Opinião e Análise

Mayara da Silva Cruz

A <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.988-de-14-de-abril-de-2020-252343978">Lei 13.988/2020</a>, fruto da conversão da MP 899/2019, trouxe importantes inovações no campo da solução consensual de conflitos de natureza fiscal, disciplinando a transação na cobrança de créditos da União, suas autarquias e fundações públicas, a ser realizada por adesão ou por proposta individual, bem como a transação no contencioso tributário de pequeno valor e no de relevante e disseminada controvérsia jurídica, celebradas por adesão.  
Não obstante os traços distintivos de cada uma dessas modalidades, elas têm em comum o fato de serem meios pelos quais o sujeito passivo e o Fisco, mediante concessões mútuas e recíprocas, extinguem litígios de natureza tributária travados tanto no âmbito administrativo quando no âmbito judicial, obtendo, de forma mediata, a extinção do crédito tributário (a extinção em si está condicionada ao cumprimento das condições e obrigações pactuadas entre as partes).  
Todas elas exigem, outrossim, nos termos do artigo 3° da Lei n° 13.988/2020, que o sujeito passivo assuma, entre outros, os seguintes compromissos: 1) desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos (inciso IV); e 2) renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do artigo 487 do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cpp">Código de Processo Civil</a> (inciso V).  
A análise do dispositivo revela, ao menos em um primeiro momento, que, em razão da renúncia às alegações de direito, a celebração da transação obsta que o sujeito passivo maneje posteriormente qualquer medida judicial destinada a questionar o crédito tributário transacionado. Existe, no entanto, divergência doutrinária acerca do alcance dessa renúncia e da (im)possibilidade de rediscussão da matéria perante o Poder Judiciário, havendo vozes no sentido da aplicação à renúncia realizada na transação do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.133.027/SP[1], submetido à sistemática dos recursos repetitivos.  
Nesse julgado, decidiu a Corte que a confissão de dívida para fins de adesão a parcelamento não impede que o contribuinte questione judicialmente a obrigação tributária em seus aspectos jurídicos, embora obste a discussão em seus aspectos fáticos (salvo ocorrência de defeito causador de nulidade do ato jurídico, como erro, dolo, simulação e fraude).  
Duas circunstâncias, portanto, afastam o precedente da situação aqui analisada: 1) a natureza do ato de disposição (enquanto o julgado do STJ se debruçou sobre a confissão, aqui se tem renúncia às alegações de direito sobre as quais se fundam a ação ou as impugnações e recursos administrativos); e 2) o contexto em que praticado o ato (o caso submetido à Corte tratava de parcelamento, ao passo que aqui se discute a transação tributária).  
Nessa ordem de ideias, a primeira razão que impede a extensão do precedente à situação ora tratada é a diferença substancial entre os institutos da confissão e da renúncia às alegações de direito: enquanto a confissão consiste apenas no reconhecimento da existência de um fato (ou seja, abrange somente aspectos fáticos), donde decorre que ela não constitui óbice à posterior discussão sobre aspectos jurídicos, a renúncia às alegações de direito é mais ampla e representa um ato de disposição de direito material pelo qual o demandante abdica da própria pretensão deduzida administrativa ou judicialmente[2]. Ademais, manifestada a renúncia à pretensão no bojo de um processo judicial, este será extinto com resolução do mérito, na forma do artigo 487, III, “c”, do CPC, o que significa que eventual pretensão de rediscutir a legitimidade do crédito tributário encontrará óbice também na coisa julgada material.  
Noutro giro, sendo o parcelamento e a transação tributária institutos distintos, com regimes jurídicos diversos, a transposição de entendimentos relativos ao parcelamento para a transação deve ser realizada sempre cum grano salis, sob pena de desnaturação desse importante mecanismo de resolução de conflitos tributários. Assim, se no parcelamento a renúncia ao direito material pode aparecer como condição para adesão ao favor fiscal, na transação ela assume a natureza de concessão feita pelo contribuinte no âmbito de um ajuste que resultou no encerramento do litígio. E esse caráter extintivo do litígio confere ao conteúdo da transação e às concessões feitas no seu bojo inegável estabilidade, sendo mais uma razão a obstar a rediscussão da matéria transacionada.  
Em suma, seja pela amplitude do ato de disposição praticado pelo contribuinte, seja pelas características próprias do instituto da transação, a renúncia às alegações de direito sobre as quais se funda a demanda não comporta flexibilização e impede posterior questionamento judicial da legitimidade do crédito tributário objeto da transação, a ela não se aplicando o entendimento consolidado no REsp 1.133.027/SP.  
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[1] PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C, § 1º, DO CPC). AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO COM BASE EM DECLARAÇÃO EMITIDA COM ERRO DE FATO NOTICIADO AO FISCO E NÃO CORRIGIDO. VÍCIO QUE MACULA A POSTERIOR CONFISSÃO DE DÉBITOS PARA EFEITO DE PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. (...) 3. Caso em que a Administração Tributária Municipal, ao invés de corrigir o erro de ofício, ou a pedido do administrado, como era o seu dever, optou pela lavratura de cinco autos de infração eivados de nulidade, o que forçou o contribuinte a confessar o débito e pedir parcelamento diante da necessidade premente de obtenção de certidão negativa. 4. Situação em que o vício contido nos autos de infração (erro de fato) foi transportado para a confissão de débitos feita por ocasião do pedido de parcelamento, ocasionando a invalidade da confissão. 5. A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude). (...) (REsp 1.133.027/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 16/03/2011)<span class="EOP SCXW33834685 BCX0" data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:240,&quot;469777462&quot;:[1767],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
[2] O STJ já reconheceu que a renúncia ao direito obsta a discussão judicial sobre aspectos da obrigação tributária: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AGRAVO REGIMENTAL – ASSINATURA DE TERMO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA –AÇÃO ANULATÓRIA – DISCUSSÃO JUDICIAL SOBRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA – IMPOSSIBILIDADE –LEGISLAÇÃO ESTADUAL – RENÚNCIA. 1. Hipótese em que a Legislação Estadual que disciplina a adesão ao REFIS exige a expressa renúncia ao direito, o que impossibilita a discussão judicial sobre aspectos da obrigação tributária. 2. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no Ag 1.131.013/MG, 2ª Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, julgado em 03/11/2009)

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O entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.133.027/SP

A transação tributária e o alcance da renúncia às alegações de direito

O entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.133.027/SP