Transação Tributária

Medidas para mitigar os impactos do coronavírus na economia

É hora de o legislativo estender a mão aos contribuintes

Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, durante sessão da Câmara. Foto Lula Marques/Fotos Públicas

A pandemia do coronavírus (Covid-19), declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), está causando estragos inimagináveis à economia mundial e aqui no Brasil não será diferente. Atento a isso, o Governo tem adotado diversas medidas emergenciais nos últimos dias.

No âmbito do executivo, o Ministério da Economia autorizou via Portaria nº 103, de 17/03/2020, e com base na MP do contribuinte legal (MP nº 899/2019), que a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) adotasse providências para suspender os atos de cobrança de tributos e facilitar a renegociação das dívidas dos contribuintes.

Com base nessa autorização, foram editadas em 18/03/2020 – e já estão em vigor – as Portarias PGFN nº 7.820 e 7.821 que, em apertada síntese, estabelecem as condições para transação extraordinária de débitos inscritos em dívida ativa, que será feita online, via Regularize (www.regularize.pgfn.gov.br) e por adesão à proposta da PGFN.

Tal transação dependerá (i) do pagamento de entrada (dividida em até 3 vezes) do correspondente a 1% do total dos débitos transacionados e parcelamento do saldo remanescente em até 81 vezes para pessoas jurídicas (exceção feita às contribuições sociais, que poderão ser parceladas em até 57 meses) ou 97 meses para pessoas físicas, empresário individual, microempresas e empresas de pequeno porte contados do último dia útil do mês de junho de 2020; (ii) de pagamento de parcela mínima de R$ 500,00 para pessoas jurídicas e R$ 100,00 para pessoas físicas, empresário individual, microempresas e empresas de pequeno porte; (iii) desistência comprovada de ações, impugnações , recursos ou eventuais parcelamentos relativos aos débitos transacionados, no prazo de 60 dias contados do último dia útil do mês de junho de 2020; (iv) manutenção automática de gravames (facultado requerimento de alienação por iniciativa do particular no caso de bens penhorados ou oferecidos em garantia de execução fiscal); e (v) não caracterização de nenhuma das hipóteses de rescisão previstas na Portaria PGFN nº 11.956/19.

Além disso, suspendem por 90 dias  os prazos para impugnações e recursos no procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade (PARR), de que trata a Portaria PGFN nº 948/17; bem como a instauração de novos PARR; os prazos para manifestação de inconformidade e recurso em processo de exclusão do programa especial de regularização tributária (PERT); os prazos para garantia antecipada e pedido de revisão de dívida inscrita (PRDI) ou recursos e a apresentação a protesto de Certidões da dívida ativa e a exclusão de contribuintes de parcelamentos administrados pela PGFN por inadimplemento de parcelas .

Observa-se que essas medidas se apoiam na transação, método autocompositivo para solução de controvérsias tributárias entre Fisco e contribuintes, que foi  regulamentado no Brasil pela MP do contribuinte legal após mais de 50 anos de vigência do Código Tributário Nacional (CTN).

No âmbito do Legislativo, a Câmara dos Deputados aprovou a própria MP nº 899/19 (MP da transação que é foco deste artigo), também na data de ontem, em votação simbólica. Isso foi feito às vésperas de essa medida caducar e do risco de não produzir mais efeitos futuros nesse momento econômico que tanto a demanda.

Agora a MP vai para o Senado Federal e o prazo para votação da efetiva conversão em lei expira em 25/03/2020. A sociedade brasileira espera a sua confirmação para que Governo e contribuintes possam negociar de modo a garantir receita pública, sem quebrar as empresas.

Muitas emendas foram apresentadas à medida provisória, que de fato comporta melhorias. Dentre as 222 emendas apresentadas na Comissão Mista do Congresso Nacional que a analisou, 61 foram parcial ou totalmente acolhidas no texto do Projeto de Lei (PL) de conversão com relatório favorável do Deputado Marco Bertaiolli em 19/02/2020. Já na Câmara dos Deputados, 2 emendas acabaram sendo aglutinadas na própria votação simbólica e têm relevo especial, porque endereçam questões muito debatidas no Judiciário e que causavam muita polêmica, que são: o voto de qualidade e o bônus de produtividade dos agentes fiscais (indicadas como avanços nas 2 primeiras linhas da tabela abaixo).

