Opinião e Análise

Daniela Beretta Marçal

A imposição de multa punitiva ou de ofício à empresa sucedida nas hipóteses de fusão, incorporação, transformação ou extinção de pessoa jurídica é tema cuja jurisprudência parece já estar firmada e envolve a interpretação do artigo 129 Código Tributário Nacional (CTN) em face da redação do artigo 132 do mesmo diploma.
Nos termos do artigo 129 do CTN, a responsabilidade dos sucessores “(...) aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data”. Trata-se, a nosso ver, de norma geral aplicável às hipóteses de sucessão, com a função de delimitar a abrangência temporal da responsabilidade entre sucessor e sucedido em relação a “créditos tributários” – que correspondem às obrigações tributárias (art. 139 do CTN), as quais podem representar tanto tributos, como penalidades pecuniárias (art. 113, § 1º, do CTN).
Porém, nos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade for continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual, aplica-se norma específica, veiculada no artigo 132 do Código. Segundo o caput do dispositivo, “a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas”.
A controvérsia surge exatamente porque o artigo 132 fixa a responsabilidade da sucessora somente para a “tributos” e o artigo 129, de seu turno, o faz em relação ao “crédito tributário”. Contudo, considerando tratar-se o primeiro dispositivo de norma mais específica, nas hipóteses de sucessão que traz, a responsabilidade não abrangeria a multa punitiva, por ser “sanção de ato ilícito” e, assim, fora do conceito de tributo veiculado no artigo 3º do CTN.
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Nessa linha, é significativa a doutrina que defende que as multas punitivas lançadas após a sucessão empresarial não seriam aplicáveis ao sucessor. ÁVILA[1], COÊLHO[2], FERRAGUT[3] e SCHOUERI[4] são exemplares desse posicionamento. Na linha da não aplicabilidade da multa punitiva à sucessora lançada após a sucessão empresarial em razão de infração tributária da empresa sucedida é também a jurisprudência do STF, como é possível verificar, por exemplo, dos acórdãos proferidos nos RE n. 82.754, n. 83.613 e n. 90.834[5].
Não obstante, nos dias atuais, não é esse o entendimento prevalecente na jurisprudência. Sendo hoje a competência para definir a matéria atribuída do STJ, firmou-se posicionamento no sentido da exigência das multas punitivas, conforme se vê da redação da Súmula 554, de 09/12/2015, da Primeira Seção do STJ: “Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão”.
Note-se que, nos termos da súmula, a sucessora será responsável em relação às multas punitivas “referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão” – e não em relação àquelas “aplicadas até a data da sucessão”. Vale mencionar que, à época, a Segunda Turma daquele Tribunal já havia decidido, quando do julgamento do REsp 959.389/RS, que a multa, de mora ou punitiva, aplicada antes da sucessão pode ser exigida da empresa sucessora, por representar uma dívida de valor já incorporada ao passivo da empresa sucedida. O julgamento pelo Pleno do STJ do REsp n. 923.012/MG no regime de Recursos Repetitivos era o momento de decidir acerca da responsabilidade da empresa sucessora em relação à multa punitiva aplicada em razão de infração da empresa sucedida.
Ocorre que, analisando o teor do acórdão proferido no REsp n. 923.012/MG, é possível verificar que, no voto do Ministro Relator, (i) foi ratificado o posicionamento do STJ anteriormente mencionado; e (ii) o problema do momento de aplicação da multa, seja ela moratória ou punitiva, nos casos de sucessão empresarial, passou ao largo. Transcrevemos abaixo o argumento empregado no referido voto:
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“(...) conquanto os arts. 132 e 133 do CTN refiram-se tão-somente aos tributos devidos pelos sucedidos, se interpretados tais dispositivos conjuntamente com o art. 129, chega-se à conclusão de que a regra naqueles insculpida aplica-se também aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição.
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Nesse segmento, tem-se que os ‘créditos tributários’ mencionados no aludido art. 129, na ótica do legislador, compreendem não apenas aqueles decorrentes de tributos, mas também os oriundos de penalidades pecuniárias, consoante dessume-se do art. 113, § 1º, do Codex Tributário (...)”.
O voto singelamente interpreta os artigos 129, 132 e 133 do CTN e busca amparo em seis ementas de acórdãos proferidos por aquele Tribunal, bem como na doutrina do Prof. Sacha Calmon Navarro COÊLHO – sendo que, s.m.j., nenhuma delas se amolda perfeitamente à solução da questão[6]. Essas omissões e contradições foram objeto de Embargos de Declaração que, por sua vez, foram rejeitados pelos Ministros da Primeira Seção do STJ. Inclusive, o EDcl no REsp n. 923.012/MG figuram dentre os precedentes que amparam a mencionada Súmula 554.
Diante disso, parece-nos que não foi realizada a distinção seja em relação ao momento do lançamento, seja em relação à natureza da multa – in casu, punitiva. Dessa forma, a questão apresentada não foi efetivamente discutida e, não suficiente, o acórdão em análise está ancorado em julgados com fundamentos que não guardam identidade com o caso. Por tais razões e levando em conta o atual cenário, no qual foi adotado o sistema de precedentes judiciais no Direito Brasileiro, é possível inferir que há uma tendência deste posicionamento jurisprudencial vir a ser questionado.  
Neste contexto, concluímos que a norma geral de limitação de responsabilidade tributária em relação às multas punitivas em caso de sucessão empresarial não merece reparo. O mesmo não se pode afirmar, contudo, acerca do atual posicionamento jurisprudencial do STJ acerca da matéria.
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[1] ÁVILA, Humberto. Responsabilidade por Sucessão Empresarial. Responsabilidade da Empresa Sucessora por Penalidades Decorrentes de Faltas Cometidas pela Empresa Sucedida. Exame da Abrangência do artigo 132 do Código Tributário Nacional. in Revista Dialética de Direito Tributário n. 187. São Paulo: Dialética, 2011. p. 128.
[2] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 618.
[3] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005. p. 98.
[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 589.
[5] Sobre o tema: ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. A transmissão de débitos por multas tributárias em virtude de sucessão por incorporação, fusão ou cisão de sociedade. Fiscosoft On Line. Publicado em: 2014. Disponível em: &lt; http://www.fiscosoft.com.br/main_online_frame.php?page=/index.php?PID=297343&gt;. Acesso em: 01/10/2016.
[6] A doutrina reproduzida no Voto corresponde exatamente àquela anteriormente invocada neste artigo, que ampara o entendimento no sentido de que, em se tratando de sucessão empresarial, não se transfere a multa punitiva que não integra o passivo da pessoa jurídica no momento da sucessão empresarial.

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