Opinião e Análise

Camilla Cavalcanti Rodrigues Cabral

Mayara da Silva Cruz

A busca pelo incremento da efetividade e da racionalidade na satisfação do crédito tributário tem ensejado uma significativa mudança de postura por parte da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pgfn">Fazenda Nacional</a>, o que se traduziu na adoção de uma série de medidas de desjudicialização da atividade de cobrança, aqui em sentido amplo. Entre elas podemos mencionar a Portaria 396/2016, com a possibilidade de, não localizados os devedores ou bens passíveis de penhora, ocorrer o arquivamento das execuções fiscais abaixo de R$ 1 milhão.
Posteriormente, a Portaria 948/2017 previu a possibilidade de apuração de responsabilidade dos administradores na esfera administrativa, e a Portaria 33/2018 trouxe, dentre outras previsões, a oferta antecipada de garantia e a possibilidade de apresentação de pedido de revisão de débitos inscritos em dívida ativa (PRDI).
Nesse contexto, o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154742">PL 2488/2022</a>, um dos frutos do trabalho da comissão de juristas que elaborou propostas para modernização dos processos administrativo e tributário, faz um relevante avanço ao trazer medidas extrajudiciais de cobrança dos créditos inscritos em <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/divida-ativa">dívida ativa</a>, inclusive dedicando um capítulo específico ao tema.
Uma dessas medidas é a possibilidade de a Fazenda instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa, ajuizado ou não, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 18 do PL 2488). Trata-se de instrumento que, como anteriormente mencionado, já é utilizado em âmbito federal desde a edição da Portaria PGFN 948/2017, que regulamentou o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/parr">PARR</a>).
O PARR é voltado à apuração de responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN, conforme dispõe o art. 1º da Portaria 948/2017. Trata-se de procedimento respaldado expressamente pelo art. 20-D, III, da Lei 10.522/2002, bem como pelo art. 135 do CTN, diante da demonstração dos requisitos legais para o reconhecimento da responsabilidade tributária decorrente da dissolução irregular da pessoa jurídica.
Diversamente do que ocorre nas execuções fiscais, em que a prova mais utilizada é a certidão do oficial de justiça atestando a não localização da empresa no seu domicílio fiscal, no PARR são utilizados como prova dados extraídos das mais diversas bases, os quais são aptos a demonstrar a inatividade da empresa por refletirem informações como existência de faturamento, pagamento de tributos correntes, movimentação financeira, quantidade de empregados, distribuição de lucros e dividendos, apresentação de declarações econômico-fiscais, emissão de notas fiscais eletrônicas de entrada e saída, repasses eventualmente recebidos do Governo Federal, pagamento e recebimento de aluguéis, recebimento de rendimentos sujeitos à incidência de imposto de renda na fonte, aquisição ou alienação de bens do ativo imobilizado e de bens imóveis, entre outros.
O procedimento será instaurado pela unidade descentralizada da PGFN, responsável pela cobrança do débito inscrito em dívida ativa, em face da pessoa jurídica devedora, assegurado o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido, a Portaria PGFN 948/2017 prevê, em seu art. 2º, que o procedimento será realizado contra o terceiro cuja responsabilidade se pretende apurar, com a indicação específica dos indícios da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica. Em seguida, o responsável será notificado para apresentar impugnação e, após a decisão, ainda será cabível a apresentação de recurso administrativo.
Conforme explicam Juliana Furtado e Fernanda Camano<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, “a apuração administrativa de responsabilidade por meio do PARR não apenas permite identificar o terceiro responsável, mas também autoriza que outras medidas administrativas indiretas de ‘cobrança’ sejam implementadas relativamente a esse terceiro, como o protesto e a inscrição no cadastro de inadimplentes”.
Por outro lado, há quem defenda que o procedimento viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, na medida em que caberia exclusivamente ao magistrado, após diligência realizada pelo oficial de justiça, reconhecer a responsabilidade de terceiros pela dissolução irregular da sociedade.
Recentemente, esses argumentos foram afastados pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) no julgamento da Apelação 5008792-65.2020.4.03.6100. O tribunal, nos termos do voto do relator, desembargador federal Carlos Muta, entendeu que não há impedimento à apuração de responsabilidade tributária de terceiros na instância administrativa, desde que observadas as garantias formais e instrumentais do processo administrativo. Definiu, ademais, que a certidão do oficial de justiça atestando que a sociedade não mais funciona no endereço informado ao fisco não é o único meio de prova admitido, podendo a PGFN se valer de outros meios, e que inexiste reserva judicial para a discussão da matéria, já que será possível o ajuizamento de demanda para discutir eventual nulidade do procedimento administrativo por cerceamento de defesa ou ilegalidade da decisão fiscal.
A decisão do tribunal vai ao encontro da imperiosa necessidade de utilização de mecanismos administrativos de cobrança para a racionalização dos atos que possam conduzir à satisfação do crédito tributário, sem que isso signifique interdição do acesso ao Judiciário, já que a modificação da esfera em que haverá o reconhecimento da responsabilidade não impede o contribuinte de questionar eventual ilegalidade dos atos administrativos perante o Judiciário.
A decisão ainda abre caminho para que se entenda a Administração Pública como apta a assegurar aos administrados a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, garantias essas que não podem ser tidas como sinônimo de procedimento realizado exclusiva e integralmente na via judicial.
Nesse contexto, é legítimo e desejável o estabelecimento de um procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade apto a respeitar os direitos de contribuintes e terceiros, podendo a experiência na esfera federal ser útil ao desenvolvimento dos modelos estaduais e municipais e à ampliação dos debates sobre o tema, já que a observância do devido processo legal e de outras garantias processuais está muito mais ligada ao estabelecimento e ao cumprimento de regras elaboradas em conformidade com a Constituição Federal e o CTN do que ao ambiente em que se dá a discussão.
O PARR revela um mecanismo salutar para a redução da litigiosidade e economia processual, na medida que torna possível centralizar no credor o diligenciamento patrimonial dos devedores, através da utilização de meios extrajudiciais de cobrança do crédito tributário. Tem-se, portanto, que o disposto no art. 18 do PL 2488 disciplina um procedimento administrativo que já vem sendo adotado com sucesso pela Administração Tributária Federal.
As propostas de alteração legislativa previstas no PL 2488 se coadunam com as práticas já adotadas pela Fazenda Nacional, as quais poderão ser estendidas aos demais entes fazendários. Deste modo, será possível alcançar uma maior efetividade na cobrança, por meio de medidas que assegurem, além da racionalidade, a manutenção dos direitos e das garantias dos contribuintes.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ARAUJO, Juliana Furtado Costa; SOUZA, Fernanda Donnabella Camano de. A Concorrência dos Meios Extraprocessuais de “cobrança” do crédito tributário inadimplido e dos expropriatórios forçados. In  CONRADO, Paulo Cesar; Gomes, Daniel de Paiva. Processo Administrativo Judicial e Execução Fiscal no Século XXI. Vol. II. São Paulo: Max Limonad, 2021.

Fotos produzidas pelo Senado

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JOTA

Propostas no PL 2488 se coadunam com as práticas já adotadas pela Fazenda Nacional

Apuração de responsabilidade e racionalidade na cobrança do crédito fazendário

Propostas no PL 2488 sobre a cobrança do crédito fazendário se coadunam com as práticas já adotadas pela Fazenda Nacional