Opinião e Análise

Camilla Cavalcanti Rodrigues Cabral

Fernanda Soares de Carvalho

O sistema de precedentes foi reforçado com o <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm">CPC</a> de 2015, através de novos instrumentos e valorização de princípios tais como a economia processual, a eficiência e a instrumentalidade do processo. Nesse sentido, o art. 926 dispõe que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Entretanto, é preciso ter em mente que o julgamento de um processo com força de precedente orientará novos feitos, mas não necessariamente evitará discussões que envolvam o mesmo tema, uma vez que a análise de elementos fáticos pode ser imprescindível à solução do caso concreto.
É o que ocorre com as ações que discutem a aplicação da alíquota reduzida do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido aos serviços hospitalares (artigo 15, §1º, III, Lei 9.249/95), em que, embora haja precedente firmado pelo STJ – Resp 1.116.399/BA, o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos não foi capaz de diminuir as demandas que envolvem a controvérsia.
Para trazer um panorama para aqueles que não estão familiarizados com o tema, até 2009, a jurisprudência do STJ era no sentido de que o benefício fiscal deveria ser aplicado aos contribuintes que prestassem serviços à saúde e que tivessem estrutura física capaz de realizar a internação, de forma a favorecer os que se submetiam a altos custos operacionais em suas atividades. Entretanto, julgamentos dissonantes aliados a entendimento divergente da própria administração pública, em algumas situações em que a pessoa jurídica não tinha a capacidade de internação, levaram à mudança da jurisprudência, com o julgamento do Resp 951.251/PR.
Nessa ocasião, a 1a. Seção do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a> reviu seu posicionamento quanto à interpretação da mens legis do art. 15, §1º, III, da Lei 9.249/1995, fixando o entendimento de que a lei não pretendia privilegiar o contribuinte, mas sim a atividade. A vontade da norma seria a diminuição dos custos do serviço essencial à população, relacionado ao direito fundamental à saúde, motivo pelo qual a interpretação do alcance de “serviços hospitalares” deveria ser objetiva.
Concluíram que seriam serviços hospitalares “aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde. Em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas”.
Poucos meses depois, a mesma Corte julgou outro recurso especial, agora sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Resp 1.116.399/BA, de forma a estender a ações de mesma controvérsia o novo entendimento, com aplicação integral do conteúdo do acórdão anterior.
O que ocorre, a partir de então, é um aumento do número de ações pelos contribuintes, que buscam a declaração de seus serviços como hospitalares, em razão da análise objetiva. Mas, em que pese o precedente não tenha ajudado na diminuição da controvérsia, a sua função de uniformização da jurisprudência não pode ser negada.
O fato é que a controvérsia demanda a análise de fatos e, portanto, de provas, de forma que o precedente não seria mesmo capaz de reduzir, em grande escala, o número de processos que discutem a matéria. Assim, persiste a função das 1a. e 2a. instâncias de analisar os elementos fáticos e julgar as demandas dentro dos contornos definidos pelo Resp 1.116.399/BA, bem como analisar quais casos efetivamente transbordam os termos do repetitivo.
Mas quais são esses contornos? Em outras palavras, qual a ratio decidendi do Resp 1.116.399/BA? É a partir da detida análise do julgado que se extrai, não apenas a tese firmada, como também seus fundamentos, de forma a possibilitar a correta subsunção ao caso concreto.
Assim procedendo, o que se conclui é que (i) o STJ entendeu que a interpretação de serviços hospitalares deve ser feita de forma objetiva, ou seja, sob a perspectiva da atividade, levando em consideração a sua natureza de serviço de assistência ao direito fundamental à saúde; (ii) esses serviços podem ou não ser prestados em estabelecimento hospitalar; (iii) não se confundem com as consultas médicas, independentemente se são prestadas no interior dos hospitais; e (iv) a alíquota reduzida não incide sobre toda a receita bruta da pessoa jurídica, mas somente sobre a proveniente da atividade beneficiada pela lei.
Esses pontos foram expressamente previstos no acórdão. No entanto, entendemos que alguns outros elementos de interpretação podem ser extraídos do julgado, de forma a contribuir com a correta aplicação do precedente aos novos casos. Um deles é a necessidade de o serviço ser essencial à saúde, o que excluiria os procedimentos voltados à mera estética. Tal conclusão é enfatizada no voto do relator do Resp 951.251/PR, cuja fundamentação foi amplamente utilizada no julgamento do Resp 1.116.399/BA. Por ocasião daquele julgamento, o Ministro Relator Castro Meira refere-se ao serviço como essencial à população, considerando-o como equivalente ao próprio direito fundamental à saúde, previsto nos artigos 6º, 196 e 197 da Constituição.
Outro ponto é a necessidade de ser um serviço com altos custos para sua consecução. Novamente analisando o Resp 951.251/PR, o Ministro Relator expõe que as consultas médicas, embora ligadas à promoção da saúde, não se identificam com os serviços prestados no âmbito hospitalar, uma vez que é essencial considerar os custos da atividade. Enfatiza que, embora a interpretação deva ser objetiva, não está excluído por completo o aspecto dos custos, uma vez que, para que prestem serviços hospitalares, necessitam de suporte material e humano específico. Dessa forma, o julgador, ao analisar as provas do processo, deve atentar-se para o capital social da pessoa prestadora dos serviços e o investimento feito na empresa, de forma a concluir se a atividade demanda custos compatíveis com os serviços hospitalares. Entendemos que a mesma lógica pode ser estendida para as consultas de natureza odontológica, psicológica, de assistência social e de nutrição.
A par do que já relatado, importante, ainda, afirmar que, com a alteração pela Lei 11.727/08, outros requisitos foram trazidos ao art. 15, §1º, III, da Lei 9.249/95, de forma que o contribuinte precisa comprovar, para gozo das alíquotas reduzidas, a partir da vigência daquela lei, estar organizado sob a forma de sociedade empresária, bem como atender às normas da Anvisa. Tais requisitos também demandam a análise probatória, devendo o judiciário analisar se as sociedades são empresárias no aspecto material, ou seja, se efetivamente exercem a atividade empresarial, para afastar as sociedades simples de fato (organização societária comum nesse ramo). Por fim, deverão apresentar alvará sanitário para comprovar a autorização de funcionamento pela Anvisa do estabelecimento em que a atividade é exercida.
O que se conclui, portanto, é que nem sempre o julgamento de um precedente com a fixação de uma tese encerrará a controvérsia. Nem sempre o julgador poderá se limitar à subsunção do caso concreto ao entendimento do paradigma sem que haja a análise dos fatos e das provas trazidas aos autos.
O sistema de precedentes foi incorporado ao Direito Brasileiro para garantir estabilidade e coerência, sem que isso signifique o fim de demandas similares. Pode, assim, haver a necessidade de análise do contexto fático e probatório para a correta aplicação da ratio decidendi do precedente – o que se mostra de fundamental importância, principalmente, se levarmos em consideração a impossibilidade de correção pelas cortes superiores por esbarrar na súmula 07 do STJ.
Por fim, há que se enfatizar a necessidade de contornos bem definidos quando do julgamento de um processo com força de precedente. Em casos que envolvam a análise fática, essa definição precisa ser ainda mais precisa, de forma a evitar julgamentos discrepantes e o surgimento de novas controvérsias a partir do repetitivo.

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JOTA

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