Opinião e Análise

Tathiane Piscitelli

Andréa Mascitto

André Luiz Fonseca Fernandes

Em trabalho intitulado “Varieties of Dispute Processing” e apresentado na Pound Conference em 1976, Frank Sander analisou diferentes formas de resolução de disputas (mediação, arbitragem, negociação e um misto de mediação e arbitragem)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e sugeriu “(...) transformar as cortes – fóruns que ofereciam essencialmente uma única forma de resolução de disputas, com casos decididos por juiz ou júri – em instalações que forneceriam um grande número de mecanismos de resolução de disputas”, de modo que essas outras formas de solução de litígio estariam à disposição do público, ao lado das cortes tradicionais<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O autor utilizou a expressão “comprehensive justice center” (“centro de justiça abrangente”) para simbolizar sua ideia, depois substituída por “multi-door courthouse” (“tribunal multiportas”).
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Posteriormente, ele reconheceu<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> não ser necessário que diferentes mecanismos de resolução de conflitos fossem oferecidos nas mesmas instalações; a essência de sua posição era a de que os interessados deveriam ter à disposição métodos alternativos – às cortes judiciais – de resolução de litígios.
Embora não seja possível, nos limites deste espaço, apresentar toda a evolução da concepção do tribunal multiportas, ou modelo/sistema multiportas, é relevante notar que, como explica Mariana Hernandez Crespo, ela pode ser refinada, de modo a melhorar a participação das camadas mais desfavorecidas da população na solução de disputas que lhes digam respeito<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Trata-se da questão do acesso à justiça que, no Brasil, constitui exigência do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição de 1988. Também na área tributária “os métodos alternativos de resolução de disputa são relevantes já que ampliam as possibilidades de acesso à solução de conflitos, sem prejuízo da observância de garantias constitucionais (...)”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Neste início de 2021, parece importante voltar a estas concepções fundamentais sobre a origem do modelo multiportas e sua conexão com o acesso à justiça, inclusive na seara tributária, para entender o que se pode esperar da arbitragem tributária no Brasil.
Cuida-se aqui, especificamente, dos Projetos de Lei (PLs) nº 4.257/19 e 4.468/20: o primeiro pretende utilizar este método heterocompositivo para solucionar litígios que digam respeito a crédito tributário constituído, desde que garantido o juízo; já o segundo quer usá-lo para prevenir controvérsias, antes da constituição do crédito tributário.
O Grupo de Pesquisa “Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária” do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP tem  sugerido alterações a ambos os PLs. A expectativa é a de que eles sejam amplamente debatidos no Congresso Nacional este ano.
Ao proporcionar segurança jurídica efetiva e “rápida” – com a esperada definição técnica e célere de controvérsias – a arbitragem tributária poderá auxiliar na mitigação dos efeitos econômicos provocados pela pandemia. Trata-se de instrumento de que o Brasil não pode abrir mão neste momento.
Espera-se que os debates no Congresso Nacional levem, portanto, à introdução da arbitragem tributária no país. Não há qualquer empecilho constitucional a tanto, como parece ter entendido o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo (TJSP) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2212809-43.2019.8.26.0000<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Entretanto, este julgado considerou que uma norma do município de Ribeirão Preto (art. 7º da Lei Complementar nº 2.972/19) não poderia definir tal método como forma prioritária de composição de litígios: segundo se lê no acórdão, não caberia à Câmara Municipal “o poder de decisão quanto à forma preferencial de solução de conflitos a ser adotada pelo Fisco, avançando sobre questão afeta ao Executivo”.
Este ponto do acórdão é, no mínimo, discutível. Dar prioridade à arbitragem tributária não implica obrigação; significa, no contexto da referida legislação, simplesmente reconhecer os benefícios decorrentes de decisões arbitrais técnicas e céleres. Isto não resulta, ao contrário do que afirma o julgado, em inviabilização ou engessamento do exercício de função administrativa.
Na verdade, Legislativo e Executivo devem andar juntos na implementação do sistema multiportas. De um lado, o Legislativo, com sua função autorizativa, fundada no princípio da legalidade. De outro, o Executivo, que poderá, dentro das balizas legais, exercer sua opção pela adoção da arbitragem tributária.
