Pauta Fiscal

Qual o limite de defesa do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica?

Instituto permite responsabilizar pessoalmente o sócio ou administrador nos casos em que a lei material o autoriza

Imagem mostra uma pessoa encaixando peças de quebra-cabeça
Crédito: (Pixabay)

Este texto foi alterado às 11h10 de 19 de outubro de 2022 para corrigir referências bibliográficas

O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica – IDPJ é uma modalidade de intervenção de terceiros que permite, incidentalmente ao processo, desconsiderar a personalidade jurídica e, desse modo, responsabilizar pessoalmente o integrante da pessoa jurídica (sócio ou administrador) nos casos em que a lei material o autoriza. É uma novidade trazida pelo CPC atual em seus artigos 133 a 137.

O pedido de desconsideração pode ser formulado em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença, na execução fundada em título extrajudicial e, também (idealmente) na petição inicial (CPC, art. 134, caput). Em primeiro grau de jurisdição, a competência para apreciar o pedido será do juiz do processo em que o pedido é formulado e, na fase recursal, ela será inicialmente do relator, cuja decisão monocrática pode ser impugnada por meio de agravo interno (CPC, art. 136, parágrafo único).

Entretanto, em matéria tributária, o IDPJ tem sido alvo de algumas controvérsias, especialmente em execuções fiscais. O STJ, em seus Recursos Especiais nºs 1.173.201/SC e 1.775.269/PR, sinalizou a fixação de importantes parâmetros para a definição das hipóteses em que, excepcionalmente, será necessário instaurá-lo no âmbito das execuções fiscais.

Neste sentido, o STJ fixou o entendimento de que independe da desconsideração da personalidade jurídica a pretensão da Fazenda Pública de redirecionar a execução fiscal para alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual a execução fiscal foi originariamente ajuizada. Isto, pois o redirecionamento decorre de hipóteses de responsabilização de terceiros já prevista no Código Tributário Nacional em seus artigos 134 e 135, não sendo cabível, nessas hipóteses, falar-se na instauração do IDPJ.

Verifica-se, portanto, que o entendimento do STJ se pauta na necessidade ou não da desconsideração da personalidade jurídica, no sentido de que, nas hipóteses em que o redirecionamento da execução fiscal é autorizado pelo próprio CTN, não há que se cogitar da necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica da devedora e, portanto, da instauração do IDPJ.

Em sentido contrário, o Colegiado entendeu que todas as vezes em que não haja previsão legal autorizando o redirecionamento para pessoa diversa da qual a execução foi originariamente ajuizada, torna-se obrigatória a instauração do IDPJ. Ou seja, toda vez que se fizer necessária a desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização do terceiro.

Outro ponto que merece destaque é: uma vez aprovado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quais matérias de defesa poderão ser abordadas pela nova pessoa situada agora no polo passivo? O CPC/15 não apresentou uma solução para este questionamento.

Embora seja o incidente de um verdadeiro direito de ação[1], a atuação processual do terceiro que não computa o polo passivo da execução e é agora chamado a adimpli-la, sua matéria de defesa estará adstrita aos fundamentos da decisão de desconsideração, que opinou pelo direcionamento da execução, haja vista que é este o objeto da demanda incidental.

O problema surge no momento que o terceiro é efetivamente inserido na execução, uma vez que a ele não foi oportunizada defesa a respeito da existência, validade e eficácia da dívida pela qual é agora executado.

Quando o devedor originário apresentou sua defesa, produziu prova e recorreu, o fez sem a participação do terceiro, que será fortuitamente corresponsabilizado em sede de IDPJ. E embora tenha o STJ se manifestado contrariamente à possibilidade de discussão do crédito pelo terceiro interessado, assim entendendo que a sua matéria de defesa se encontra adstrita à temática processual de sua inclusão no polo passivo da demanda, resta alguma incongruência legal, na medida que o sujeito passivo originário da relação processual, sabendo que não terá patrimônio elegível à constrição processual apta à satisfação do crédito, há que se conjecturar quanto à ineficácia de qualquer defesa tendente à impugnação do crédito tributário.

Por conseguinte, se ao desconsiderar a personalidade jurídica não for dada a oportunidade a este terceiro de rediscutir o mérito do processo, estar-se-ia cerceando seu direito de defesa, bem como dando azo à execução de título executivo eivado de nulidade, acaso não tenha a defesa do devedor original assim arguido. Se sobre o terceiro interessado recai coisa julgada, para que o processo seja reconhecido sob a égide de um Estado Democrático de Direito é necessário que seja conferido o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Não se está exigindo nada além do mesmo direito de defesa conferido ao devedor originário, a diferença é apenas o momento em que será exercido, visto que o terceiro sequer integrava a ação quando o devedor originário exerceu seu direito.

Esse entendimento é contrário aos interesses fazendário, em que se busca a satisfação do crédito tributário e, por vezes, o Fisco se depara com defesas meramente protelatórias. Poder-se-ia questionar se não estaria preclusa a matéria de defesa, uma vez que não abordada em sede de contestação.

Considerando a regra de que a imutabilidade decorrente da coisa julgada só tem efeito entre as partes que participaram da ação[2], não se poderia conceber que os resultados de dada execução sejam opostos a terceiros que não participaram da fase de conhecimento, sob pena de cerceamento de defesa. Desta feita, ao terceiro que responde ao incidente, naturalmente seria assegurada a oportunidade de discutir o crédito da execução fiscal tão logo ingresse na lide.

Se considerarmos que o terceiro ingressa efetivamente no processo a partir do momento em que deferida a decisão de direcionamento do feito executório no âmbito do IDPJ, notadamente deve lhe ser oportunizada reabertura de prazo para apresentar contestação[3], instruir o feito probatório e, se for o caso, inclusive recorrer de decisões pretéritas que lhe tenham prejudicado o direito de defesa, de forma a garantir seus direitos fundamentais dispostos no artigo 5º, LIV da Constituição Federal.

Isso significa dizer que ao terceiro deverá ser dada a oportunidade de apresentar seus embargos à execução fiscal, na qualidade de executado, apesar dos embargos opostos pelo devedor originário já terem sido julgados. Consequentemente, o direito de resposta estará garantido à Fazenda, uma vez que o terceiro optou por reiniciar a discussão da existência, validade e eficácia da dívida.

Diante de um CPC em que o terceiro passa a integrar a ação na qualidade de parte, e estará, portanto, sujeito aos efeitos da coisa julgada, não se vislumbra uma saída constitucional para defender a restrição das matérias de defesa.

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[1] GALINDO, Beatriz (apud YARSHELL, Flavio Luiz): Qual o limite da defesa do sócio recém-incluído no processo pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica? JusBrasil. 23 de janeiro de 2017. Disponível em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/420475189/qual-o-limite-da-defesa-do-socio-recem-incluido-no-processo-pelo-incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica#:~:text=Por%20se%20tratar%20o%20incidente,para%20a%20desconsidera%C3%A7%C3%A3o%20da%20personalidade (apud YARSHELL, Flavio Luiz. Art. 133. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

[2] GALINDO, Beatriz. Op. cit. 1.

[3] GALINDO, Beatriz. Op. cit. 1.

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