Opinião e Análise

Thiago Oliveira de Matos

Danielle Eugenne Migoto Ferrari Fratini

O <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-2488-2022">PL 2488/2022</a>, em capítulo intitulado do procedimento para inscrição em dívida ativa e do controle de legalidade dos créditos, traz a seguinte previsão:
<blockquote class="jota-article__citation">Art. 6º. A inscrição em dívida ativa do crédito tributário e não tributário constitui ato de controle administrativo de legalidade e será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito. </blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">[...] § 3º. As Fazendas Públicas deverão, sobretudo antes da propositura da execução fiscal, utilizar métodos de autocomposição e consensualidade previstos na Lei, com vistas a permitir a regularização do débito inscrito, sob pena de indeferimento da inicial.</blockquote>
 Iniciando a análise pelo espírito que ilumina o dispositivo em questão, impossível não identificar na proposta um salutar movimento, em sede legislativa, para a afirmação de uma jurisdição executiva residual em matéria fiscal. 
No âmbito do Poder Executivo federal, a <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=90028">Portaria PGFN 33/2018</a> representou passo importante nessa mesma direção, regulamentando práticas e institutos como a averbação pré-executória, o procedimento para a localização de bens e direitos e o ajuizamento seletivo (ou condicionado) de execuções fiscais, apontando para a jurisdição executiva como uma via subsidiária de cobrança.
No estado de São Paulo, além da já consolidada utilização do protesto de certidões de dívida ativa e da inscrição de devedores no CADIN, a <a href="https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2023/lei-17843-07.11.2023.html">Lei Estadual 17.843/2023</a>, espelhando o modelo federal, prevê o ajuizamento condicionado de execuções fiscais, a averbação da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos e o procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa, além de novas modalidades de transação tributária. Trata-se de sistemática de cobrança que também sinaliza para a jurisdição executiva fiscal como última via.
Apesar dessa bem-vinda intenção de desjudicialização e afirmação de uma nova forma de cobrança do crédito fazendário, o artigo 6º, § 3º, do PL 2488 merece considerações importantes. 
Ao instituir uma nova modalidade de falta de interesse processual, o projeto impõe a pena de indeferimento da inicial de execução fiscal caso o exequente não tenha empregado meios de autocomposição e consensualidade previstos em lei. Surge, então, uma indagação: o que significaria utilizar tais métodos, previstos na lei?
Poder-se-ia interpretar o dispositivo no sentido de que a mera existência de legislação disponibilizando tais métodos aos contribuintes e ao fisco seria suficiente para afastar a nova causa de indeferimento da inicial. Quanto aos meios consensuais, a exemplo da transação, bastaria a existência de lei instituindo-a para a observância do novo requisito normativo. Nesse sentido, para os entes tributantes já abrangidos por leis de transação, a inovação legislativa não traria qualquer impacto. 
De outro lado, muitos credores fiscais, a exemplo de boa parte dos municípios brasileiros, não teriam como demonstrar o cumprimento dessa exigência, impedidos por incapacidades estruturais e orçamentárias, refletidas na ausência de previsão legal de tais métodos. Estariam, então, dispensados da aludida comprovação ou a eles seria obstado o acesso à jurisdição executiva fiscal? Na última hipótese, não nasceria o novo dispositivo eivado de inconstitucionalidade, por afastar de antemão a possibilidade de as Fazendas se valerem do Judiciário em matéria de cobrança fiscal, sendo esta a única ratio em tais casos? 
Caso o que se espere do dispositivo seja a comprovação individualizada do emprego dos referidos métodos, estaríamos diante de uma nova etapa administrativa de justificação do ajuizamento, a determinar prévia notificação de todo e qualquer devedor para instá-lo a transacionar, por exemplo. A inicial de execução fiscal, nesse caso, deverá ser acompanhada de prova de notificação do contribuinte e de sua recusa, expressa ou tácita, em compor com o credor fiscal.
 Nesse ponto, importante destacar situações em que o fisco, conhecedor do perfil e do histórico de certos inadimplentes, antevê a inviabilidade das medidas alternativas à jurisdição, ou mesmo identifica a necessidade do elemento surpresa na utilização de instrumentos processuais, como a medida cautelar fiscal. Tais hipóteses não foram excepcionadas no projeto. 
A imposição, tal como posta, pode representar burocratização ineficaz da cobrança administrativa, demandando um aparelhamento ainda inexistente no âmbito das procuradorias em geral, com maiores dispêndios para a cobrança fiscal.
Além disso, inobstante seu destacado bom intento, o dispositivo não é suficientemente claro em seu alcance, carecendo de explicitações quanto ao conteúdo do que chama de métodos de autocomposição e consensualidade, assim como ao significado da lei a que se refere. 
Caso se entenda por métodos autocompositivos aqueles que dispensam a presença do Estado-juiz, quaisquer outras formas de cobrança podem ser entendidas como válidas para a observância do dispositivo, a exemplo da notificação para o pagamento administrativo, o protesto e a inscrição no CADIN. Quanto à consensualidade, é intuitivo considerar abarcados a transação ou mesmo o negócio jurídico processual – ainda que este se dê no bojo de ações antiexacionais anteriores à execução fiscal. 
Contudo, se a exigência for no sentido de que além de autocompositivo o método também seja consensual – o texto emprega o conectivo e –, estariam afastados o protesto e inscrição no CADIN<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">[1]</a>, incentivos negativos bem-sucedidos na recuperação administrativa do crédito fiscal. 
Poderia também se entender pela utilização de métodos de duas categorias distintas: autocompositivos (não consensuais) e, além deles, os consensuais. Nesse caso, seriam exigidas duas etapas prévias à execução fiscal. As Fazendas teriam, primeiro, que protestar os devedores e, caso infrutífera a medida, estariam obrigadas a notificá-los para a transação, por exemplo. 
Para além disso, a imposição do emprego da consensualidade, com certo grau de compulsoriedade, ou mesmo como mero procedimento protocolar, parece contrariar a busca de um novo paradigma na relação entre as Fazendas e contribuintes, já caracterizada pelo exacerbado antagonismo.
Se o conteúdo semântico das expressões constantes do artigo 6º, § 3º, do PL 2488, já apresenta tais dúvidas interpretativas, a nós parece ser esse um indicativo de que sua aprovação exigirá prévio aperfeiçoamento redacional, de modo a não ser esvaziada a boa oportunidade de consolidação da cobrança executiva não judicial como uma alternativa eficaz, e menos conflituosa, para a recuperação e a conformidade fiscais.
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<a class="sdfootnotesym" style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">[1]</a> Neto e Ribeiro entendem que a utilização do cadastro informativo de créditos não quitados – CADIN, a negativa de emissão de certidão de regularidade fiscal, assim como o protesto de títulos executivos inadimplidos (CDA), figuram no âmbito da autotutela em defesa do crédito tributário, tratando-se de uma imposição de vontade estatal, portanto, não consensual. Vide: NETO, Carlos Augusto Daniel; Ribeiro, Diego Diniz. Meios alternativos de composição de conflitos e sua incidência no âmbito da persecução do crédito tributário. In: ARAUJO, Juliana Furtado Costa; CONRADO, Paulo Cesar (org.). Inovações na cobrança do crédito tributário. São Paulo: RT, 2019. p. 178-179.

Fachada do Congresso Nacional

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JOTA

Eventual aprovação de projeto que tramita no Senado exigirá prévio aperfeiçoamento redacional

A nova causa de indeferimento da inicial de execução fiscal no PL 2488

Eventual aprovação do PL 2488/2022, que tramita atualmente no Senado, exigirá prévio aperfeiçoamento redacional