Opinião e Análise

José Roberto Afonso

Daniela Olímpio de Oliveira

Ao final de agosto, foi promulgada a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm">Lei Complementar 200/2023</a>, instituindo um “regime fiscal sustentável”, atendendo ao disposto da EC 126 de 2022, e, por conseguinte, encerrando as limitações outrora constitucionais sobre variação da despesa primária da União. À parte o conteúdo dos atos e das normas, criadas ou revogadas, esta é uma oportunidade para se atentar como regras fiscais no Brasil são previstas, determinadas e/ou detalhadas, seja no corpo da própria Constituição, incluindo mais de uma centena de suas emendas, seja no âmbito de leis nacionais, em particular aquelas definidas como complementares.
Não há outro país no mundo que dedique tanto espaço e tanto detalhamento às matérias das finanças públicas em seus principais atos legislativos.
Um levantamento exaustivo deste conjunto de regulação vigente e proposto foi realizado por um grupo de pesquisadores, incluindo estes dois autores, e acabou de ser publicado pela FIPE/USP<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> sob o título “Diagnóstico sobre constitucionalização das finanças públicas no Brasil”. Para ter uma precisa dimensão da extensão desse processo, não apenas foram citados os normativos, como também foram transcritos, seja o teor dos dispositivos inseridos na Constituição vigente, seja a legislação infraconstitucional igualmente em vigor, seja as propostas legislativas sobre a matéria em tramitação no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/congresso-nacional">Congresso Nacional</a>, tanto na forma de projetos de emendas constitucionais, quanto projetos de leis complementares – ainda os respectivos links para consulta nos documentos originais foram sempre apresentados (em rodapé). São apresentadas as redações de todos esses atos, vigentes ou propostos, em torno de finanças públicas e, mesmo excepcionalizadas aquelas específicas da tributação, resultou um documento com mais de 300 páginas.
O trabalho resultou em um texto para discussão sobre a necessidade de se promover uma consolidação, não apenas no sentido econômico ou fiscal, de uma definição sistemática de normas, quanto também no sentido jurídico e legislativo, de um tratamento mais completo e harmônico.
Paradoxalmente, se há excessos de normatização em alguns casos, há carência de regulação em outros. Aspectos chaves das finanças públicas, como o orçamento público, seguem carentes há décadas de uma nova legislação geral – aplicada parcialmente, no que cabe, uma lei de aprovada em março de 1964, anterior a promulgação das duas últimas Constituições do país.
Outros aspectos, mais próprios para política fiscal e econômica, que muda ao longo do tempo, foram tratados em emendas constitucionais. Considere a Lista de Emendas que versam sobre finanças públicas identificadas no documento “Diagnóstico sobre Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil” acima citado<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>. Os temas das Emendas são variáveis, como a limitação de gastos primários ou ao pagamento de precatórios, e suas exceções, mas nem sempre consistentes com a restrição para a contratação de crédito acima das despesas de capital no orçamento.
No ato mais recente, a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp200.htm">LC 200/2023</a>, criou um “regime fiscal sustentável” para garantir estabilidade macroeconômica. Ao nosso ver, isto não encerra, mas, ao contrário, reabre esse processo de revisitar a regulação das finanças públicas no país. O regime se aplica basicamente apenas ao governo central e será aplicado em concomitante ao regime fiscal responsável, instituído pela chamada LRF – LC 100/2000. O Brasil é uma federação bastante descentralizada e no qual mais da metade do gasto público primário é realizado pelos governos subnacionais.
Outras pautas em torno de regras fiscais continuam em aberto, seja em termos de governança fiscal e monitoramento do endividamento, seja no campo da transparência e do planejamento. De se mencionar, também, o clamor técnico pela revisão das regras orçamentárias e a implementação do Conselho de Gestão Fiscal. Sobre este último, o citado texto da FIPE/USP traz um mapeamento tabelado dos projetos de lei já interpostos em sede parlamentar no Brasil. Vale conferir parte da Tabela: “Quadro Comparativo PLP’s  sobre Conselho de Gestão Fiscal”, tal como previsto na LC 101/2000.<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>
Enfim, as propostas legislativas por apreciar são variadas e com complexidades normativas distintas. O documento elenca outros PLs e PLPs sobre temas fiscais. Queremos dizer que são enormes e múltiplos os desafios impostos a uma agenda para consolidação das regras fiscais no Brasil. Conhecida a estratégia de revisitar as normas, que deve considerar as condições políticas, econômicas, sociais e históricas, se partiria para o campo legislativo, em que urge também revisar as normas constitucionais e de sua legislação nacional complementar.
