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Ouvir e se fazer ouvir: uma missão em construção

A luta por igualdade racial busca várias frentes de atuação

igualdade racial
Crédito: Unsplash

A luta por igualdade racial busca várias frentes de atuação. Assim como existe no processo de fabricação de um produto ou num time de futebol ou mesmo em uma guerra, cada pessoa contribui para o todo dentro daquilo que se sente mais confortável, a partir de suas habilidades, para que o objetivo seja alcançado.

Se o produto passa por quem desenha, quem fornece insumos e quem entrega ao consumidor e no time de futebol há o goleiro, o meia e o lateral, a mesma lógica se aplica a um batalhão em que existem os soldados, os pilotos e os generais.

O que quero dizer com isso?

No campo do combate à discriminação racial, existem várias formas de enxergar o nosso papel, sendo todas elas muito importantes.

E hoje, com este texto, damos continuidade a um projeto de algum tempo. O JOTA topou abrir espaço para que pessoas negras pudessem se tornar produtoras de conteúdo.

A coluna Nós-Outros surge com o espírito de reconhecimento da nossa esfera individual aliada à faceta coletiva, em uma espécie de releitura, adaptação ou inspiração da filosofia Ubuntu, que significa “eu sou porque nós somos”.

Em novembro de 2022, a Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP realizou o Congresso Estadual da Advocacia Negra (Cedan), cujos objetivos eram impactar positivamente a vida das pessoas conscientizando e divulgando profissionais com imenso preparo, mas que sofrem com uma barreira invisível, mas muito sólida, chamada racismo.

Uma das nossas atividades era dar espaço para que pesquisadores pudessem mostrar o seu trabalho, gerando-se oportunidade de realizar a experimentação de um encontro acadêmico.

Naquele dia, foram nove debates. A certeza de que estávamos indo por um bom caminho gerou 15 enunciados do Cedan. Eles têm por objetivo interpretar normas à luz do sistema jurídico antirracista. Os conteúdos construídos foram os seguintes:

1º enunciado: Propagar a história negra transforma entendimentos para a construção de uma sociedade antirracista.

2º enunciado: Considerando a ineficiência da Lei 7.716/1989, entendemos que se faz necessário a exclusão do paragrafo 3º do artigo 140 do Código Penal e alterar o artigo 20 da Lei 7.716/1989 para a seguinte forma: “Artigo 20 – Praticar, induzir ou incitar, individual ou coletivamente, a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

3º enunciado: A interpretação do crime de racismo enquanto gênero deve ser aplicada pela polícia judiciária, de maneira que a imprescritibilidade e a inafiançabilidade constitucional alcancem a efetividade.

4º enunciado: Sempre que ocorrer uma atuação processual que esbarre em assuntos étnico-raciais, cabe aos autores dos processos enviar um ofício à Ordem dos Advogados do Brasil para apurar a responsabilidade ou apresentar parecer. (com base no artigo 28 do Código de Ética da OAB-SP)

5º enunciado: A Ordem dos Advogados do Brasil deve se comprometer a fazer atividades multidisciplinares de resgatar a memória negra e indígena com o objetivo de buscar reparação de todos os prejuízos sofridos pelas populações vulnerabilizadas.

6º enunciado: É necessário buscar a complementação da formação do operador de direito para incluir outras ciências humanas e sociais.

7º enunciado: Que a Ordem dos Advogados do Brasil recomende que as instituições de ensino criem uma cadeira específica a fim de instituir um filtro racial dentro do ordenamento jurídico.

8º enunciado: A Ordem dos Advogados do Brasil deverá, no limite de suas atribuições, fomentar ações de combate à seletividade penal, através de articulação de advogados voluntários ou subsidiários, com iniciativas fiscais e descontos na anuidade da classe, a fim de elevar a aplicação das normas previstas no Código de Processo Penal, à luz da Constituição Federal, a todos, sem distinção de classe ou raça.

9º enunciado: É dever da Ordem dos Advogados do Brasil o oferecimento de cursos de capacitação para a realização constante de círculos restaurativos.

10º enunciado: É dever de todas as instituições que promovem os cursos de mediação, conciliação e justiça restaurativa incluir a perspectiva com ênfase em relações étnico-raciais.

11º enunciado: Recomenda-se que a Ordem dos Advogados do Brasil promova programas para discussão de relações sociais e masculinidade com recorte racial.

12º enunciado: É necessário haver um comprometimento institucional da Ordem dos Advogados do Brasil com a abordagem da perspectiva da inclusão etária nos debates nos quais haja pertinência temática com a matéria, com a inclusão de marcador racial. Sendo obrigatório em eventos de diversidade e inclusão.

13º enunciado: Recomenda-se que a Ordem dos Advogados do Brasil e as instituições do sistema de justiça ofereçam apoio incondicional aos seus usuários idosos no que diz respeito à prestação de seus respectivos serviços.

14º enunciado: Lutar contra o racismo e também descerrar o véu da invisibilidade e apagamento da velhice negra; revertendo os determinantes sociais, econômicos, ambientais, jurídicos e culturais que restringem o direito a envelhecer da população negra.

15º enunciado: Recomenda-se que a Ordem dos Advogados do Brasil fiscalize e atue na implementação de políticas públicas voltadas para o etnodesenvolvimento e no cumprimento da agenda social quilombola, primordialmente no que tange à certificação e titulação do território. Engajando especificamente as comissões temáticas referentes aos direitos de propriedade e territorialidade, quais sejam, a Comissão de Direito Civil e Direito Urbanístico.

Além da ideia de publicizá-los, os debates realizados geraram uma série de trabalhos que serão compartilhados neste espaço no JOTA.

Hoje se inicia mais uma etapa e um flanco nessa empreitada antirracista, construindo um lugar onde negras e negros poderão dialogar com a sociedade e sendo protagonistas na arena pública, fazendo crescer a reflexão e a educação contra a discriminação racial.

Seguir esse caminho passa por fortalecer conexões, o que faz com que a nossa porta se abra para receber textos de toda comunidade negra brasileira que deseje ter sua voz ouvida!

Então, primeiramente, venham fazer parte deste projeto pensado com carinho para estimular o desenvolvimento da nossa intelectualidade e surgimento de novos talentos.

Que todo mundo seja bem-vindo à coluna Nós-Outros e se engaje na construção de uma sociedade mais livre e igualitária.