Opinião e Análise

Daniela Silveira Lara

Há muitos anos vem sendo discutido no setor de telecomunicações os entraves para a efetiva utilização dos recursos destinados ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), seja por falta de vontade política e inúmeras tredestinações, seja por força de vedações legais em razão do avanço das tecnologias e de sua essencialidade para a sociedade. Com a recente aprovação pelo Senado do Projeto de Lei nº 172/2020, sancionado com vetos pelo Presidente da República e transformado na Lei nº 14.109/2020 essa realidade pode, finalmente, começar a ser alterada.
Vale relembrar que a origem do referido Fundo remonta à época da privatização do setor de telecomunicações e à edição da Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações, a LGT) que organizou o setor em serviços prestados no regime público de concessão, com obrigatoriedade de universalização, e serviços prestados no regime privado de autorização, baseado na livre concorrência. Para tanto, no art. 81, II, da LGT foi prevista a criação do FUST com recursos oriundos das próprias operadoras para cobrir os custos de universalização que não possam ser recuperados com a exploração eficiente do serviço essencial prestado no regime público.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Assim, foi editada a Lei nº 9.998/2000 que criou o FUST e determinou que uma de suas receitas advém de uma contribuição de intervenção no domínio econômico (“CIDE”) arcada por todas as prestadoras do serviço de telecomunicações, nos regimes público e privado, incidente sobre as receitas de suas operações com a exploração do serviço.
No entanto, a destinação legal do FUST, desde 2000, ficou vinculada aos serviços essenciais prestados no regime público de concessão que são apenas os serviços de telefonia fixa (STFC) que à época da privatização, realmente, era o serviço que necessitava de maiores investimentos, dada a tecnologia existente e o tamanho do território brasileiro.
Apesar dessa necessidade de investimentos, ao longo do tempo, os recursos arrecadados ao FUST não foram efetivamente destinados à expansão e universalização dos serviços de telecomunicações. Dados levantados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão nº 749/2017, demonstram que, desde sua criação até 2017, foram arrecadados mais de R$ 20 bilhões ao Fundo, sendo que deste valor menos de 0,002% foi destinado à sua finalidade.
Até setembro de 2020, segundo a Anatel, há mais de R$ 22,8 bilhões no Fundo. Além disso, inúmeras Medidas Provisórias (nº 435/2008; nº 450/2008; nº 484/2010; nº 661/2014; nº 704/2015) sistematicamente desviaram os recursos do FUST para pagamento de dívida pública e benefícios previdenciários.
Ademais, com a evolução tecnológica, a essencialidade da telefonia fixa foi dando lugar à telefonia móvel e à internet banda larga, que por serem serviços prestados no regime privado de autorização não podem utilizar recursos oriundos do FUST para sua expansão. Essa realidade se agravou ainda mais com a edição, em 2019, da Lei nº 13.879 que alterou a LGT para permitir a possibilidade de adaptação das concessões de serviços de telecomunicações prestados no regime público, que possuem a obrigação de universalização, em autorizações prestadas em regime privado, com assunção de obrigações de investimentos em infraestrutura de banda larga.
Desta forma, por um lado, há significativos valores arrecadados ao FUST praticamente nunca utilizados em sua finalidade legal e, por outro, vedações legais que impedem a utilização desses recursos nos serviços mais essenciais tão importantes para o desenvolvimento econômico e social no país, como a internet banda larga e a telefonia móvel.
Pois bem. Esse problema vinha sendo debatido há bastante tempo na sociedade civil e dentro do setor de telecomunicações com a indicação de que apenas uma alteração legislativa, aliada à vontade política de realmente destinar os valores às suas finalidades, poderia resolvê-lo, conforme tratei em livro publicado em 2019<a style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit; text-align: center;" href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
No Congresso Nacional, inúmeros projetos de lei foram apresentados para tentar solucionar ou efetivar uma destinação para esses recursos do FUST. Mas o projeto que efetivamente foi destacado foi o PL 1481/2007 da Câmara dos Deputados, recebido e aprovado como PL 172/2020 no Senado Federal que foi aprovado e remetido à sanção presidencial. Em 16 de dezembro o PL foi sancionado com vetos pelo Presidente da República e publicada a Lei nº 14.109/2020.