Espera-se, assim, que fique claro esse tipo de interpretação e o julgamento acima não prejudicam a busca pelo modelo ideal de arbitragem tributária, ou algo próximo a ele. Um modelo que conjugue, e amplie, as disposições dos PLs, de modo a prevenir e abranger largo espectro de controvérsias – incluindo, por exemplo, as que envolvam repetição de indébito e compensação. Isto promoveria maior acesso à justiça fiscal, em consonância com a Constituição e com a própria razão de ser do modelo multiportas de solução de disputas.
Acesso à justiça e segurança jurídica também pressupõem respeito às decisões arbitrais. Instituída a arbitragem tributária, espera-se que não sejam adotadas posturas como a do Tribunal de Contas da União (TCU) que, em recente acórdão<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> envolvendo a disciplina da arbitragem entre a União e particulares, afirmou ser possível que o TCU acompanhe o cumprimento da sentença arbitral, inclusive com a verificação de sua razoabilidade e da adequação de seu cumprimento “de modo compatível com as disponibilidades e limites orçamentários.”
A inclusão da arbitragem em um modelo brasileiro multiportas de solução de litígios tributários exige que a decisão final proferida em decorrência do acesso a quaisquer das “portas” tenha por efeito o encerramento da questão, tal como ocorre com a sentença judicial transitada em julgado<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Assim como não se pode admitir a revisão, pelo TCU, da sentença judicial transitada em julgado, também não se pode admitir a revisão, pela corte federal de contas, da razoabilidade da sentença arbitral, ou de sua compatibilidade com o orçamento, sob pena de total desvirtuamento e incoerência do sistema.
Portanto, o que esperamos para este ano que se inicia é que haja uma maior receptividade a modelos alternativos que possibilitem maior busca por justiça fiscal e que não se aniquilem ideias e institutos virtuosos ainda nem nascidos. O debate sobre a arbitragem tributária deve ser intensificado e com a mente aberta.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Cf: &lt;<a href="http://franksander.com/leading-the-alternative-dispute-resolution-field/">http://franksander.com/leading-the-alternative-dispute-resolution-field/</a>&gt; e SANDER, Frank e CRESPO, Mariana Hernandez. A Dialogue Between Professors Frank Sander and Mariana Hernandez Crespo: Exploring the Evolution of the Multi-Door Courthouse. 5 U. St. Thomas L.J. 665 (2008), pp. 669/670. Disponível em: &lt;<a href="https://ir.stthomas.edu/ustlj/vol5/iss3/4/">https://ir.stthomas.edu/ustlj/vol5/iss3/4/</a>&gt;. Acesso em: 20 de janeiro de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Tradução livre do original em inglês. Cf. JOHNSON, Earl. The Pound Conference Remembered. Dispute Resolution Magazine, V. 19. nº 1. p. 7. Disponível em: &lt;<a href="http://franksander.com/wp-content/uploads/2018/10/DRM_Fall12_Sander_Final.pdf">http://franksander.com/wp-content/uploads/2018/10/DRM_Fall12_Sander_Final.pdf</a>&gt;. Acesso em: 20 de janeiro de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Cf. SANDER, Frank e CRESPO, Mariana Hernandez. Ibidem. pp. 670/671.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cf. SANDER, Frank e CRESPO, Mariana Hernandez. Ibidem. pp. 668 e 670/671.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> PISCITELLI, Tathiane. Arbitragem no Direito Tributário: Uma Demanda do Estado Democrático de Direito. In: PISCITELLI, Tathiane, MASCITTO, Andréa e MENDONÇA, Priscila Faricelli de (coords.). Arbitragem Tributária: Desafios Institucionais Brasileiros e a Experiência Portuguesa, 2ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 187.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Rel. Des. Renato Sartorelli, j. 13/5/2020.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Ac. nº 3160/2.020 – Plenário, sessão de 25/11/2020.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> A sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença judicial (art. 16-G do PL nº 4.257/19 e art. 31 da Lei nº 9.307/96). Já o art. 8º, IV do PL nº 4.468/20 aduz que o “laudo arbitral” (equivalente à sentença arbitral) é definitivo e terminativo. Só não há encerramento da questão submetida ao juízo arbitral, em essência, nas hipóteses dos arts. 32 e 33 da Lei nº 9.307/96 ou no caso de descumprimento de padrão decisório vinculante (arts. 16-F do PL nº 4.257/19 e 10 do PL nº 4.468/20).

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O debate sobre a arbitragem tributária deve ser intensificado

Arbitragem pode solucionar controvérsias tributárias

O debate sobre a arbitragem tributária deve ser intensificado