Opinião e Análise

Cristiane Campos Morata

É sabido que os processos administrativos no âmbito fiscal chegam a ficar cinco, dez ou até mais anos paralisados, sem qualquer movimentação, aguardando julgamento de impugnações ou recursos dos contribuintes. Isto é corriqueiramente constatado, tanto na esfera federal, como nas estaduais e municipais.
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanha_tributos_q2&amp;utm_id=cta_texto_tributos_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_tributos&amp;utm_term=cta_texto_tributos_meio_materias">Conheça o JOTA PRO Tributos, nossa plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios, que traz decisões e movimentações do Carf, STJ e STF</a></h3>
Ocorre que não há previsão normativa específica quanto à prescrição intercorrente na esfera administrativa fiscal, mas tão somente na Lei de Execuções Fiscais, aplicável aos processos judiciais.
Devemos lembrar que a prescrição ordinária tributária diz respeito a perda do prazo do Fisco de cobrar um tributo pela falta de ingresso da respectiva ação executiva. Por sua vez, a prescrição intercorrente, é aquela que se dá no curso processo, devido à inércia do exequente em localizar o devedor ou bens para a penhora. Ambas têm prazo legal de 5 anos e culminam na extinção do crédito tributário.
Alegam os Fiscos, porém, que em face da previsão contida no art. 151, inciso III, do Código Tributário Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CTN">CTN</a>), de que as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário, não seria possível a incidência da prescrição intercorrente nos processos administrativos pendentes de julgamento.
Parcela da doutrina<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, no entanto, aponta que o abandono processual por parte do Fisco ao não julgar as defesas e recursos administrativos do contribuinte atrairia, por si só, a fluência de prazo prescricional no curso do processo, independentemente da suspensão de exigibilidade havida.
Não obstante, a questão foi sumulada pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Carf">Carf</a>, através da Súmula 11, que dispõe que não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.
Mas os processos administrativos não podem perdurar indefinidamente, enquanto os contribuintes ficam na incerteza da cobrança de um crédito que poderá impactar diretamente sua saúde financeira.
Há na jurisprudência algumas decisões favoráveis à aplicação da prescrição intercorrente no âmbito administrativo fiscal, apontando a desnecessidade de regulamentação e aplicando, como razão de decidir, as regras fluídas de exegese previstas no art. 108, do CTN.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Recentemente, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a> julgou em sede de repercussão geral, o Tema 390<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, no qual analisou a prescrição intercorrente no curso do processo de execução fiscal, consignando a seguinte tese: É constitucional o art. 40 da Lei 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais – LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos.
Nesse julgado, o STF decidiu pela desnecessidade de lei complementar para dispor sobre prescrição intercorrente, por se tratar de norma processual. Destaca-se as palavras do ministro-relator <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/luis-roberto-barroso">Roberto Barroso</a>, que ressaltou em seu voto que a imprescritibilidade das relações jurídicas não é compatível com os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, considerando-se a necessidade de que as demandas sejam solucionadas em tempo razoável.
Tal manifestação aplica-se perfeitamente aos processos administrativos fiscais. A paralisação destes feitos por longos anos, dificulta a produção de provas, que muitas vezes já não mais existem quando da efetiva constituição do crédito tributário, seja esta documental, testemunhal ou outra. De outro lado, a morosidade também reduz as chances de o Fisco recuperar o crédito tributário, ao passo que muitas empresas demandadas podem vir a falir ou simplesmente encerrar suas atividades ao longo do tempo, ou sendo pessoas físicas, terem seu patrimônio dilapidado.
É preciso, portanto, que haja uma regulamentação clara das hipóteses e requisitos para que a prescrição intercorrente se verifique no curso dos processos administrativos fiscais, o que somente poderá ser feito por meio de lei própria.
