Opinião e Análise

Tiago Alves Voss dos Reis

Em agosto, uma operação da Receita Federal em São Paulo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> movimentou o mercado gastronômico ao apreender 352 garrafas de vinho contrabandeadas com valor estimado de R$ 1 milhão num restaurante famoso da capital.
Para além de demonstrar que nem sempre o alto custo de uma mercadoria é culpa do imposto embutido nela (nesse caso, ele simplesmente não foi pago), a ação da Receita chama atenção pela sua origem: uma denúncia feita por uma associação do setor de bebidas.
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Tem-se aí um exemplo claro da importância da colaboração dos contribuintes e cidadãos em geral – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas – no combate à evasão fiscal.
Na ausência de condições humanas e materiais que permitam aos fiscos de todas as esferas identificar casos de sonegação e/ou fraude fiscal lesiva à concorrência, a ajuda do contribuinte e, principalmente, do concorrente diretamente lesado pela ação ilícita será sempre decisiva no planejamento das ações de repressão. Quem quer que esteja mais próximo dos fatos e ciente do ilícito cometido pode fornecer informações que o Fisco ainda não possui e que serão fundamentais para ajudar a conduzir a fiscalização.
Do ponto de vista do contribuinte, colaborar para a repressão de fraudes fiscais seria uma forma de reforçar a cidadania e, sobretudo, a justiça fiscal. O dever de pagar imposto recai sobre quem quer que esteja na condição de sujeito passivo da relação jurídica tributária e não pode ser visto como um ônus de quem não tem a opção de se furtar ao cumprimento dessa obrigação.
Imposto, como bem se sabe, é o preço que pagamos para viver numa sociedade organizada em torno de um Estado, encarregado de prover bens e serviços mínimos a todos os seus habitantes. E quando alguns destes não cumprem a sua parte, outros o farão em seu lugar, gerando desequilíbrio e injustiça na distribuição desse encargo.
É por isso que, ao denunciar uma fraude fiscal, o cidadão contribui para minimizar esse desequilíbrio do sistema tributário, diminuindo o vácuo de arrecadação que a evasão gera. E se o efeito dessa colaboração parece vago, há outro um pouco mais concreto que o cidadão também deve considerar: reprimir a evasão fiscal ajuda a restabelecer o equilíbrio do mercado, afastando o concorrente desleal, aquele que lesa os demais agentes do mercado valendo-se de uma vantagem econômica ilícita pelo não pagamento dos impostos.
Vale lembrar que os impostos representam uma boa parte do preço de um produto e do próprio custo de atividade da empresa. Quando eles não são recolhidos, o agente pode oferecer seus produtos a um preço mais barato, quase sempre impraticável para quem age em perfeita conformidade fiscal.
Por outro lado, do ponto de vista dos fiscos, a colaboração dos cidadãos nas denúncias de práticas de sonegação e/ou fraude fiscal também se revela fundamental para otimizar o trabalho de fiscalização e preencher o vácuo que as limitações da máquina estatal naturalmente impõem. Se já é difícil para as administrações tributárias fiscalizar o cumprimento regular das obrigações tributárias por parte dos contribuintes que espontaneamente o fazem, o que dirá daqueles que artificiosamente deixam de cumpri-las e, ainda, se esforçam por ludibriar o fisco?
A verdade é que, por maiores e mais estruturadas que sejam as divisões especializadas no combate à evasão fiscal dos órgãos responsáveis, elas nunca serão suficientes para lidar com a repressão de todos os casos e, especialmente, com o enorme dinamismo e criatividade dos esquemas fraudulentos. Não é por outra razão que, no Brasil e no mundo, se busca a conformidade fiscal por meio de medidas de prevenção às fraudes, por estímulos ao cumprimento regular das obrigações tributárias e, ainda, pela simplificação do sistema tributário em ordem a facilitar esse cumprimento.
Dentro desse ambiente virtuoso, a evasão fiscal tenderia a diminuir, tornando possível um maior alcance das ações de repressão. E esse alcance seria tanto maior e mais efetivo, quanto maior fosse a colaboração dos cidadãos em denunciar casos de fraudes fiscais.
Apesar da importância dessas denúncias, fato é que, nos fiscos brasileiros, não se tem ainda um ambiente adequado para recebê-las. Quando se olha para as páginas institucionais na internet da Receita Federal, das Secretarias de Fazenda dos dois maiores estados (SP e RJ) e das Secretarias de Fazenda das capitais desses dois estados – apenas para fazer um recorte mínimo de análise que inclua os âmbitos federal, estadual e municipal –, vê-se que apenas a Secretaria de Fazenda do Município de São Paulo apresenta, na sua primeira página e com destaque visual, um campo específico para recebimento de “Denúncias de Sonegação Fiscal”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
No caso da Receita Federal e da Secretaria de Fazenda do Estado do RJ, existe um link específico e com pouco destaque para “denúncias” que, no entanto, parecem se referir a denúncias de irregularidades na atuação dos próprios órgãos, já que estão sob os cuidados da ouvidoria. Há, no mínimo, uma falha na comunicação deste serviço que acaba dificultando o acesso por parte do cidadão que deseja apresentar denúncia de fraude fiscal.
Já as páginas das Secretarias da Fazenda do Estado de São Paulo e do Município do Rio de Janeiro não apresentam nenhuma informação quanto à possibilidade de apresentação de denúncias por parte dos cidadãos. Seria preciso contar com a insistência do interessado em levar adiante a denúncia nos canais de atendimento das duas instituições, sem que fosse possível, no entanto, acompanhar o tratamento da informação.