De modo geral, enxergamos mais avanços do que retrocessos, que destacamos a título ilustrativo na tabela abaixo mediante comparação do texto original da MP para o do PL aprovado pela Câmara em 18/03/2020:

Avanços Retrocessos
– Fim do voto de qualidade a favor do Fisco: alterada a Lei 10.522/02 para definir que, em caso de empate no julgamento de processo administrativo, resolve-se favoravelmente ao contribuinte. – Não se corrigiu a amplitude do conceito de “juízo de oportunidade e conveniência” para a transação. O limite deveria ser no conteúdo transacionado, mas não na definição de se celebrar ou não a transação caso os requisitos legais sejam objetivamente preenchidos.
– Limitação do bônus de produtividade de auditores e analistas tributários de que trata a Lei 13.464/17: estabelecido limite individual de 80% do maior vencimento básico do respectivo cargo de servidor; e vedação de que multas tributárias e aduaneiras aplicadas pela RFB integrem o valor global do bônus. – Trouxe limitação de acesso à 2ª instância administrativa (CARF) para débitos de pequeno valor, assim considerados os inferiores a 60 salários mínimos.
– Traz para o plano concreto as medidas que garantirão a observância aos princípios da publicidade e transparência, esclarecendo-os. – Atribuição de competência ao Ministro da Economia para regulamentar métodos alternativos de solução de controvérsia entre Fisco e contribuintes em relação a débitos de pequeno valor, assim considerados os inferiores a 60 salários mínimos.
– Esclarecimento de que a transação poderá abranger também créditos não tributários. – Mantida a exigência de renúncia a alegações “futuras” de direito em relação aos débitos transacionados.
– Alargamento do prazo de pagamento de débito transacionado por pessoas físicas, empresário individual, microempresas, empresas de pequeno porte e ONGS listadas na Lei 13.019/04 de 100 para 145 meses (exceto no caso de débito de contribuição previdenciária do empregado e do empregador, cujo prazo será de 60 meses).
– Inclusão da possibilidade de transação de débitos de FGTS (se houver concordância do Conselho Curador do fundo) e Simples (sujeita a Lei Complementar – o relator da MP na comissão mista e o presidente desta  apresentaram projetos nesse sentido, sendo que ao projeto do relator – Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 9/20 – foi aprovado regime de urgência para apreciação).
– Possibilidade de transação de multas qualificadas (mantida a vedação apenas às multas de natureza penal).
– Excluída a possibilidade de requerimento, pela Fazenda Pública, de falência e de convolação da recuperação judicial do contribuinte em falência no caso de frustração da transação.
– Redução de encargos legais na mesma proporção da redução definida para a dívida transacionada.
– Ampliação do leque de garantias (inclusive precatórios).
– Exclusão de trechos que atribuíam definições “a exclusivo critério da Fazenda Pública”.

 

Em futuros textos abordaremos esses aspectos listados na tabela acima com maior profundidade. Contudo, desde já consignamos que, a nosso ver, ainda é possível cogitar de outros avanços, tais como (i) a regulamentação do uso do precatório para quitação da dívida transacionada, com o intuito de coibir abusos identificados na Portaria PGFN nº 11.956/19, como a exigência de cessão total do precatório e liberação de eventual saldo credor apenas se comprovada a inexistência de débitos do contribuinte; (ii) a possibilidade de substituição gradual de garantias conforme a dívida transacionada for sendo quitada; (iii) a previsão de suspensão da exigibilidade dos débitos objeto da transação durante o período de negociação entre Fisco e contribuinte; e (iv) a ampliação do escopo da transação em si e quais dívidas podem ser transacionadas.

A conversão da MP foi aprovada pela Câmara dentro de um grande “pacote” emergencial, que englobou também o Projeto de Decreto Legislativo 88/20. Este projeto reconhece que a situação atual é de Calamidade Pública e dá maior flexibilidade ao Executivo para incorrer em gastos e adotar medidas no enfrentamento do Covid-19.

De todo o acima exposto, fato é que é hora de o Senado Federal acelerar porque a economia urge pela aprovação da MP do contribuinte legal.

Se isto não ocorrer, estará fechada a via da transação extraordinária a partir de 26/03/2020, como decorre do art. 9º da Portaria PGFN nº 7.820/20. Está claro que a sociedade brasileira precisará de ajuda e de medidas incentivadoras da transação, de diferimentos, moratórias e o que mais for possível, seguindo inclusive a tendência mundial de combate à pandemia do coronavírus. Portanto, estamos confiantes de que o Senado Federal também será sensível a essa pauta e não permitirá que a MP do contribuinte legal caduque.