Todo o escopo normativo vai se estabelecendo, onde o vetor há de ser a busca pela harmonia sistêmica. Ao prever tantas e tão detalhas normas, parece inevitável incoerências, inconsistências ou até mesmo equívocos – a título de exemplo, vale citar que na LC 200/2023, ao tratar de audiências públicas quadrimestrais para demonstrar cumprimento de metas, cita apenas ministro e secretário de Estado, mas depois prevê a ida ao Legislativo municipal (além dos Poderes federais e estaduais).
Para assegurar uma melhor regulação, dada a extensão e a complexidade das matérias, nos parece que o ideal seria tratar das mudanças institucionais por meio da criação de um Código Fiscal. Seja por esta ou por outra via, o documento que ora se publica, sobre “Diagnóstico sobre Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil”, pode servir como balizador para esse trabalho de revisar e revistar a normatização dessa matéria.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Os subscritores desse artigo contribuíram com a elaboração do documento “Diagnóstico sobre Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil”, que foi publicado pela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas. Ver: AFONSO, José Roberto, OLIVEIRA, Daniela Olimpio de Oliveira, et. all. Texto para Discussão n. 19. Diagnóstico sobre Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil. Disponível em :&lt; <a href="https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/textos/texto19.pdf">https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/textos/texto19.pdf</a> &gt;. Acesso em 03.09.2023.<a href="#_ednref2" name="_edn2"></a>
<a href="#_ednref2">[2]</a> São elas:
Emenda Constitucional de Revisão nº 1 de 1994
Emenda Constitucional nº 8, de 1995
Emenda Constitucional nº 10, de 1996
Emenda Constitucional nº 12, de 1996
Emenda Constitucional nº 14, de 1996
Emenda Constitucional nº 15, de 1996
Emenda Constitucional nº 17, de 1997
Emenda Constitucional nº 18, de 1998
Emenda Constitucional nº 19, de 1998
Emenda Constitucional nº 20, de 1998
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc21.htm#art1">Emenda Constitucional nº 21, de 19</a>99
Emenda Constitucional nº 26, de 2000
Emenda Constitucional nº 27, de 2000
Emenda Constitucional nº 29, de 2000
Emenda Constitucional nº 30, de 2000
Emenda Constitucional nº 31 de 2000
Emenda Constitucional nº 37 de 2002
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc40.htm#art3">Emenda Constitucional nº 40, de 2003</a>
Emenda Constitucional nº 42, de 2003
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm#art1">Emenda Constitucional nº 53, de 2006</a>
Emenda Constitucional nº 58, de 2009
Emenda Constitucional nº 59, de 2009
Emenda Constitucional nº 62, de 2009
Emenda Constitucional nº 64, de 2010
Emenda Constitucional nº 65, de 2010
Emenda Constitucional nº 67, de 2010
Emenda Constitucional nº 68, de 2011
Emenda Constitucional nº 69, de 2012
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc85.htm#art1">Emenda Constitucional nº 83, de 201</a>4
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc85.htm#art1">Emenda Constitucional nº 85, de 2015</a>
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc85.htm#art1">Emenda Constitucional nº 87, de 2015</a>
Emenda Constitucional nº 90, de 2015
Emenda Constitucional nº 93, de 2016
Emenda Constitucional nº 94, de 2016
Emenda Constitucional nº 95, de 2016
Emenda Constitucional nº 97, de 2017
Emenda Constitucional nº 99, de 2017
Emenda Constitucional nº 102, de 2019
Emenda Constitucional nº 103, de 2019
Emenda Constitucional nº 104, de 2019
Emenda Constitucional nº 106, de 2020
Emenda Constitucional nº 108, de 2020
Emenda Constitucional nº 109, de 2021
Emenda Constitucional nº 113, de 2021
Emenda Constitucional nº 114, de 2021
Emenda Constitucional nº 119, de 2022
Emenda Constitucional nº 120, de 2022
Emenda Constitucional nº 123, de 2022
Emenda Constitucional nº 126, de 2022
<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc127.htm#art2">Emenda Constitucional nº 127, de 2022</a>
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> “Quadro Comparativo PLPs sobre Conselho de Gestão Fiscal”, tal como previsto na LC 101/2000.
<table width="708">
<thead>
<tr>
<td style="width: 636.625px;" colspan="5">
Quadro comparativo PLPs
Conselho Gestão Fiscal
</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 106.203px;">
PLP/Assunto
</td>
<td style="width: 122.234px;">
PLP 36/2021
</td>
<td style="width: 127.234px;">
PLP 220/2020
</td>
<td style="width: 127.234px;">
PLP 143/2015
</td>
<td style="width: 88.2188px;">
PLP 210/2015
 
