Opinião e Análise

Jardes Costa de Oliveira

Reconhecido pela <a href="https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf.">alta litigiosidade</a>, o contencioso tributário brasileiro refrigera os debates acerca da concepção do que seria o acesso à justiça<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e como o seu caminho não se limita ao mero ajuizamento de ações, aprofundando no conceito que chamamos de Sistema Multiportas.
Isto porque, para efetivar o <a href="https://jota.info/tudo-sobre/direito-constitucional">direito constitucional</a> – de se chegar à justiça a partir do surgimento de um conflito, não é necessário que se recorra unicamente ao Judiciário como agente garantidor de direitos, mas sim que se considerem outros meios, analisando, para tanto, alguns fatores - como a intenção das partes e o motivo que gerou a controvérsia entre elas - para se chegar a uma solução adequada e coerente com a peculiaridade de cada caso.
A esse despeito, a transação tributária<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, apesar de ganhar força, ainda carece de aperfeiçoamento para maximizar seu resultado.
Independentemente da sua modalidade, busca-se estressar a sua versatilidade para que o ente responsável pela cobrança de tais créditos, por meio da negociação, adapte a maneira tradicional (<a href="https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf.">já em colapso</a>) de satisfazê-lo, com base no cenário econômico do contribuinte, à luz do princípio da Justiça Fiscal – próprio das políticas públicas relacionadas à fiscalidade.
A essa negociação, ponderamos: No momento em que são debatidos, em conjunto, os créditos a serem incluídos, a porcentagem de descontos, os prazos, o período em que o processo pode remanescer em contencioso, as garantias, os custos com honorários, laudos/pareceres, a administração do caso pelo jurídico interno, entre outros aspectos, é de extrema importância que a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/administracao-publica">Administração Pública</a> esteja aberta a compreender como a existência de uma “governança corporativa” absolutamente responsável e criteriosa, impacta nesse desfecho – nem sempre próspero.
Conceituamos: a <a href="https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa">governança corporativa</a> é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.
Tal sistema nada mais é do que a representação prática da ABNT NBR ISO 31000 (Gestão de Riscos – Diretrizes), ao sintetizar, sob o viés corporativo, que a gestão abrange de forma consolidada todos os riscos (internos/externos) que afetam a Organização e estão diretamente relacionados aos seus objetivos estratégicos, devendo ser gerenciados e acompanhados pela Alta Administração.
Adicionalmente implementado para cruzar essa gestão, o controle SOx cria fluxos para identificar, combater e prevenir eventuais fraudes que impactam no desempenho financeiro, em um exercício constante que garante o compliance e a integridade da corporação, protegendo, em paralelo, os mais diversos agentes.
De sorte, a aplicação desse mecanismo para a análise assertiva acerca de uma possível celebração de acordo com o fisco movimenta diversos setores internos da empresa, comumente envolvendo, pelo menos, as equipes do Jurídico, Tesouraria, Contabilidade, Apurações Fiscais e Contas a Pagar.
Essa sincronia é fundamental para permitir que a liderança empresarial esteja corretamente lastreada para a tomada de decisão responsável, garantindo que todas as etapas necessárias foram realizadas dentro dos parâmetros estabelecidos e com a observância dos vários controles existentes em cada área. Falaremos rapidamente sobre alguns deles, portanto.
O time de Apurações Fiscais assegura a conformidade da empresa ao apurar tributos e garantir não só o seu devido recolhimento, como também a regularidade na transmissão das obrigações principais/acessórias. O time Contábil abarca todo o procedimento (execução, controle e ajustes) para que a contabilidade da empresa seja espelhada de forma mais assertiva possível nas Demonstrações Financeiras, divulgação do EBITDA ou até mesmo no Formulário de Informações Trimestrais, todos de conhecimento público.
A Tesouraria, por sua vez, é responsável pela manutenção dos recursos financeiros, gerenciando todas as entradas/saídas de caixa, apoiando, também, em outras linhas de crédito, a exemplo da emissão de seguro-garantia. Já o Contas a Pagar, fica responsável, basicamente, pelo processo (programação) de registro e pagamento.
Por fim, o time Jurídico, além de “dar a liga” a toda essa estrutura, gere todas as demandas jurídicas da empresa. Quanto a essa última, particularmente para o direito tributário, enquanto os entes públicos gerem o crédito a ser cobrado, nós, do jurídico interno, gerimos esse passivo internamente, seja apresentando as defesas competentes, seja no envio de informações necessárias ao seu registro para controle adequado dos times outrora citados e reportes à auditoria.
