Opinião e Análise

Andréa Mascitto

Nayanni Vieira Jorge

No início de 2023, o governo federal estabeleceu uma série de medidas sob a justificativa de impulsionar a arrecadação e reduzir o déficit fiscal. Com a edição dos arts. 1º e 5º da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1160.htm">MP 1160/2023</a>, foi restabelecido o voto de qualidade nos julgamentos de processos administrativos no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carf">Carf</a>.
Não demorou para que essas disposições normativas fossem questionadas no STF. Nos autos da ADI 7347, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) pleiteou a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos que reinstituíram o voto de qualidade.
O pedido cautelar foi formalizado com o objetivo de suspender os dispositivos combatidos, para que o critério de desempate tivesse como parâmetro o entendimento mais favorável ao contribuinte. Subsidiariamente, o CFOAB pleiteou que fossem suspensos os julgamentos realizados sob a vigência da MP 1160/23, até decisão final do STF ou conversão da MP em lei.
Um novo capítulo da discussão foi inaugurado com a notícia de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/apos-acordo-com-haddad-oab-pede-ao-stf-mudancas-no-voto-de-qualidade-15022023">acordo firmado entre o CFOAB e o governo federal</a>, cujos termos preveem condições específicas para atenuar a situação desfavorável do desempate pró-fisco. O CFOAB então requereu o aditamento da inicial da ADI 7347, a fim de que o voto de qualidade a favor da Fazenda Nacional seja declarado constitucional desde que atendidos pressupostos específicos, como o afastamento de multa e juros, bem como de representação fiscal para fins penais, garantia ao direito de certidão, possibilidade de quitação da dívida com uso de prejuízo fiscal, entre outros.
De maneira imediata, poder-se-ia argumentar pela impossibilidade de celebração de acordos em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Primeiro porque ADI’s, ADPF’s e ADC’s possuem como objetivo a conformidade de lei com a CF/1988, não podendo ser utilizadas como instrumento para composição de lides individuais, já que não há pretensão resistida, mas sim interesse juridicamente lesado. É exatamente por isso que ao julgar essas ações de competência originária, o STF não se encontra vinculado aos fundamentos jurídicos do autor, mas sim à causa aberta de pedir.
Segundo porque as ações de controle de constitucionalidade concentrado sequer comportam pedido de desistência, em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público que rege o controle de constitucionalidade concentrado<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Disso decorre que, uma vez proposta a ação concentrada, o STF estará vinculado a exercer o papel de guardião da jurisdição constitucional, já que as ações de competência originária não estão à disposição de nenhum sujeito processual.
Esse raciocínio, portanto, facultaria ao STF a análise da inconstitucionalidade dos artigos 1º e 5º da MP 1160/23, ainda que as partes tenham celebrado acordo para atenuar os efeitos do retorno do voto de qualidade no Carf. Esse entendimento é respaldado pelo fato de que a inconstitucionalidade do voto de qualidade a favor do fisco é originária, desvinculando-se de eventuais parâmetros e condições que objetivem restringir a eficácia da medida.
Ou seja, o fato de os termos do acordo preverem a isenção de multa e juros e o cancelamento de representação fiscal para crimes contra a ordem tributária não deveria minimizar a inconstitucionalidade do desempate a favor do fisco, já que o controle de constitucionalidade é realizado em defesa da Constituição Federal. A função do STF é de preservar o sistema jurídico e garantir a supremacia do texto constitucional, o que, em tese, deveria impossibilitar que vícios de inconstitucionalidade sejam relativizados a partir de interesses de atores políticos.
Todavia, fato é que a necessidade de prevalência do interesse público e o federalismo cooperativo também respaldam a possibilidade de autocomposição no âmbito da Suprema Corte.
Nesse contexto, medidas voltadas à conciliação e mediação em ações de competência originária não são inéditas no STF. Nos autos da ADI 7191, ADPF 984 e ADI 7195, por exemplo, os entes federativos firmaram acordo sobre as alterações na alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis e energia elétrica. Como resultado, o STF determinou que a União encaminhasse ao Congresso Nacional propostas para o aperfeiçoamento legislativo da matéria.
Portanto, a via autocompositiva é importante instrumento para negociação de discussões tributárias no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade, oportunizando, mesmo nessas situações, que seja alcançada a solução final acordada.
Não obstante a celebração de acordo seja louvável sob a perspectiva de equacionar os interesses jurídicos do governo federal e da sociedade, por certo, sob o ponto de vista formal, a mera pactuação das vontades das partes signatárias não nos parece suficiente para resolver o imbróglio do voto de qualidade.
Isso porque torna-se ineficaz o acordo voltado à previsão de condições legislativas e de circunstâncias que, uma vez não previstas na redação original, não considerem o papel do Congresso Nacional como agente atuante e indispensável à incorporação das condições celebradas.
Não se desconhece que alguns pontos do acordo possuem fundamento no CTN e no Código Penal, de maneira que, a rigor, a avaliação do STF bastaria para validação dessas medidas.
Porém, isso não elide a observância de procedimentos necessários para a conversão da MP em lei, já que a eficácia plena do acordo celebrado pelo CFOAB e pelo governo federal depende da incorporação do texto, através de modificações do Congresso, durante os 120 dias de validade da medida. Portanto, ainda que homologue os termos do acordo firmado, a resolução a ser conferida nos autos da ADI 7347 demandará que o STF também recomende ao Congresso a incorporação das condições acordadas, que deverão ser implementadas por ocasião da conversão da MP em lei.
Nesse contexto, relevante destacar que o advogado-geral da União substituto noticiou nos autos da ADI que já existe uma série de sugestões de emendas à MP, com medidas para incorporação do acordo e ideias alternativas como a submissão do litígio à arbitragem tributária.
Torna-se cristalino, assim, que os acordos celebrados em sede de controle concentrado de constitucionalidade devem estabelecer um diálogo entre a sociedade, o Judiciário e o Legislativo, a fim de que os interesses coletivos sejam tutelados de maneira harmônica. Caso contrário, eventuais acordos celebrados terão o efeito contrário e apenas intensificarão o cenário de insegurança jurídica ao qual é submetido o contribuinte.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de desistência. Legitimidade ativa. Em se tratando de ação direta de inconstitucionalidade, ja se firmou, nesta Corte, o entendimento de que ação dessa natureza não e suscetível de desistência. Instituição, que pode ser integrada por entidades sindicais e associações não sindicais, e, além disso, consiste em associação de associações, não e entidade de classe para o efeito de ter legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade. Entidade sindical de grau superior integrada por sindicatos não preenche os requisitos legais para constituir uma Confederação sindical. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.
(ADI 164, Relator(a): MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/1993, DJ 17-12-1993 PP-28049  EMENT  VOL-01730-01 PP-00001)

CARF

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JOTA

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