</td>
</tr>
</thead>
<tbody>
<tr>
<td style="width: 106.703px;">
Ementa
</td>
<td style="width: 123.234px;">
Institui o Conselho de Gestão Financeira da Federação, altera dispositivos da Lei Complementar 101/2.000 e dá outras providências.
</td>
<td style="width: 128.234px;">
Dispõe sobre a composição e a forma de funcionamento do Conselho de Gestão Fiscal, nos termos do art. 67, § 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000
</td>
<td style="width: 128.234px;">
Altera o art. 67 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, para redefinir características do Conselho de Gestão Fiscal com vistas a viabilizar a sua efetiva instalação e funcionamento.
</td>
<td style="width: 88.7188px;">
Altera o art. 67 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, para ampliar as atribuições do Conselho de Gestão Fiscal e viabilizar a instalação e o funcionamento desse Conselho
</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 106.703px;">
Órgãos do Conselho
</td>
<td style="width: 123.234px;">
Conselho Pleno
Comissão Executiva
</td>
<td style="width: 128.234px;">
Órgãos de apoio
Comissão técnica permanente;
Secretaria executiva.
</td>
<td style="width: 128.234px;">
Não cria o Conselho; só altera competências na LRF
</td>
<td style="width: 88.7188px;">
Não cria o Conselho; só altera competências na LRF
</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 106.703px;">
Composição
</td>
<td style="width: 123.234px;">
Pleno: representantes dos entes federados, inclusive Estados (27) e municípios (27). Dos municípios, não necessariamente capitais.
Comissão Executiva: 11 membros (5 dos Estados, regiões; 5 dos Municípios, por regiões; 1 da União)
</td>
<td style="width: 128.234px;">
Representantes de órgãos de controle externo da União, dos Estados, do DF e dos Municípios
Obs.: Sem direito a voto, podem participar como “observadores” no conselho: MP, CNJ, Conselhos de Contabilidade, Economia e Administração.
</td>
<td style="width: 128.234px;">
9 conselheiros
·    Poder Executivo da União (1)
·    Senado (1)
·    Câmara dos Deputados (1)
·    TCU (1)
·    Representantes dos contribuintes (5), estes indicados pelo Pres. da República
</td>
<td style="width: 88.7188px;">
-
</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 106.703px;">
Deliberações
</td>
<td style="width: 123.234px;">
Previsão do princípio majoritário para mesa diretora do pleno. Sem previsão quanto ao pleno.
</td>
<td style="width: 128.234px;">
Por unanimidade
</td>
<td style="width: 128.234px;">
-
</td>
<td style="width: 88.7188px;">
-
</td>
</tr>
</tbody>
</table>
(* tabela parcial)

moeda brasileira real

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JOTA

Não há outro país no mundo que dedique tanto detalhamento às finanças públicas em seus principais atos legislativos

A normatização peculiar das finanças públicas

Lei Complementar 200/2023 institui "regime fiscal sustentável" e encerra limitações sobre finanças públicas da União