Opinião e Análise

Thiago Morelli Rodrigues de Sousa

Tatiana Irber

Em artigo recente publicado nesta plataforma, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/pela-primeira-vez-em-dois-anos-processos-bilionarios-estao-na-pauta-do-carf-04052022?amp">noticiou-se o retorno do julgamento de pautas bilionárias nas sessões de julgamento do CARF</a>. Tal fez referência expressa aos processos que questionam a amortização fiscal do ágio, no regime jurídico anterior à <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12973.htm">Lei 12.973/2014</a>.
Em ato contínuo, a Receita Federal do Brasil (RFB) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicaram o edital de transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, Edital 09/2022, sobre a tese referida e em julgamento na recente “pauta bilionária do CARF”.
A concomitância trouxe a impressão, por parte dos contribuintes, de que a PGFN estaria fazendo um prognóstico desfavorável da tese em discussão, ou ainda, tirando o foco de sua potencialidade, ao oferecer a proposta de transação.
A tese em discussão vem delineada no edital de transação do contencioso, Edital 09/2022, item 1.2: “são elegíveis à transação os débitos de pessoas naturais ou jurídicas” oriundos da controvérsia do “aproveitamento fiscal de despesas de amortização de ágio decorrente de aquisição de participações societárias, limitada às operações de incorporação, fusão e cisão ocorridas até 31.12.17, cuja participação societária tenha sido adquirida até 31.12.2014, período de aplicação dos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/97, conforme o disposto no art. 65 da Lei n. 12.973/2014”. (...) Também poderão ser incluídos débitos que envolvam a “adição das despesas de amortização de ágio na apuração da base de cálculo da CSLL”.
Embora a forma jurídica possa variar, os casos em discussão no CARF têm um fio condutor comum: a existência de propósito negocial para a aquisição da empresa que continha a mais-valia dedutível. Seja no âmbito administrativo ou judicial, os contribuintes propõem-se a manter o litígio até as últimas instâncias, independentemente do tempo de duração ou dos custos colaterais.
Segundo levantamento de dados da RFB e PGFN, divulgado na coletiva de imprensa no dia 03/05/2022, a tese envolve o valor em contencioso de aproximadamente R$ 150 bilhões. A tese da dedutibilidade do ágio fiscal atinge um estoque de dívida ativa no valor de aproximadamente R$ 25,6 bilhões. Na Receita Federal, o valor em contencioso relacionado ao tema em foco é de R$ 122,6 bilhões, considerando o total de 377 processos, sendo 322 no CARF e 55 em DRJ (dados até  30 de março de 2022).
Neste contexto de litígio, a RFB e a PGFN trouxeram a possibilidade de transação, com a finalidade de resolver a pretensão resistida e conceder descontos para pagamento dos débitos em prestações.
Analisando as ações dos contribuintes, que tratam do tema alvo do edital, e as decisões até então prolatadas, fica nítida a falta de compreensão judicial do tema. Enquanto há julgadores que privilegiam a forma adotada na geração do ágio, há outros que se apegam à falta de substrato econômico no negócio subjacente.
Existem, portanto, decisões judiciais de primeiro grau, tanto pela possibilidade da dedução do ágio, quanto pela sua impossibilidade. Há juízes que entendem suficientemente provados os fatos, enquanto outros demandam perícia contábil, e há, ao menos um caso em que foi contratada perícia administrativa para apontar se a decisão de amortizar o ágio foi, do ponto de vista de gestão, adequada.
De fato, não existe qualquer sinalização definitiva sobre a tese, e não parece possível, no presente momento, qualquer prognose, até porque o tema ainda levará alguns anos para chegar às cortes superiores competentes.
Na visão dos contribuintes, que discutem a tese no contencioso administrativo do CARF, a solução definitiva será favorável, em razão do fim do voto de qualidade, e da aplicação da regra do julgamento favorável ao contribuinte, em caso de empate na votação (art. 19-E da Lei n° 10.522/2002, na redação dada pela da Lei n° 13.988/2020), ou ainda, com a discussão no Poder Judiciário em seguida.
Em relação ao CARF e o fim do voto de qualidade, a situação ainda não está definida, visto que o próprio Ministro Roberto Barroso, no julgamento das ADI’s 6403, 6399 e 6415, deixou claro, em seu voto, que “poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário”.
E, no que toca ao Poder Judiciário, aliado à indefinição da tese, corre-se o risco de a solução dada pelos Tribunais não pacificar a questão, visto que cada empresa autuada utilizou forma societária diferente, para a geração do ágio amortizável.
Assim, o sistema de solução originária de conflitos já existe e não atende a contento a todos os casos. Por isso, o que se apresenta é a solução da incerteza pelo uso de meios alternativos, como a presente transação.
Por que não focar na resolução da questão pelas partes envolvidas? Esta é a perspicácia do fisco, a finalização de discussão da eternização da tese, reduzindo gastos com estrutura pública inerentes ao próprio processo judicial de cobrança.
A preferência pelo litígio e, em caso de perda, por um parcelamento nos moldes do antigo REFIS, parece contrariar os fatos: a tendência, com a prevalência da transação em matéria tributária, é o esvaziamento das propostas legislativas de parcelamentos extraordinários, de amplíssima adesão, como foram aqueles das décadas passadas, haja vista a expertise da administração tributária para aferir as questões em torno dos débitos, tempo, capacidade de pagamento e custos da cobrança, já delineados no artigo 14 da Lei 13.988/2020.
E, em matéria de transação, a possibilidade de descontos, na cobrança, fica condicionada à capacidade de pagamento da devedora. Assim, enquanto a transação no contencioso concede descontos simplesmente pela renúncia à lide, a transação na cobrança só concede descontos se houver impossibilidade de pagamento. Ora, as empresas envolvidas, na tese da dedutibilidade do ágio, aptas à adesão do Edital 09/2022, são grandes contribuintes, e é difícil pensar em falta de capacidade de pagamento, no momento em que os débitos se tornarem exigíveis e executáveis.
O Brasil é mencionado, em artigos de diversas áreas, e pela mídia aberta, como o país da eternização das grandes teses tributárias, iniciando no CARF e seguindo para o Poder Judiciário, categorizadas em Risco Judiciário Brasil. Mecanismos como a transação, como a proposta veiculada no Edital 09/2022, apontam uma possível solução.
Para um país que tenta desburocratizar, ter segurança jurídica, e criar ambiente ideal de negócios, com instituições confiáveis, nada melhor que a aplicação do instituto da transação tributária, como a do edital recém publicado, pois o negociado é sempre melhor que o imposto.

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JOTA

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