Opinião e Análise

Carlos Eduardo Borghi Pla

Publicada em 21 de junho deste ano, a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.375-de-21-de-junho-de-2022-409353579">Lei nº 14.375</a> trouxe significativas modificações à legislação da transação tributária (Lei 13.988/2020), ampliando o limite de descontos permitidos de 50% para 65% e aumentando o número máximo de parcelas de 84 para 120.
Contudo, a grande novidade trazida pela referida lei foi a possibilidade de utilização do prejuízo fiscal e da base negativa da <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/csll-o-que-e-20082021">CSLL</a>, para abatimento de até 70% do saldo remanescente dos débitos federais transacionados, depois de aplicados os descontos concedidos no acordo.
Ao regulamentar o uso do novo benefício, as recentes portarias da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nº 6.757 e da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 208, ambas de agosto deste ano, seguiram abordagem significativamente distinta.
À luz da nova legislação, a RFB limitou o uso do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL na transação tributária ao pagamento de até 70% do valor dos débitos (principal, juros e multa) em contencioso administrativo federal, mediante proposta por adesão ou proposta individual, por iniciativa do contribuinte ou da própria Receita (débitos consolidados em montante superior a R$ 10 milhões).
Na proposta individual o prejuízo fiscal ou a base negativa da CSLL podem ser utilizados inclusive na modalidade individual simplificada, qual seja, aquela que permite transacionar débitos consolidados em montante superior a R$ 1 milhão, mas inferior a R$ 10 milhões.
Ademais, esses créditos de prejuízo fiscal e de base negativa da CSLL poderão ser de titularidade do próprio contribuinte ou de terceiro a ele vinculado (responsável tributário ou corresponsável pelo débito; pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica). Para tanto, todos os créditos que o devedor possui com a Receita Federal devem ser previamente esgotados e comprovada a vinculação do devedor com o terceiro detentor dos créditos a serem utilizados.
No caso de empresa controlada, a vinculação deve existir ao menos desde 31 de dezembro do ano anterior à celebração da transação, e ela deve estar domiciliada no país e se manter nessa condição até que efetivada a transação.
Por outro lado, no âmbito da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgfn">PGFN</a> este cenário é muito distinto. A utilização do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL para o abatimento de débitos inscritos em dívida ativa, ajuizados ou não, ganhou contornos mais restritivos.
Na regulamentação pela PGFN a utilização do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL é restrita aos casos em que demonstrada sua imprescindibilidade para composição do plano de regularização. Além disso, somente poderá ser realizada mediante uso de créditos próprios, no abatimento dos juros, multa e encargos legais, para pagamento de débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação (inscritos em dívida ativa há mais de 15 anos e sem anotação atual de garantia ou suspensão de exigibilidade; com exigibilidade suspensa por decisão judicial há mais de 10 anos; ou da titularidade de devedores falidos e em recuperação judicial, extrajudicial etc.).
A utilização do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL também está condicionada ao prévio esgotamento de outros créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado ou precatórios federais já expedidos.
Ainda, o referido aproveitamento somente será admitido na hipótese de transação individual. Ou seja, será restrito para devedores com débitos inscritos em dívida ativa e consolidados em montante superior a R$ 10 milhões, ou débitos consolidados em valor superior a R$ 1 milhão e inferior a R$ 10 millhões, cuja totalidade das dívidas estejam garantidas ou suspensas por decisão judicial.
O que se nota da análise de ambas as normas, é que o uso do prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL foi tratado pela Receita Federal de forma mais condizente com as balizas previstas pela Lei 14.375/2022, em corolário ao espírito do instituto da transação tributária.
É possível que o objetivo desse tratamento seja o de incentivar com maior veemência a resolução de litígios ainda na fase administrativa, em momento anterior à inscrição em dívida ativa, evitando assim o incremento do contencioso tributário judicial.
Como os valores discutidos em contencioso administrativo permanecem suspensos enquanto pendentes de decisão definitiva (artigo 151, III, do Código Tributário Nacional), o que pode durar anos, tal incentivo à transação tributária contribui diretamente para redução desse tempo e do número de litígios existentes.
Já o tratamento restritivo conferido pela PGFN pode ser justificado pela ótica dada à recuperação dos créditos tributários via transação, pautada principalmente na recuperação de tributos em cobrança, privilegiando o recebimento de créditos de acordo com o seu grau de recuperabilidade.
Ou seja, para a PGFN poderia fazer mais sentido incentivar o pagamento de débitos com menor grau de recuperabilidade como forma de otimizar o recebimento de valores devidos ao Erário e que já se encontram em fase mais avançada de cobrança, todavia, com perspectiva de recebimento incerto pela Fazenda Nacional.
Em outras palavras, o intuito da PGFN é receber a maior parte dos valores, priorizando aqueles que já se encontram em risco de não pagamento por qualquer razão.
Todavia, mesmo que justificável o tratamento conferido pela PGFN, certamente mitiga os efeitos da transação tributária na resolução de dívidas e litígios federais já existentes e que tanto assoberbam o Judiciário.
Certamente, o uso deste expediente é um atrativo para contribuintes em dificuldades financeiras, os quais representam grande parte das pessoas jurídicas de médio e pequeno porte no Brasil, já bastante afetadas pela crise econômica que vem se arrastando desde meados de 2015, agravada pelos efeitos da pandemia causada pela Covid-19.
Neste cenário, em que pese as justificativas de ambos os órgãos administrativos para abordar de modo diferenciado a concessão de benefícios na transação tributária, como o uso do prejuízo fiscal e da base negativa, tais diferenças devem ser avaliadas com cautela pelos contribuintes que pretendem utilizar esse expediente como instrumento para regularizar seus débitos federais, sopesando todos os fatores, positivos e negativos, inerentes à adesão a cada uma das modalidades.

moeda

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Ao regulamentar novo benefício, recentes portarias da PGFN e da Receita seguiram abordagem distinta

O uso do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa na transação tributária

Ao regulamentar uso do novo benefício na transação tributária, recentes portarias da PGFN e da Receita seguiram abordagem distinta