Opinião e Análise

Leonardo Alvim

A Lei n.º 13.988/2020 disciplinou o instituto da transação tributária no âmbito federal. Uma das modalidades de transação que a lei tratou, contudo, ainda se encontra pendente de regulamentação, que é a chamada "transação de contencioso". Este breve artigo irá buscar possíveis inspirações para este instituto, levantar hipóteses de os motivos desta modalidade de transação ainda não ter sido regulamentada e, ao final, propor uma saída para que este instituto não caia em desuso.
A transação de contencioso já havia sido proposta pelo Projeto de Lei n.º 5.082/2009, com o rótulo de "transação em processo judicial", que chegou a tramitar sob regime de urgência, mas acabou não avançando. Como proposta legislativa, portanto, não possui ineditismo. A exposição de motivos da Medida Provisória nº 899/19, que originou a Lei nº 13.988/2020, aponta como inspiração da transação da dívida ativa o instituto da "Offer in Compromise" praticada nos Estados Unidos, mas o mesmo não ocorre quando ela cuida da transação de contencioso. Nesta parte, a exposição de motivos afirma ter por finalidade a redução de litigiosidade sem indicar um benchmark positivo em legislações estrangeiras. É verdade que a própria Offer in Compromise prevê como um dos critérios que podem ser utilizados para mensuração do desconto que será oferecido ao contribuinte a existência de uma disputa legítima nos tribunais, mas a dificuldade de acesso ao caro Poder Judiciário americano e forte tendência à manutenção dos entendimentos do Estado mostram que são institutos diversos.
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Ao que parece, portanto, embora a ideia não seja inédita no país, sua conformação continua sendo genuinamente brasileira. Isto explica em parte porque as outras duas modalidades de transação já foram regulamentadas e a transação de contencioso não. O próprio legislador parece que não sabia muito bem como dar vida à sua criação, já que delegou ao Poder Executivo esta tarefa.
<blockquote class="jota-article__eye">A transação de contencioso possui um problema congênito. Enquanto este problema não for resolvido, os riscos que ele causa não desaparecerão e a transação de contencioso ficará apenas como uma ideia.</blockquote>
Ou, o que será pior, será utilizada com riscos que farão com que o instituto não valha a pena. Seu problema é a incapacidade de se realizar uma boa gestão de risco de demanda judicial no país. Cada demanda judicial possui uma potencialidade específica de derrota para as partes. Como o dinheiro é público e não pode ser jogado pelos ares, o correto seria o oferecimento de percentuais de descontos maiores aos contribuintes quando o risco de derrota para a União fosse maior e vice-versa. Uma oferta de transação com descontos lineares para várias teses diferentes, certamente, tem a probabilidade de oferecer descontos maiores que os verdadeiros riscos judiciais, consistindo em renúncia fiscal intolerável.
Diversos motivos podem ser apontados do porquê não se consegue fazer uma boa gestão de risco de demanda judicial em matéria tributária no país. Aqui, não iremos indicá-los, mas apenas os reconhecer. O fato é que esta incapacidade de se tornar, razoavelmente, objetivos os riscos de derrotas judiciais da União, caso não contornada, pode tornar a transação de contencioso instrumento de antecipação de receitas tributárias ao ente público ou ser capturada pelos segmentos econômicos mais fortes.
Se a área jurídica não é capaz de indicar, com mínima confiabilidade, se o risco da União perder uma tese judicializada é alto, médio ou baixo, por exemplo, o gestor público pode ser seduzido pela tentação de oferecer sempre descontos altos para aumentar a arrecadação em curso prazo. Afinal, ninguém poderá contraditá-lo para dizer que o risco era baixo. Pobre do próximo gestor que terá sua base tributária corroída. Este risco se potencializa quando se verifica que a própria Lei n.º 13.988/2020 sugere que a proposta de transação deverá, preferencialmente, versar sobre controvérsia restrita a segmento econômico ou produtivo, a grupo ou universo de contribuintes ou a responsáveis delimitados. O risco de captura econômica do instituto da transação cresce exponencialmente. Grandes segmentos econômicos podem se beneficiar dos maiores descontos, algo afrontoso à isonomia e capacidade contributiva.
Como resolver, portanto, o problema da objetivação da transação de contencioso e com ela seus riscos de renúncia fiscal e recrudescimento da regressividade tributária?
A nós, o uso da jurimetria pode ser uma boa tentativa. A Portaria MF n.º 247/2020 evoluiu em relação à Lei n.º 13.988/2020. Mas ainda é possível que com ela mais de mil temas sejam transacionados, pois basta que haja apenas duas sentenças de primeira instância divergentes e ínfimos cinquenta processos judiciais com partes distintas, por exemplo, que a tese já se encontra apta a ser transacionada. A tecnologia permite, atualmente, contudo, que, por machine learning, todas as decisões em que uma das partes é a União sejam mensuradas em quantidade e em resultado de julgamento.
A PGFN poderia, por exemplo, alimentar um banco de dados com todas as sentenças e acórdãos desfavoráveis à União e classificá-las por teses. Caso isso não fosse possível, os próprios computadores poderiam associar expressões como "Fazenda Nacional", "Ré", "Apelada", "Embargada", "Recorrida" com "procedente", "concedida", "anulo", "desconstituo" para mensurar as derrotas da União e, depois, agrupá-las por recorrência de palavras, indicativas de temas. E, com isso, seriam oferecidos descontos em transação, conforme o percentual de derrotas efetivamente sofrido pela União nos tribunais. Ilustrativamente: 10% de desconto quando em primeira instância houver derrotas numa tese superior a X%, 20% de desconto quando houver derrotas em segunda instância superior a Y% e assim sucessivamente. Assim, quais teses transacionar e que descontos oferecer seriam tomadas de decisão revestidas de maior objetividade e o instituto poderia ter uma boa utilização sem incorrer nos riscos apontados.
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O episódio 47 do podcast Sem Precedentes analisa o julgamento do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade da reeleição dos presidentes do Congresso. Ouça:
https://youtu.be/roD5SwCzhLI
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JOTA

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