Basicamente, essa lei altera a LGT e a Lei nº 9.998/2000 e prevê a possibilidade de os recursos do FUST serem utilizados em projetos e programas públicos para ampliação dos serviços de telecomunicações essenciais prestados em regime público ou privado. Ou seja, a lei expandiu a possibilidade de utilização dos valores arrecadados para o fundo para outros serviços de telecomunicações essenciais, como é, atualmente, a banda larga.
Veja que no preambulo da Lei do FUST ficará fixado que sua finalidade é a de estimular a expansão, o uso e a melhoria da qualidade das redes e dos serviços de telecomunicações, reduzir as desigualdades regionais e estimular o uso e o desenvolvimento de novas tecnologias de conectividade para a promoção do desenvolvimento econômico e social.
Ponto muito relevante desta lei é a criação de um Conselho Gestor do FUST, nos moldes do Conselho Gestor do FUNTTEL, com representantes de diversos Ministérios, Anatel e sociedade civil, que ficará responsável pela administração do fundo, bem como de formular as políticas e diretrizes gerais de aplicação de seus recursos, definindo os programas e projetos que serão financiados. Caberá também ao Conselho Gestor elaborar e submeter ao Ministério das Comunicações, a quem estará vinculado, a proposta orçamentária anual do FUST para inclusão na LOA, com os objetivos de redução das desigualdades regionais, expansão das redes e melhoria dos serviços de telecomunicações.
Outra questão que vale comentar é a possibilidade dos recursos do FUST serem aplicados em projetos reembolsáveis e não reembolsáveis pela iniciativa privada, cooperativas, escolas públicas ou sem fins lucrativos que atendam pessoas com deficiência, em conjunto com o poder público, sendo que terão prioridade projetos e iniciativas que envolvam esses diversos atores.
No entanto, importantes pontos previstos no PL 172/2020 foram vetados pelo Presidente da República ao sancionar a lei, como a necessidade de utilização dos recursos prioritariamente nas regiões com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), bem como dotar as escolas públicas de internet, em velocidade adequada, até 2024.
A justificativa para este veto estaria na criação de despesa pública sem o correspondente impacto orçamentário e financeiro, bem como a falta de previsão de medida compensatória, em afronta às previsões constitucionais e legais. Ademais, justificou o Presidente que poucos municípios seriam contemplados com os recursos, caso aprovasse a regra do investimento prioritário em regiões de baixo IDH.
Outro ponto vetado pelo Presidente da República diz respeito à previsão de redução, de forma gradativa, em até 50% do valor devido da contribuição ao FUST pelas prestadoras de serviços de telecomunicações que executassem programas, projetos, planos, atividades, iniciativas e ações aprovados pelo Conselho Gestor, mediante utilização de recursos próprios, na modalidade de apoio não reembolsável. Apesar de entender que a medida seria positiva, a justificativa de veto foi pela ausência de estimativa de impacto orçamentário e medidas compensatórias.
<blockquote class="jota-article__eye">Este ponto é especialmente relevante, pois a previsão original daria maior efetividade na utilização direta e automática dos recursos destinados ao FUST pelas operadoras para projetos e ações vinculados à sua finalidade e aprovados pelo Conselho Gestor.</blockquote>
De toda forma, é possível afirmar que a iniciativa legislativa é louvável e é o ponto de partida para uma alteração profunda na aplicação correta dos recursos arrecadados para o FUST. Mas há também a necessidade de haver vontade política de levar a cabo esses projetos, sob pena de, mais uma vez, o fundo ser tredestinado a outras finalidades.
É necessário, portanto, acompanhar e cobrar do poder público a efetivação das normas regulamentadoras para a criação do Conselho Gestor, bem como das posteriores ações para implementação das políticas para apresentação dos projetos e aplicação dos recursos. O primeiro passo foi dado. Há luz no fim do túnel!
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> LARA, Daniela Silveira. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE): pressupostos aplicados à CIDE dos serviços de telecomunicações. São Paulo: Almedina, 2019.

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Com a recente aprovação do PL nº 172/2020, essa realidade pode, finalmente, começar a ser alterada

A destinação dos recursos do FUST: uma luz no fim do túnel!

A destinação dos recursos do FUST: uma luz no fim do túnel! Com a aprovação do PL nº 172/2020, essa realidade pode começar a ser alterada