Opinião e Análise

Filipe Aguiar de Barros

Geila Lídia Barreto Barbosa Diniz

O STJ, desde o julgamento do tema 229 na sistemática repetitiva, consolidou o entendimento no sentido de que “o prazo prescricional adotado em sede de ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários é quinquenal, nos moldes do art. 1º do Decreto 20.910/32”.
A origem da orientação está em julgados que tratavam de lançamento de IPTU e que faziam inadvertida menção a precedentes sobre a contagem do prazo decadencial para impetração de mandado de segurança. Desde o repetitivo, contudo, a tese vem sendo aplicada a ações anulatórias de lançamento tributário em geral, independentemente de sua modalidade.
O entendimento partiu da premissa de que a toda ação deve corresponder um prazo para o seu exercício, como imperativo de segurança e estabilidade das relações jurídicas. Na ausência de prazo específico para a anulatória de crédito tributário, aplicar-se-ia, então, o art. 1º do <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d20910.htm">Decreto 20.910/32</a>.
Sem adentrar nas especificidades do julgamento do paradigma referenciado<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, a interpretação do STJ está a merecer críticas, especialmente sob quatro perspectivas: (i) vincula a prescrição ao exercício de um específico direito de ação e não à existência da pretensão antiexacional; (ii) aplica dispositivo de lei ordinária para a prescrição tributária, sem enfrentar a reserva de lei complementar; (iii) qualifica como prescricional, e não decadencial, o suposto prazo; e (iv) não analisa as incoerências sistêmicas decorrentes da aplicação desse prazo.
Quanto à primeira crítica, entendemos equivocados os esforços empreendidos para reconhecer um prazo de prescrição para anulatória de crédito tributário.
O prazo de prescrição não se vincula ao surgimento do direito de ação (processual), como faz pressupor a orientação do STJ. A prescrição guarda, em verdade, relação com a pretensão (vinculada ao direito material) a ser deduzida em juízo, diante da violação ao direito subjetivo da parte.
Sabe-se que a pretensão anulatória pressupõe crédito constituído, contra o qual poderá o contribuinte se opor. Assim, enquanto houver crédito da Fazenda Pública, haverá a correspondente pretensão do contribuinte em contra ele se insurgir, por meio das ações antiexacionais aptas a provocar a tutela jurisdicional desconstitutiva.
Em outras palavras, a pretensão do contribuinte voltada à desconstituição do crédito tributário existe como decorrência da pretensão do fisco em obter o adimplemento desse mesmo crédito. Admitir a prescrição ora examinada seria consentir com a possibilidade de cobrança do crédito por parte do fisco (na via administrativa ou judicial) sem que o contribuinte tenha, em contrapartida, o direito de impugnar essa cobrança, o que parece violar o direito fundamental de acesso à justiça.
Está aí, ao nosso ver, a razão da suposta lacuna legislativa do CTN quanto ao prazo para a ação anulatória de crédito tributário que, na verdade, de lacuna não se trata, mas sim de silêncio eloquente, justificável à luz da interpretação sistemática do regime processual-tributário.
Isso não significa que não haja um prazo para a estabilização da relação entre Fisco contribuinte, em nome da segurança jurídica: como se sabe, a pretensão de cobrança se submete aos prazos de prescrição previstos no CTN.
No que diz respeito à segunda crítica formulada (reserva de lei complementar para prescrição tributária), poder-se-ia argumentar, em defesa da posição do STJ, que a ação anulatória não teria natureza eminentemente tributária, de modo que seria possível a integração normativa com o art. 1º do Decreto 20.910/32.
Todavia, como já se mencionou, a prescrição não fulmina o direito de ação, mas a pretensão. Se a pretensão do contribuinte é desobrigar-se do crédito tributário já formalizado, não restam dúvidas de que se está em campo eminentemente tributário, a atrair a observância da reserva de lei complementar (art. 146, III, da CF). Também por essa razão, tem-se por afastada a regra do art. 1º do Decreto 20.910/32, cujo status é de lei ordinária.
Já a terceira crítica é capaz de tornar prejudicado o debate em torno das duas que a antecederam: em se tratando de demanda desconstitutiva, não caberia cogitar em prazo prescricional, mas sim decadencial, o que tornaria ainda mais duvidosa a aplicabilidade do art. 1º do Decreto 20.910/32, pois somente há decadência em caso de previsão legal ou contratual específica.
