Opinião e Análise

Fabio Caon Pereira

Márcia Dias

Nos debates realizados no Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP), na linha de questões contemporâneas de processo tributário, identificou-se a discussão acerca da incidência de <a href="https://www.jota.info/wikijota/iof-wikijota-o-que-e-como-funciona-calculado-20082021">IOF</a> em operações de cash pooling, usualmente realizadas no Brasil por meio de contratos de conta corrente, como uma possível hipótese para transação tributária no contencioso judicial.
As operações de cash pooling consistem em negócio contratual convencional, em que há uma unificação da gestão do fluxo de caixa dos contratantes envolvidos (entradas e saídas), por meio de uma conta bancária centralizadora. O procedimento é comumente adotado em diversos outros países e possui, como finalidade principal, a simplificação do controle financeiro de empresas que integram o mesmo grupo econômico.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Nessa operação, as partes assumem mutuamente posições credoras e devedoras entre si, de forma dinâmica e alternada, para somente ao final, por ocasião da liquidação ou vencimento do contrato, caso exista diferença positiva de um em relação ao outro, apurar se houve saldo positivo em favor de algum contratante. Via de regra, até a conclusão da avença, não há concessão de crédito em favor de uma ou outra parte.
Essa operação, ao nosso ver, difere de um típico contrato de mútuo, em que temos, desde sua origem, empréstimo de bem fungível (dinheiro) com obrigação de restituição ao mutuante na mesma quantidade, gênero e qualidade, nos termos do artigo 586 do Código Civil.
Apesar disso, a Receita Federal do Brasil possui uma visão diferente sobre o tema. De acordo com a Solução de Consulta COSIT 50/2015, vinculante aos Auditores Federais, há incidência do IOF sobre a referida espécie contratual, sob o argumento de que essa operação se amolda com perfeição ao fim de instrumentalizar operações de mútuo financeiro haja vista a facilidade que representa (principalmente quando envolvidas pessoas vinculadas), no que tange ao empréstimo do recurso, por uma das partes, e a posterior restituição, pela outra parte, por intermédio da mera sistemática de débitos e créditos em conta corrente. Inclusive, a Autoridade fazendária se vale do posicionamento externado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio no REsp 1.239.101/RJ, para chancelar sua opinião.
Apesar do inconformismo dos contribuintes deduzidos em diversas defesas administrativas, cuja interpretação encontra guarida em algumas vozes no Tribunal Administrativo<a href="applewebdata://A3F4245C-4F61-498B-AF16-AE90327E90C7#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, fato é que o posicionamento da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, atualmente, pende em favor da incidência tributária (Acórdãos 9303-­005.583, 9303-009.257, 9303-009.884, 9303-009.885, 9303-009.960 e 9303-010.184).
Diante do referido panorama, por que então alçar essa operação para um possível edital de transação, em âmbito judicial, no contencioso de relevante e disseminada controvérsia?
Em primeiro lugar, porque o tema não foi exaustivamente apreciado pelo Poder Judiciário com o julgamento do REsp 1.239.101/RJ. Há viabilidade para um distinguishing visando nova deliberação do STJ acerca da incidência tributária.
<blockquote class="jota-article__eye">Isso porque, no paradigma em questão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela incidência do IOF, por entender que as operações realizadas ao abrigo de contrato de conta corrente entre empresas coligadas, com a previsão de concessão de crédito, possuem natureza de mútuo de recursos financeiros.</blockquote>
A previsão de concessão de crédito (que consistia em uma disponibilização de determinada quantia à contratante, com a obrigação de pagamento do valor sacado em prazo determinado) foi determinante para o desfecho favorável ao Fisco.
A distinção que pode ser feita, eventualmente levando a um overruling ou mesmo à confirmação do entendimento fazendário, é justamente em função das características típicas desse arranjo negocial --- distinto de um contrato de abertura de crédito --- ainda não terem sido amplamente debatidas pelo STJ.
Inclusive, existe decisão favorável aos contribuintes, tal como se observa do julgado proferido nos autos do Processo nº 2005.70.00.000732-8, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que se decidiu que não incide IOF em relação à execução de contrato de gerenciamento de recursos financeiros, em que a contratada tem como atribuição apenas a administração dos recursos da contratante, sem a realização de operações de crédito. A remuneração mensal pelo gerenciamento é mera contraprestação aos serviços prestados.
Uma segunda razão para indicação dessa tese ao campo transacionável advém da recente extinção do voto de qualidade no CARF, que pode levar a uma evolução da jurisprudência administrativa, caso venhamos a experimentar uma reverberação do entendimento pró-contribuinte --- até então minoritário --- em outros Conselheiros do CARF.
Como terceiro fundamento temos o fato de que o posicionamento pró-Fisco, que até então se consolidou no CARF, pode acarretar uma disseminação da discussão no Poder Judiciário. Muitas das autuações mantidas pelo Tribunal Administrativo serão impugnadas judicialmente. Essa multiplicidade de casos pode resultar na formação de um conjunto de decisões favoráveis em instâncias inferiores, reduzindo a atratividade da inclusão dessa tese nesse modelo transacional.
Além disso, há que sopesar a própria essência da transação, que pressupõe concessões mútuas entre Fisco e contribuinte. Se de um lado o Fisco pode eventualmente conceder redução total (ou parcial) da multa e dos juros, numa tese que atualmente lhe é favorável na instância administrativa; de outro lado, além do adimplemento do imposto, os contribuintes precisarão se conformar com o entendimento da administração tributária acerca da incidência de IOF para fatos geradores futuros ou não consumados, numa tese que futuramente poderia lhe ser favorável (tanto na esfera administrativa quanto judicial).
Igualmente deve-se considerar que a definição da matéria, inclusive quanto à possibilidade de transação tributária, é de grande importância para o desenvolvimento do país, uma vez que é comum que empresas interessadas em investir em sociedades brasileiras adotem o procedimento de cash pooling e a insegurança jurídica sobre a tributação da operação pode afastar investimentos.
Em conclusão, acreditamos que esses argumentos justificam a inclusão dessa tese em um futuro edital de transação no contencioso tributário judicial, o qual, evidentemente, pode (e deve) resguardar sua aplicabilidade para situações específicas, delimitando características, condições e critérios a serem identificados na operação de cash pooling objeto da transação, evitando-se indevidas tentativas de enquadramento de “contratos de abertura de crédito” nesta modalidade alternativa de resolução de litígios.
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<a href="applewebdata://A3F4245C-4F61-498B-AF16-AE90327E90C7#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Conselheiros Thais De Laurentiis Galkowicz, Antonio Carlos Atulim, Valdete Aparecida Marinheiro, Diego Diniz Ribeiro e Carlos Augusto Daniel Neto (Acórdão 3402-003.018, reformado pelo Acórdão CSRF 9303.009.257); Tatiana Josefovicz Belisário, Pedro Rinaldi de Oliveira Lima (Acórdão 3201-002.138); Augusto Fiel Jorge D´Oliveira, André Henrique Lemos, Leonardo Ogassawara de Araújo Branco (Acórdão 3401-004.239); bem como Tatiana Midori Migiyama, Érika Costa Camargos Austran e Vanessa Marini Cecconello (Acórdãos CSRF 9303-009.257, 9303-005.583, 9303-009.884, 9303-009.960 e 9303-010.184).

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JOTA

Para a Receita Federal, há incidência de IOF nesse tipo de espécie contratual

IOF em operações de cash pooling: uma opção de transação no contencioso judicial?

Para a Receita Federal, há incidência de IOF nesse tipo de espécie contratual