Atualmente, há dez projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, com vista à modernização dos processos administrativo e tributário (sendo dois de lei complementar). Todavia, nenhum deles traz solução para a problemática ora apresentada.
O Projeto de Lei 2.481/2022, dispõe sobre a reforma da Lei de Processo Administrativo (Lei 9.784/99) e traz em seu art. 68-J, §1º, a previsão da prescrição intercorrente no processo administrativo sancionador, relativamente às ações punitivas da atividade administrativa e controladora. Contudo, este PL não conceitua a extensão do que seria o processo administrativo sancionador e, em seu art. 69-C dispõe que, de forma subsidiária a este, devem ser aplicadas as disposições previstas no Código de Processo Civil (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CPC">CPC</a>), no Código Penal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CP">CP</a>) e no Código de Processo Penal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CPP">CPP</a>), o que nos leva a crer que a intenção do legislador aqui seja regulamentar a prescrição apenas para as infrações administrativas da esfera cível e penal. Ainda, devemos lembrar que a referida lei regulamenta o procedimento administrativo no âmbito federal apenas, de modo que as esferas estaduais e municipais, ainda assim, ficariam desamparadas no que tange à previsão legal da prescrição intercorrente.
O <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154737">Projeto de Lei 125/2022</a>, denominado Código de Defesa dos Contribuintes (com status de lei complementar), traz também diversas disposições importantes para melhoria da relação Fisco x contribuinte, para favorecer a conformidade tributária, mas também deixou de lado esse tema.
Entendemos, pois, que a normatização da prescrição intercorrente no PLP 125/2022 seria de grande valia, haja vista sua abrangência nacional, com status de lei complementar (muito embora o STF tenha decidido que este tema pode ser objeto de lei ordinária), já que esta favoreceria a razoável duração do processo, reduzindo a morosidade e o tax gap, indo ao encontro com o objetivo principal desta lei, que é melhorar a relação entre o Fisco e os contribuintes.
O principal ponto é definir quando será caracterizada a prescrição intercorrente e seus termos inicial e final. Há quem defenda que o prazo prescricional deveria ter início no momento da notificação da autuação; outros advogam a tese de que deveria ser a partir da apresentação da impugnação ou recurso do contribuinte. Iniciada a fluência do prazo, configurar-se-ia a prescrição intercorrente com a inércia continuada e ininterrupta no curso do processo e com a ausência de julgamento ou despacho por período superior ao da prescrição do direito material vindicado (5 anos).
Acredita-se que a inclusão desses requisitos em projeto legislativo próprio a tratar das relações entre Fisco e contribuintes trará clareza e segurança jurídica aos envolvidos, garantindo e impulsionando a celeridade processual na análise dos conflitos administrativos tributários.
Celeridade processual é, sem dúvida, benéfica para todos; para os contribuintes, porque lhes garante a razoável duração do processo, ao Fisco porque permite uma rápida recuperação do crédito tributário (quando efetivamente devido) e a redução de custos, e à população como um todo, que ganha com a eficiência tributária e a segurança jurídica.
Por tais razões, é urgente a necessidade de regulamentação sobre a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal, com sua inclusão no PLP 125/2022 de dispositivos que tratem, objetivamente, do tema.
___________________________________________________________________________________
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 14. São Paulo: Ed. Atlas, 2022. p. 195.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> TRF4, Proc. 5020128-88.2021.4.04.7101, Des. Leandro Paulsen, DJU 06/12/2022; JFSP, Proc. 5005205-40.2021.4.03.6102, Juíza Federal Marina Gimenez Butkeraitis, 24ª Vara Cível federal de São Paulo, DJU 20/03/2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> STF, RE 636.562/SP, PLENO, Ministro Relator Roberto Barroso, DJU 22/02/2023, v.u.

prescricao intercorrente

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

É preciso que haja uma regulamentação clara das hipóteses de prescrição intercorrente, o que somente poderá ser feito por meio de lei

A prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal

É urgente a necessidade de regulamentação sobre a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal