Opinião e Análise

Fernanda Camano

Juliana Furtado Costa Araujo

Karina Gomes Andrade

Passados 5 anos desde a entrada em vigor do CPC/15, restou absolutamente superada a discussão acerca da possibilidade de celebração de Negócio Jurídico Processual (NJP) em matéria tributária<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Essa mudança de paradigma não decorreu exclusivamente da cláusula geral dos negócios jurídicos processuais veiculada pelo art. 190 do CPC/15 – que prevê a possibilidade de negociação, pelas partes litigantes, em relação a direitos que admitam auto composição –, mas do próprio espírito do novo diploma processual que enfatiza, em diversas disposições, a autonomia da vontade das partes, o dever de cooperação com o claro propósito de racionalizar a atividade jurisdicional, potencializando a efetividade, bem como priorizando a resolução do mérito.
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Nesse contexto, a histórica resistência ao uso de meios alternativos de resolução de litígio, pautada na indisponibilidade do interesse público e na natureza vinculada da atuação da Administração Pública na cobrança de tributos, deu lugar a uma nova perspectiva em que a já referida indisponibilidade passou a ser vista como a necessária atuação do Estado em favor da coletividade e não necessariamente como um valor atrelado ao direito em litígio.
É certo que não existe consenso doutrinário a respeito da natureza do direito que admite composição na seara fiscal: se apenas os direitos tipicamente processuais ou se o direito material deduzido em juízo também estaria abarcado pela norma de que trata o art. 190 do CPC/15.
Não adentraremos nesse mérito na série de artigos inaugurada por esse texto. O nosso propósito é aferir, nos restringindo aos direitos processuais, quais seriam os limites do NJP celebrado especificamente no contexto da execução fiscal.
É preciso desde logo advertir que não abordaremos essa temática de forma genérica, mas tomando como referencial situação concreta cada vez mais usual no contencioso tributário: processos administrativos do mesmo contribuinte que se encerram em momentos diversos (muitas vezes em blocos), decorrentes de autuações e/ou compensações não homologadas que versam sobre uma mesma tese jurídica (períodos distintos) e que dão origem a várias execuções fiscais.
<blockquote class="jota-article__eye">Em circunstâncias como essa impõe-se a necessidade de o contribuinte (executado) prestar sucessivas garantias; custear e acompanhar perícias realizadas por experts distintos, mas com objeto idêntico, havendo, ainda, a possibilidade de se deparar com decisões contraditórias sobre idêntica questão jurídica.</blockquote>
Nesse cenário e sem nos desviar do nosso foco – apresentar propostas que tenham o potencial de conferir maior racionalidade à atividade jurisdicional – nos colocamos a pensar acerca da possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais voltados à unificação da garantia, à produção de prova única ou à utilização da prova emprestada e, ainda, a afastar o risco de decisões conflitantes nas execuções fiscais que se enquadrem na situação concreta descrita anteriormente – mesmas partes, mesma tese jurídica, processos administrativos e períodos distintos.
Por ora, trataremos da celebração de NPJ voltado à unificação das garantias para, nos textos subsequentes, abordarmos as demais possibilidades que certamente envolverão aspectos mais polêmicos.
Antes disso, porém, é importante contextualizar como ocorre a oferta de garantia de acordo o sistema normativo vigente até para justificarmos porque cogitamos a celebração do NJP antes mencionado.
É de conhecimento comum que a oferta antecipada de garantia pelo contribuinte com o propósito de manter hígida a sua regularidade fiscal é acolhida irrestritamente pela doutrina e jurisprudência. Depois do advento da Portaria PGFN 33/18 essa medida passou a ser estimulada inclusive no âmbito administrativo.
Pois bem. Se o contribuinte pode se antecipar ao ajuizamento de uma execução fiscal, é certo que pode se valer de uma única garantia para assegurar o adimplemento de créditos tributários exigidos por demandas executivas iminentes que versem sobre um mesmo tema.
Todavia, à medida que as ações de cobrança são ajuizadas – em juízos diversos – o executado acaba sendo compelido a trasladar a garantia (especialmente as fidejussórias, utilizadas com maior recorrência na atualidade) para os autos correlatos, o que implica o seu desmembramento.
Isso ocorre porque embora seja possível, em tese, a apresentação da mesma garantia em mais de um processo desde que o seu valor se afigure suficiente para resguardar a soma dos débitos em discussão (essa prática é muito comum em se tratando de bens imóveis, por exemplo), as regulamentações do seguro e da fiança bancária no âmbito tributário estabelecem uma série de exigências que dificultam a manutenção da garantia única.
Em ambos os casos, as garantias devem estar vinculadas ao juízo da execução (e podemos ter vários juízos competentes na situação pragmática tomada como referencial) e, no caso específico da fiança, a via original da carta deve permanecer aos autos do processo até o seu desfecho final.
Essa multiplicidade de garantias, contudo, não favorece nenhuma das partes envolvidas no litígio. De um lado, o contribuinte executado precisa negociar com diferentes instituições financeiras/seguradoras a contratação de garantias fatiadas com taxas de comissão/corretagem menos favoráveis; incorrer em custos indiretos representativos para controlar os vencimentos das garantias, assim como obter as suas averbações pelo órgão fazendário competente a fim de manter intacta a sua regularidade fiscal.
De outro, a Fazenda Pública precisa controlar os vencimentos das diversas garantias a fim de identificar eventuais sinistros e necessárias substituições, além de proceder a sucessivas averbações.
Nesse cenário, ainda que haja convergência entre os interesses das partes, eventual reunião de garantias ficará a cargo de cada juiz que avaliará a conveniência de aceitar ou não a garantia unificada.
É justamente com o propósito de evitar que a reunião de garantias – benéfica para ambas as partes (exequente e executado) – dependa de uma série de decisões judiciais, que propomos a celebração de NJP com essa finalidade.
Do ponto de vista normativo, não vemos qualquer empecilho considerando que a Portaria PFGN 742/18, ao estabelecer os critérios para a celebração de NJP para fins de equacionamento de débitos inscritos em dívida ativa da União, expressamente previu, dentre as matérias passíveis de auto composição, a aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias (art. 1º, § 2º, III).
Não que, na nossa ótica, essa previsão expressa fosse necessária (abordaremos essa temática nos próximos textos), mas, diante da existência de norma regulamentar amparando o NJP, restam esvaziadas quaisquer discussões acerca da sua viabilidade.
O que imaginamos, do ponto de vista prático, é que as discussões acerca do NJP ocorram em reuniões agendadas com essa finalidade, das quais participariam os representantes da PGFN e do contribuinte, conforme preceitua o art. 7º da Portaria sob exame.
Nessa oportunidade, seriam relacionados os casos encerrados administrativamente que versam sobre a mesma tese – na iminência de serem executados – e que se pretende garantir de maneira unificada. Ajustados os termos do acordo com a prévia definição da modalidade de garantia utilizada, o NJP seria celebrado ainda na fase pré-processual, antes do ajuizamento da primeira execução fiscal, conforme autoriza o art. 190, do CPC/15.
Após o ajuizamento da primeira demanda executiva, seria formalizado pela PFN o pedido de homologação judicial em atendimento ao que estabelece o art. 11 da Portaria PGFN 724/18. Na medida em que fossem propostas as demais execuções, o órgão fazendário requereria a reunião dos processos no juízo prevento, conforme autoriza o art. 28 da LEF e o §1º do já referido dispositivo regulamentar.
Seguindo os ditames do §1º do art. 11 da Portaria em apreço, não sendo admitida a reunião das execuções no juízo prevento a PFN seguiria com pedidos de homologação em cada juízo, mantendo-se a unidade da garantia objeto do NJP.
Com isto, pensamos que o NJP é um caminho revelador de benefício para a Fazenda Pública, o contribuinte e o Poder Judiciário, evitando desperdício de tempo e custo, de modo a concretizar a máxima da racionalidade da administração da justiça.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Essa possibilidade foi expressamente reconhecida pelo Enunciado 256 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) segundo o qual "A Fazenda Pública pode celebrar negócio processual", bem como pelas sucessivas normas regulamentares expedidas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a exemplo das Portarias PGFN 360 e 742, ambas de 2018.

Os limites do NJP na Execução Fiscal

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JOTA

Um caminho revelador de benefício para a Fazenda Pública, o contribuinte e o Poder Judiciário

Os limites do NJP na execução fiscal

Um caminho revelador de benefício para a Fazenda Pública, o contribuinte e o Poder Judiciário