em estabelecimento permanente e sua necessária adaptação ao ambiente virtual, talvez seja necessário dar um passo atrás para que se estabeleça como a digitalização do mundo no contexto Web3 pode ressignificar a própria definição de residência para fins fiscais. Viveremos um estado de residência “fiscal metaversial”?
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A integra do evento pode ser acessada em &lt;<a href="https://youtu.be/F5rBZ4cYg_8">https://youtu.be/F5rBZ4cYg_8</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Registra-se que a utilização da expressão metaverso entre aspas se justifica, porque como didaticamente explicado pelos pesquisadores Silvia Piva e Eduardo de Paiva Gomes, atualmente os ambientes digitais disponibilizados ainda não preenchem as características necessárias para que se caracterize um “verdadeiro metaverso”. Vide o artigo Metaverso é para o Direito da pesquisador a Silvia Piva em &lt;<a href="https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/metaverso-e-para-o-direito/">https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/metaverso-e-para-o-direito/</a>&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Segundo Eduardo e Daniel de Paiva Gomes (Metaverse as a platform (MAAP), metalinguagem e direito. In. PAIVA GOMES, Daniel de; PAIVA GOMES, Eduardo de; CONRADO, Paulo Cesar (coord.), Criptoativos, Tokenização, Blockchain e Metaverso: aspectos filosóficos, tecnológicos, jurídicos e econômicos, coordenação, prelo), no que entendo será a obra coletiva de referência sobre o tema pelos próximos anos: Uma análise cética, tecnologicamente neutra e centrada no fenômeno (ou conjunto deles), nos permite enxergar o “metaverso” pelo que ele realmente é: uma plataforma, daí por que o MeP (Metaverso enquanto Plataforma) ou MaaP (Metaverse as a Platform) deve ser avaliado à luz de suas reais características: uma PADID2E (plataforma em ambiente digital interconectado, descentralizado, distribuído e estendido) ou ID2EDEP (Interconnected, decentralized, distributed and extended digital environment platforms)
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Vide: <a href="https://metahk.app/">https://metahk.app/</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Vide PRZEPIORKA, Michell et al. Tributação direta dos rendimentos provenientes da computação na nuvem: alguns pressupostos. In: PISCITELLI, Tathiane; BOSSA, Gisele Barra. Tributação da nuvem : conceitos tecnológicos, desafios internos e internacionais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Ault e Arnold explicam que o teste de fatos e circunstâncias looks at the various social and economic connections the taxpayer has to the taxing jurisdiction, as well as the taxpayer’s intent with regard to his stay and his connections to other jurisdictions (AULT, Hugh J. – ARNOLD, Brian J. Comparative income taxation: a Structural analysis. 3ª ed. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluver, 2010, p. 431).

metaverso

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JOTA

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Residência fiscal e metaverso: possíveis impactos

A propagação de ambientes digitais como o metaverso poderia ressignificar os critérios de residência atualmente aplicáveis?