Todavia, é o conjunto que compõe a quarta e última crítica que faz provar, na prática, a inviabilidade do entendimento do STJ.
Suponha-se, para tanto, um lançamento fiscal de tributo em face do contribuinte. Se ele resolver trilhar o contencioso administrativo, possivelmente perderá o prazo para ajuizamento de anulatória, com o consequente desestímulo ao uso da referida via, a menos, é claro, se postergado o termo inicial para o momento da constituição definitiva.
No entanto, o STJ sequer enfrentou tal ponto, assim como não delimitou as causas interruptivas/suspensivas potencialmente aplicáveis, as quais, se regidas pelo Decreto 20.910/32, estariam totalmente desalinhadas do regime do CTN<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Ocorrida a inscrição em dívida ativa, se esse mesmo contribuinte apresentar um pedido de revisão de dívida inscrita, com fundamento, por exemplo, no Tema 69/STF (ou qualquer outra hipótese do art. 5º, §1º, da Portaria PGFN 33/2018), surgiria dúvida a respeito da possibilidade do seu deferimento: afinal, poderia a Fazenda Nacional acolher uma pretensão prescrita?
O ajuizamento de embargos à execução fiscal (e, talvez, a apresentação de exceções de pré-executividade), com a mesma finalidade e similar natureza, continuará possível, mas somente se ajuizado o executivo fiscal, o que, além de incoerente, é insuficiente. Com efeito, se o contribuinte não quitar a dívida, será obrigado a aguardar – sem fazer jus à certidão de regularidade fiscal<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> – a consumação da prescrição ou eventual decisão da União de promover o ajuizamento da execução fiscal.
No cenário acima, o contribuinte poderia fazer uso da seguinte estratégia para ressuscitar o prazo: realizar o pagamento do tributo, dando início ao prazo do art. 168 do CTN. É que, não havendo coisa julgada quanto à higidez e quitação do crédito, a prescrição da pretensão anulatória em nada repercutiria quanto à possibilidade de ajuizamento de ação de repetição de indébito.
Suponha-se, então, que, por envolver uma relação jurídica de trato continuado, o contribuinte ajuíze uma ação cumulando pedidos de natureza declaratória, anulatória e condenatória. Deveria ser reconhecida a prescrição em relação à pretensão desconstitutiva e apreciado o mérito somente quanto aos demais pedidos ou, nessa situação, prevaleceria o prazo do art. 168 do CTN?
Se, nesse mesmo exemplo, houver sentença transitada em julgado acolhendo o pedido, porém ressalvando, de forma genérica, a prescrição, como interpretá-la? Os créditos que, na data da propositura da ação, já haviam sido constituídos há mais de cinco anos, estariam resguardados ou deveriam ser extintos, considerando a eficácia preclusiva da coisa julgada?
Nenhum desses pontos – que evidenciam incoerências sistêmicas decorrentes da fixação de prazo para a ação anulatória do lançamento fiscal – foi enfrentado ou mesmo considerado pelo STJ ao se posicionar quanto ao tema.
Vê-se que a suposta lacuna normativa do CTN, pressuposta pelo STJ, nada mais significa senão a coerência para o exercício da pretensão antiexacional no contexto de constituição e cobrança do crédito tributário.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Houve alteração do tema após dois meses de sua afetação ("definição do termo inicial do prazo prescricional para pleitear a repetição de indébito relativo a tributos sujeitos ao lançamento de ofício [como é o caso do IPTU]”) sem que essa retificação tenha sido devidamente anotada no sistema de recursos repetitivos do STJ; posteriormente à afetação do REsp 947.206/RJ, houve a escolha de um segundo paradigma, o REsp nº 1.140.483/PR, que envolvia a Fazenda Nacional e referia-se à redação original do tema, mas cuja afetação foi cancelada após o julgamento do REsp 947.206/RJ.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Nos termos dos arts. 8º e 9º do referido Decreto, a prescrição somente pode ser interrompida uma vez e, após sê-lo, recomeça a correr pela metade do prazo.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Ressalvada a possibilidade de oferta administrativa ou judicial de garantia antecipada. Se, no entanto, o contribuinte for ente público, restaria a aplicação da tese firmada no Tema 273/STJ.

tributário

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JOTA

Incoerências sistêmicas não foram enfrentadas pelo STJ ao se posicionar sobre o tema

O dilema da prescrição na ação anulatória de crédito tributário

Incoerências sistêmicas decorrentes da fixação de prazo para a ação anulatória do lançamento fiscal não foram enfrentadas pelo STJ