Opinião e Análise

Sarah Mila Barbassa

A Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB) foi alterada em abril deste ano pela Lei nº 13.655, passando a dispor em seu art. 24 que a revisão da validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado deve considerar as orientações gerais da época.
O parágrafo único do citado artigo trouxe, ainda, o sentido da expressão “orientações gerais”, que compreende não apenas as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral, mas também em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.
Como consta do próprio texto da LINDB, o art. 24 visa impedir que mudança posterior de orientação geral invalide situações plenamente constituídas. Embora nosso ordenamento já conte com outras regras das quais também se pode extrair a proteção ora conferida pela LINDB, como é o caso do art. 926 do novo CPC, segundo o qual os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, diante das constantes alterações da jurisprudenciais, acreditamos que o novo dispositivo legal assumirá papel de destaque ao garantir maior segurança jurídica aos contribuintes.
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A despeito das posições em sentido contrário, partimos do pressuposto de que o art. 24 da LINDB dirige-se aos processos administrativo judicial tributários, pois se trata de norma de aplicação geral ao direito brasileiro, cuja literalidade inclui no seu escopo de atuação ambas as esferas. Antecipamos que este tema será abordado, em maior profundidade, nos próximos textos a serem publicados nesta coluna.
Com efeito, a LINDB estabelece um critério adicional ao qual deve se ater o julgador, qual seja, a existência de orientação geral, inclusive jurisprudência majoritária, norteadora do comportamento adotado pelo contribuinte num dado sentido e em determinado momento.
A consequência imediata desse entendimento seria a necessidade de limitação dos efeitos das decisões à luz das especificidades de cada caso concreto, com a finalidade de verificar a adequação do comportamento do contribuinte à posição jurisprudencial majoritária contemporânea à ocorrência dos fatos geradores.
Na esfera judicial, a título de exemplo, podemos citar a reafetação do Tema 118, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual havia sido firmada a tese de que seria necessária a efetiva comprovação do recolhimento feito a maior ou indevidamente para fins da declaração do direito à compensação tributária em sede de mandado de segurança. 
Conquanto a tese faça referência à necessidade de comprovação do valor recolhido a maior, a leitura da íntegra do precedente<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> que deu origem ao Tema 118 esclarece que a prova do recolhimento a maior somente se aplica aos casos em que a concessão da ordem envolve juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, ou em que os efeitos da sentença supõem a efetiva realização da compensação, não alcançando aquelas hipóteses nas quais os contribuintes pleiteiam apenas o reconhecimento do seu direito à compensação, cuja análise prescinde da verificação da liquidez e certeza do valor do crédito, já que a compensação somente ocorreria no futuro, sujeitando-se à fiscalização pela Receita Federal. 
Na prática, os mandados de segurança que tinham por objeto o reconhecimento do direito à compensação de determinado indébito tributário, como por exemplo, aqueles nos quais se pleiteava o direito à compensação do valor do ICMS indevidamente incluído na base de cálculo do PIS e da COFINS, começaram a ser impactados, de modo que, constatada a ausência de juntada ao processo dos comprovantes dos pagamentos relativos aos cinco anos anteriores à impetração, alguns juízes e tribunais passaram a negar a possibilidade de compensação em relação à parcela do indébito não comprovada nos autos.
Nesse exemplo, a situação plenamente constituída protegida pela LINDB seria o ajuizamento do mandado de segurança sem a prova do indébito relativa aos cinco últimos anos, dada a existência de precedente julgado em sede de repetitivo dispensando a realização de tal prova. 
Além de decidido pelo STJ, o tema já foi objeto de análise pela Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), tendo resultado na edição do Parecer PGFN 1.177/2013, no qual foi expressamente reconhecida a possibilidade de compensação das parcelas relativas aos cinco anos anteriores ao ajuizamento do mandando de segurança, mesmo que não tenha dele constado pedido expresso nesse sentido, pois a ação mandamental interromperia o prazo prescricional para eventual repetição de indébito, ação cujo mérito estaria parcialmente resolvido, à medida que reconhecida a inexistência de relação jurídica em favor do contribuinte pela sentença mandamental favorável transitada em julgado. 
Ainda na visão da PGFN, com a qual concordamos, a posição que agora é colocada em xeque pela reafetação do Tema 118 privilegia eficiência, economia e celeridade processual, valores também protegidos pelo novo CPC.
Caso o STJ resolva rever a posição até então adotada, entendendo pela necessidade de apresentação de prova pré-constituída do indébito nos mandados de segurança que têm por objetivo apenas a declaração do direito à compensação tributária, endentemos que, em observância ao art. 24 da LINDB, a Corte estaria obrigada a modular os efeitos da sua decisão.
<a name="art927§3"></a> Nessa hipótese, mesmo que a interpretação literal dos parágrafos 3º e 4º do art. 927 do Código de Processo Civil indique que a modulação seria uma faculdade e não um dever,<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> admitir-se o contrário implicaria prejuízo ao contribuinte que agiu de acordo com orientação geral vinculante emanada de Tribunal Superior com competência para tanto, em flagrante ofensa aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
De um lado, não nos parece que a LINDB tenha tido a pretensão de garantir, tal como uma decisão transitada em julgado, determinado direito ao contribuinte, simplesmente pelo fato de a jurisprudência sobre determinado assunto ter-lhe sido, em algum momento, majoritariamente favorável. Por outro, é inegável que o contribuinte deve ser protegido contra alteração jurisprudencial, quando tenha seguido orientação dominante de um dado Tribunal. 
Qualquer análise que se pretenda realizar sobre este assunto deve levar em consideração, entre outros aspectos, a efetiva existência de jurisprudência majoritária a suportar determinado comportamento num dado momento, salvaguardando a “situação plenamente constituída” cuja proteção foi garantida pela LINDB. Nesse sentido, o julgador deve, sempre, levar em conta cada caso concreto, pois um mesmo tema pode resultar em decisões de diferentes alcances. Essa posição ganha ainda mais força em se tratando de precedente, como é o caso dos julgamentos de recursos repetitivos, tendo em vista o seu caráter vinculante.
No caso da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS, não parece razoável aceitar que, quase dez anos após o julgamento do Tema 118 pelo STJ e quase vinte anos depois de decidida a questão de mérito pelo Supremo Tribunal Federal, os contribuintes venham a ser atingidos por uma reviravolta jurisprudencial, quando pautaram seu comportamento, no momento da impetração dos mandados de segurança com pedidos de compensação, na jurisprudência firmada à época, sob pena de ofensa, sobretudo, aos já mencionados princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> REsp 1.111.164/BA, julgado em 13.05.2009.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
<a name="art927§4"></a> § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
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JOTA

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