Opinião e Análise

Filipe Aguiar de Barros

Geila Lídia Barreto Barbosa Diniz

No recente julgamento da Ação Rescisória (AR) nº 6.015/SC, iniciado no dia 27 de outubro de 2021 e ainda não finalizado, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>) retomou o debate acerca da aplicação da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) como óbice ao conhecimento de ação rescisória, tema objeto de antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial e ainda envolto em grandes discussões.
Apesar de abordar esse importante julgamento, o presente artigo não está voltado à análise quanto à pertinência ou não do referido enunciado sumular. O foco da presente abordagem, na verdade, é o esclarecimento verbal feito na sessão de julgamento pelo ministro relator, Gurgel de Faria, no sentido de que, caso superado o óbice da Súmula 343 e julgado o mérito da AR nº 6.015/SC, o seu voto seria para que a rescisão somente gerasse efeitos a partir do julgamento, em homenagem ao princípio da confiança legítima. Noutras palavras, sinalizou que eventual exceção à Súmula 343 do STF viria acompanhada de uma espécie de modulação dos efeitos do julgamento da ação rescisória.
É justamente essa heterodoxa modulação de efeitos no julgamento de ação rescisória, já acenada pelo ministro relator, o objeto de reflexão deste texto.
A ação rescisória em foco diz respeito à pretensão de rescindir-se a coisa julgada formada em ação coletiva ajuizada por sindicato de âmbito estadual, cuja discussão de fundo – não incidência do IPI na revenda de produtos importados – fora pacificada posteriormente ao acórdão rescindendo, através de precedentes do STJ e do STF originados da sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral, respectivamente.
No julgamento em questão, o relator, ministro Gurgel de Faria, considerou que, embora fosse o caso de incidência da Súmula 343 do STF, já que o acórdão rescindendo teria adotado interpretação razoável no contexto de divergência jurisprudencial, haveria necessidade de ressalvar a aplicação do enunciado e conhecer-se da ação rescisória.
Na perspectiva do relator, impedir o processamento da ação rescisória por força da Súmula 343 do STF, quando em jogo coisa julgada de natureza coletiva que favorece toda a categoria substituída pelo sindicato autor, implicaria violação aos princípios da isonomia tributária e da livre concorrência. Isso porque o óbice impediria o reexame da controvérsia à luz do precedente vinculante firmado posteriormente, colocando as empresas substituídas em situação de vantagem concorrencial em relação à generalidade das empresas contribuintes.
Foi esse o contexto, então, no qual o ministro Gurgel de Faria adiantou que, afastada a incidência da Súmula 343 e acolhida no mérito a demanda rescisória, a rescisão deveria gerar efeitos a partir do julgamento, como já mencionado.
Sem desmerecer a razoável preocupação com a livre concorrência e a isonomia tributária, parece-nos que a solução aventada confunde fenômenos jurídicos essencialmente diversos: rescisão da coisa julgada e cessação da eficácia da sentença.
Como se sabe, no julgamento da ação rescisória, o tribunal competente, após analisar e superar eventuais preliminares, procede ao juízo rescindendo (iudicium rescindens), promovendo, em caso de procedência da ação, a rescisão total ou parcial da sentença ou acórdão atacado. Em sequência, quando for o caso, promoverá também o juízo rescisório (iudicium rescissorium), vale dizer, o rejulgamento da causa, nos limites admitidos pelo juízo rescindente.
Enquanto o juízo rescindendo possui eficácia ex nunc, o juízo rescisório apresenta, ao menos em regra, eficácia ex tunc, de sorte que os termos do eventual rejulgamento da causa em sede de ação rescisória são aplicáveis, de forma retroativa, à lide objeto da apreciação jurisdicional. 
Salvo exceções pontuais envolvendo terceiros de boa-fé, restituição de verbas de caráter alimentar ou a teoria do fato consumado, cogitar algum nível de modulação dos efeitos da procedência da ação rescisória é algo disruptivo, inclusive à luz da jurisprudência do próprio STJ (v.g. REsp 1.514.129/PE e AR 3.788/PE).