Vale dizer: o papel do jurídico não se limita apenas a essas atividades, incumbindo-se também do estudo adequado para identificação de oportunidades de recuperação do crédito ou dispensa no recolhimento de algum tributo. Tais medidas são conhecidas na contabilidade como superveniências, ou seja, representam ações que aumentam o patrimônio da empresa (geração de caixa).
Acerca da estrutura dos times, temos uma ressalva: não há um modelo padrão, havendo variações no formato que mais atenda a cada interesse setorial, sendo, o formato aqui apresentado, um mero exemplo desse funcionamento.
Retomando nosso foco, falaremos da administração do passivo tributário, classificado na contabilidade como contingências. Para essa categoria, os advogados fazem uma análise quanto à probabilidade de perda do desfecho do processo, considerando a classificação de acordo com o CPC 25 - Provisão e Passivo e Ativo Contingentes - IAS 37: Provisions, Contingent Liabilities and Contingent Assets.
Em termos práticos, o processo poderá ser classificado, em: a) perda provável - constituirá uma provisão imediata do valor; b) perda possível - gera obrigatoriedade de dar publicidade a esses processos (ao menos do tema ali discutido) nas Demonstrações Financeiras; c) perda remota - não gera obrigatoriedade alguma, além da própria gestão/condução qualificada do processo. Temos ainda uma categoria pouco usada, a do d) êxito praticamente certo, mas não falaremos dela nesse espaço.
Por óbvio, essa adequada classificação é de extrema importância para a manutenção da governança, já que qualquer movimento pode vir a causar um impacto imediato às finanças da empresa, cascateando aos resultados líquidos ou até mesmo em um impacto indireto, decorrente da movimentação dos stakeholders ao decidirem pelo investimento ou não naquele negócio com base nas perdas futuras que o mesmo terá – o que afeta diretamente os valores negociados na bolsa de valores.
Inclusive, essa avaliação é refeita constantemente e nas mais variadas perspectivas: questionamentos dos auditores internos/externos; movimentação de mercado; impactos de caixa/resultado; confiabilidade de sistemas e controles internos; casos dos Tribunais Superiores que ganham destaque; além da própria desenvoltura natural do processo - posicionamento dos entes, decisões monocráticas/colegiadas, possibilidade de produção de provas, perspectiva entre esferas etc.
É de se concluir que quaisquer ações tomadas para não só alterar o prognóstico dos casos, como também sobre o que “fazer” com eles, sejam embasadas conjuntamente entre as áreas, após um alinhamento e estudo profundo acerca dos impactos que aquela decisão ocasionará.
Mas não se limita: a busca da lucratividade da empresa é um dever para com seus acionistas e um direito à economia fiscal, direito este elevado à condição de direito fundamental<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> – desde que feita por meios lícitos e que atendam a própria dinâmica empresarial.
Dito isso, em uma parte 2, entenderemos como essa compreensão empresarial dialoga com a necessidade da escuta ativa entre as partes para potencializar os efeitos e a atratividade na adesão a transação.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Na visão de Bedaque, descrita no livro Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (2003, p. 71), o acesso à justiça, ou mais propriamente, acesso à ordem jurídica justa, significa proporcionar a todos, sem qualquer restrição, o direito de pleitear a tutela jurisdicional do Estado e de ter à disposição o meio constitucionalmente previsto para alcançar esse resultado. Ninguém pode ser privado do devido processo legal, ou, melhor, do devido processo constitucional. É o processo modelado em conformidade com garantias fundamentais, suficientes para torná-lo équo, correto, justo.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Atualmente formada por três espécies – a transação do contencioso de relevante e disseminada controvérsia, da cobrança de dívida da União e de pequeno valor; o acordo pode ser celebrado de forma individual ou por adesão, abrangendo créditos inscritos na dívida ativa da União (incluindo autarquias e fundações), na cobrança de créditos que seja da competência da Procuradoria ou em contencioso administrativo fiscal - vide inciso I do art. 2º da Lei 13.988/20.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 196-202.

Dinheiro, Real Moeda brasileira

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JOTA

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