Opinião e Análise

Carolina Sposito

Dentro de um contexto de desenvolvimento do instituto da transação no direito tributário brasileiro, há uma questão que deve ser ponderada com muita atenção:  em que medida a transação tributária pode ser comparada a um parcelamento especial? Para resposta a esta indagação será feita a análise das condições trazidas pela transação excepcional na cobrança de dívida ativa da União, instituída pela Portaria PGFN n. 14.402/2020, e cujo prazo foi reaberto até 30 de setembro de 2021 por força do Programa de Retomada Fiscal previsto na Portaria PGFN. 2.381/2021, comparando-as com parcelamentos especiais antigos.
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Como se sabe a transação tributária passou a ser realidade no âmbito federal após a edição da Lei n. 13.998/2020. Ao analisar a legislação fica clara a preocupação de se buscar meios alternativos de solução de litígio, tornando-se uma importante ferramenta de políticas públicas destinadas ao alcance de objetivos extrafiscais.
Dentro deste propósito a Lei n. 13.988/2020 prevê que compete à Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) definir "os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação da transação individual e a concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a idade da dívida inscrita, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança judicial." (art. 14, inciso V)
<blockquote class="jota-article__eye">A transação excepcional é um dos exemplos desta nova forma de política pública, na medida em busca auxiliar os contribuintes que tiveram impacto na sua situação econômica em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19).</blockquote>
O regulamento determina que seja feita uma análise comparativa da redução receita bruta mensal (ou rendimento bruto mensal, para pessoa física) obtida desde março de 2020 (início da pandemia) até o momento de adesão, com a da receita bruta mensal referente ao ano de 2019, para, com isso, garantir a este contribuinte o direito de se valer dos benefícios constantes neste acordo pré-definido.
Ou seja, se for constatada redução na geração de resultados após o início da pandemia o contribuinte poderá seguir com a próxima etapa da transação excepcional.
E aqui a primeira grande diferença frente aos antigos parcelamentos especiais (a exemplo da Lei n. 11.941/09 - "Refis da Crise"- ou da Lei n. 13.496/2017 - "PERT"), eis que nos parcelamentos a possibilidade de aderir se limitava apenas ao tipo de dívida e a seu vencimento, sem, contudo, ser feita uma prévia análise da situação da empresa.
Não se pode negar que na transação excepcional também há a previsão de reduções ao valor total da dívida que, por sinal, são relevantes: de até 100% (cem por cento) sobre os valores de multa, juros e encargos, respeitando o limite de até 50% (cinquenta por cento) do total da dívida para pessoa jurídica e de até 70% para pessoa física.
Contudo, aqui outra relevante mudança advinda da transação excepcional, não basta você ter sofrido com a pandemia; é preciso também analisar a capacidade de pagamento do contribuinte.
A questão atinente à capacidade de pagamento está vinculada à capacidade de pagar os débitos inscritos em dívida ativa da União em até 5 anos. E por que deste marco? Simples, porque aos contribuintes já é conferida a possibilidade de se valer do parcelamento ordinário constante nos arts. 10 a 13 e 14 a 14-F da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, cujo prazo máximo de parcelamento é de 5 anos, não havendo motivo para privilegiar quem já consegue pagar sua dívida dentro do parcelamento ordinário.
Agora a dúvida está em entender como é apurada a capacidade de pagamento do contribuinte. Pela legislação verifica-se uma ligação direta ao chamado grau de recuperabilidade do débito.
Com relação ao grau de recuperabilidade, a Portaria MF n. 293/2017 já havia previsto os critérios a serem adotados pela Procuradoria da Fazenda Nacional, com estabelecimento de quatro classificações, definidas como rating, este entendido como "nota atribuída ao devedor ou grupo de devedores que representa o grau de recuperabilidade do débito" (art. 2º, V). Para o propósito deste artigo, importa analisar os ratings "C" e "D" que são os que possibilitam aos contribuintes transacionar com a PGFN.
Aqui não se pretende detalhar os critérios do grau de recuperabilidade, até porque está previsto no art. 4º da Portaria PGFN n. 14.402/2021, mas sim entender os critérios utilizados pela Administração Pública para verificar se o contribuinte tem ou não condições de arcar com o pagamento da dívida sem reduções.
A análise a ser feita considera as informações apresentadas pelo contribuinte à Receita Federal do Brasil em suas obrigações acessórias, tais como Escrituração Contábil Fiscal (ECF), EFD-Contribuições, valor constante nas Notas Fiscais Eletrônicas, informações declaradas ao Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), Declaração de Informações Socioeconômicas e Fiscais (DEFIS); GFIP, DCTF, DIRF; débitos garantidos; débitos não garantidos. Com base nestas informações é feita uma média ponderada para, com isso, ser apurada a capacidade de pagamento em 5 anos.
Aqui outra informação relevante e que difere de um parcelamento especial, o valor apurado na capacidade de pagamento será considerado para fins de definição do percentual de redução a ser aplicado ao débito a ser pago na transação excepcional. Por exemplo, se pelos cálculos o contribuinte conseguir pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais) em 5 anos, mas tiver dívida acumulada de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a redução sobre a multa/juros/encargos considerará somente R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ainda que seja dada a oportunidade de pagamento na transação da integralidade da dívida.
O que se nota é que na transação excepcional os benefícios não se aplicam exclusivamente ao número de parcelas que o contribuinte pretende incluir no programa, mas principalmente ao grau de recuperabilidade da dívida que leva em consideração informações específicas para definição do percentual de redução.
Nesse sentido, em que pese a tentativa de aproximar a transação ao parcelamento especial, pelas informações acima apresentadas fica clara a busca por um modelo eficiente de aplicação de benefícios que auxilie os contribuintes na sua retomada fiscal, mas como um olhar mais crítico à própria situação do contribuinte para fins de pagamento da dívida.
Por certo ainda dependeremos de informações mais detalhadas da metodologia de cálculo do grau de recuperabilidade, mas ainda assim não há como negar o avanço alcançado com a transação como meio alternativo de solução de conflitos e de política pública, algo não percebido nos parcelamentos especiais.
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<a href="applewebdata://B359A843-4EB7-4209-8EE9-6BBB0C6346AE#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Artigo produzido no âmbito do projeto de pesquisa Questões Contemporâneas do Contencioso Tributário do núcleo de direito Tributário do do mestrado profissional da FGV/Direito SP.

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JOTA

Não há como negar o avanço alcançado com a transação como meio alternativo de solução de conflitos e de política pública

Por que a transação tributária não pode ser vista como parcelamento especial?

Não há como negar o avanço alcançado com a transação como meio alternativo de solução de conflitos e de política pública