Aliás, o instituto da modulação de efeitos somente veio a ser incorporado (de forma limitada) ao ordenamento jurídico pátrio com a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm">Lei 9.868/1999</a>, quando há muito já consolidado o instituto da ação rescisória. Em tese, o que pode ser objeto de modulação é o precedente que potencialmente será utilizado como fundamento de eventual ação rescisória, não o julgamento dessa ação.
A possibilidade de modulação de efeitos na ação rescisória, cogitada pelo ministro Gurgel de Faria, surgiu de uma preocupação com os princípios da isonomia tributária e da livre concorrência. No entanto, a proposta de modulação evidencia que essa preocupação está, na verdade, muito mais ligada aos efeitos prospectivos da coisa julgada (notadamente aquela dissonante da jurisprudência posteriormente consolidada) sobre as relações jurídico-tributárias de trato continuado, do que propriamente quanto ao passado.
E é precisamente nisso que reside, no nosso sentir, o equívoco da proposta. Não se pode confundir o excepcional instituto da ação rescisória com a cláusula rebus sic stantibus, que delimita a eficácia ou os limites objetivos de qualquer sentença e, portanto, da coisa julgada que eventualmente a protege (art. 505, I, do CPC).
Como visto, o rejulgamento da causa em ação rescisória tem o efeito preordenado de substituir o julgado de mérito retroativamente, sendo essa, por excelência, a pretensão almejada com esse tipo de postulação em juízo.
Exigir o ajuizamento de uma ação rescisória para a finalidade do art. 505, I, do CPC, com o intuito de fazer cessar prospectivamente a eficácia de sentenças sobre relações tributárias de trato continuado, representa não apenas uma violação à literalidade do referido dispositivo, como também um desvirtuamento da finalidade legal das demandas rescisórias, utilizando-as em situações desnecessárias. Essa exigência também atrairia a aplicação do prazo decadencial e dos requisitos para cabimento da ação rescisória (inclusive o famigerado óbice da Súmula 343 do STF), os quais conflitam com a própria lógica em admitir-se a rescisão no caso concreto.
Noutras palavras, a ação rescisória não se presta ao coadjuvante papel de declarar a cessação prospectiva da eficácia da decisão rescindenda. Aliás, a proposta de que a eventual rescisão somente gere efeitos a partir do julgamento chega a ser mais limitada do que o próprio art. 505, I, do CPC, contexto no qual a cessação ocorreria a partir da própria modificação do estado de fato ou de direito.
A resposta adequada para a questão já havia sido sinalizada, a contrario sensu, no julgamento do Tema 733 de repercussão geral, da relatoria do ministro Teori Zavascki:
<blockquote class="jota-article__citation">“A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495)”; no entanto, esse entendimento simplesmente não se aplica “à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado” (trecho final do item 4 da ementa do julgamento do RE nº 730.462, paradigma do referido tema).</blockquote>
Vale dizer, o advento do precedente vinculante do STF ou STJ faz cessar prospectiva e automaticamente os efeitos das sentenças nas relações jurídicas de trato continuado, tornando desnecessário o manejo da ação rescisória para essa finalidade. Essa solução, além de prestigiar a força normativa das decisões dos Tribunais Superiores, no exercício de suas competências constitucionais, vem ao encontro da preocupação do ministro relator da ação rescisória em questão: a cessação prospectiva dos efeitos da sentença garante adequadamente a igualdade tributária entre os contribuintes dentro da livre concorrência.
Não desconhecemos que esse assunto está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (Temas 881 e 885/STF), nem mesmo que esse debate ainda está essencialmente voltado para questões de cunho constitucional. As preocupações apresentadas no julgamento da AR nº 6.015/SC são louváveis e o debate acerca da Súmula 343 do STF é extremamente importante. Mas assim como dois erros não fazem um acerto, não se deve confundir rescisão com cessação.

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JOTA

Ministro relator no STJ sinalizou que eventual exceção à Súmula 343 do STF viria acompanhada de modulação

Rescisão vs. cessação: O caso do IPI na revenda de produtos importados

Ministro relator no STJ sinalizou que eventual exceção à Súmula 343 do STF viria acompanhada de modulação