No âmbito federal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgfn">PGFN</a>) é o órgão que parece estar mais atento à importância dessa ferramenta. De fato, em sua página na internet, há um campo específico entre os serviços de destaque para “Canal de Denúncias Patrimoniais”, onde qualquer pessoa pode fornecer informações e documentos que comprovem a prática de fraude fiscal.
No caso da PGFN, a atuação no combate à evasão fiscal é mais limitada do que a da Receita: ela se dá na fase de cobrança do crédito, não do seu lançamento. Por isso mesmo, de acordo com as orientações que ela fornece aos interessados, o foco das denúncias é a identificação de sócios ocultos, a ocorrência de grupos econômicos e a dilapidação patrimonial que, quando confirmados, podem ajudar a recuperar o tributo não pago pelo devedor fraudador.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Segundo informações fornecidas pela PGFN, desde a criação do canal em 2018 foram recebidas mais de 23 mil denúncias pelo referido canal. Mas, embora questionado, o órgão não deu detalhes sobre o tratamento das denúncias e, especialmente, sobre os resultados obtidos com elas em função de impossibilidade técnica, uma vez que “as informações solicitadas não estão estruturadas e suas extração e fornecimento dependeria de programação em (SQL) /Python e etc. para serem obtidos”.
De todo modo, o exemplo das administrações fazendárias mencionadas acima chama atenção para a deficiência da Administração Tributária em todos os seus níveis em abrir um canal de comunicação específico para a colaboração de cidadãos no combate à evasão fiscal.
Um esforço conjunto na disponibilização de um canal de atendimento nacional único para esse tipo de denúncia  – como ocorre com vários outros serviços de utilidade pública no país<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> – seria uma boa forma de suprir essa deficiência e estimular a colaboração dos cidadãos. Algo similar ao que a Itália fez por meio do programa Evasori, disponibilizando um número telefônico e um site para recebimento de denúncias anônimas de evasão fiscal a serem analisadas pela Guarda de Finança do país<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Na Grécia, uma iniciativa similar à do governo italiano resultou num aumento de quase três bilhões de euros em multas aplicadas por evasão fiscal num período de três anos (2009 a 2012)<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. As denúncias recebidas nesse intervalo resultaram em multas no valor total de € 4,5 bilhões.
Nos Estados Unidos, o estímulo aos denunciantes (whistleblowers) é tamanho que há previsão de recompensas financeiras<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Desde que cumpridos certos requisitos, o denunciante pode ganhar de 15% a 30% do valor final recuperado por meio da sua denúncia, o que já rendeu prêmios milionários, como o que foi pago ao banqueiro Bradley Charles Birkenfeld (US$ 104 milhões) após denunciar um esquema de fraudes fiscais envolvendo grandes bancos.
Somente no ano de 2018, o IRS Whistleblower Office – escritório da Receita Federal americana responsável pelo tratamento desses casos – recuperou US$ 1,4 bilhão em tributos por meio de denúncias recebidas, as quais renderam 217 prêmios aos denunciantes no valor total de US$ 300 milhões<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Se a evolução para uma espécie de delação premiada tributária parece distante da realidade brasileira, um mínimo de coordenação das administrações fazendárias para facilitar o envio de denúncias de fraudes fiscais já seria um grande avanço em termos de estímulo à cidadania fiscal.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://veja.abril.com.br/coluna/al-vino/detalhes-do-escandalo-de-vinhos-contrabandeados-em-restaurante-vip-de-sp/">https://veja.abril.com.br/coluna/al-vino/detalhes-do-escandalo-de-vinhos-contrabandeados-em-restaurante-vip-de-sp/</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://capital.sp.gov.br/web/fazenda/">https://capital.sp.gov.br/web/fazenda/</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Pedido de informação protocolado com base na Lei de Acesso à Informação: processo 18800.168956/2024-33.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> <a href="https://www.gov.br/anatel/pt-br/regulado/numeracao/codigos-nacionais/servicos-de-utilidade-publica-e-de-emergencia">https://www.gov.br/anatel/pt-br/regulado/numeracao/codigos-nacionais/servicos-de-utilidade-publica-e-de-emergencia</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://fiscomania.com/evasione-fiscale-denuncia/">https://fiscomania.com/evasione-fiscale-denuncia/</a>
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> <a href="https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2214804318304695">https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2214804318304695</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> <a href="https://www.irs.gov/compliance/whistleblower-office">https://www.irs.gov/compliance/whistleblower-office</a>
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> <a href="https://www.whistleblowerllc.com/what-we-do/financial-fraud/tax-fraud/">https://www.whistleblowerllc.com/what-we-do/financial-fraud/tax-fraud/</a>

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JOTA

Um mínimo de coordenação das administrações fazendárias para facilitar envio de denúncias já seria grande avanço

Fiscais anônimos: o papel do cidadão no combate à evasão fiscal

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