Opinião e Análise

Luciana Gross Cunha

Vanessa Elias de Oliveira

Fabiana Luci de Oliveira

As recentes divulgações de conversas em redes sociais entre o atual ministro da Justiça e ex-juiz à frente da operação Lava Jato, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol<a href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>, mostram em que medida os integrantes das instituições do sistema de justiça podem se comportar no limite ou à margem do que é esperado por aqueles cujas atividades estão submetidas ao devido processo legal.
Tanto os diálogos entre os responsáveis pela condução de processos judiciais, quanto a necessidade de explicitar as balizas para a atuação dos operadores do direito nas redes sociais<a href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, evidenciam um fenômeno que não é novo, mas que é pouco estudado no Brasil: a existência, o modus operandi, e a influência das redes informais que organizam o sistema de justiça e o funcionamento das suas instituições.
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Se os bacharéis em direito compartilham do mesmo status social e profissional do que podemos chamar de “mundo do direito”, e ocupam cada vez mais espaço na arena pública e na tomada de decisões políticas no país, pouco sabemos sobre as formas em que esse status se reorganiza e se conecta desde os cursos de graduação em direito, passando pelo ambiente de formação e preparação para o ingresso em carreiras públicas das instituições do sistema de justiça, atuação junto a bancas dos escritórios de advocacia, chegando ao comportamento desses atores na atividade jurisdicional do Estado.
Quais são as relações que se formam e se reproduzem a partir de uma área de atuação específica desses profissionais do direito, do pertencimento às carreiras jurídicas, que se profissionalizaram e que desde a redemocratização têm servido de porta-vozes na proteção e garantia dos direitos, por meio do exercício de uma função estatal?
Em que pese a independência e a imparcialidade necessárias para o exercício da prestação jurisdicional, a questão colocada traz à tona um tema pouco debatido pelos campos do Direito e da Ciência Política, que é a discricionariedade e autonomia desse corpo burocrático, fortemente marcado por relações sociais informais que fazem parte da constituição de suas redes profissionais, sobre as quais as instituições democráticas têm pouco controle.
Olhando especificamente para o Supremo Tribunal Federal, em sua organização e atuação, é possível identificar a importância dessas relações desde a chegada ao posto até o processo decisório judicial, passando pela atuação informal dos ministros, em declarações à imprensa ou participação em eventos públicos, por exemplo.
Os integrantes do STF são cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados pelo chefe do Executivo e que, após aprovação pelo Senado, são nomeados ministros. Assim, não passaram necessariamente por um concurso público, mas de alguma forma, foram reconhecidos pela sua contribuição e importância na área, e escolhidos a partir de um processo legítimo e público, previsto pela Constituição Federal (CF 88, art. 101).
Sabe-se que no processo de escolha dos futuros ministros atua uma série de lobbies, incluindo setores políticos, jurídicos e mesmo associações profissionais, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), como foi no caso da escolha do ministro Ricardo Lewandowiski, por exemplo<a href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>. Mas há poucos estudos dedicados a mapear quais são as redes que se articulam nas nomeações de ministros e como elas operam.
Ao serem nomeados ministros, esses profissionais recebem a responsabilidade de participar da prestação jurisdicional do Estado e têm amplos poderes para interferir na agenda de discussão e implementação de políticas públicas. Uma questão a ser respondida é que alcance as redes formais e informais têm para influenciar as decisões judiciais, na expectativa de mantê-las de acordo com as preferências de grupos de interesse específicos. Ou seja, o quanto essas redes podem influenciar quais questões são decididas, quando são decididas e como são decididas.
A preocupação em controlar o poder decisório do STF tem, inclusive, levado congressistas a discutirem projetos de lei que visam limitar as interferências do Poder Judiciário nas competências dos Legislativo e Executivo. Exemplos são o PL 4754/2016, proposto por Sóstenes Cavalcante (PSD/RJ) na 55ª legislatura, incluindo na lei 1079/50 como crime de responsabilidade a usurpação, pelos ministros do STF, de competência do Poder Legislativo; e o PL 1182/2019, proposto por Bia Kicis (PSL/DF), na legislatura atual, que inclui como crime de responsabilidade a instituição de norma abstrata mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica.
Como burocratas, cabe aos ministros do STF compor suas equipes de trabalho em seus gabinetes, incluindo juízes assessores e bacharéis em direito que são nomeados para cargos em comissão, por indicação dos próprios ministros. Sabemos que eles possuem ampla liberdade de escolha de sua equipe, mas desconhecemos como são escolhidos os integrantes dos gabinetes ou quais os critérios utilizados para essa escolha. Identificar relações informais que interferem nessas escolhas, saber quem são os assessores que atuam nos gabinetes do STF e qual o padrão de relacionamento entre ministros e assessores são elementos essenciais para melhor compreendermos os processos decisórios dentro do principal órgão da justiça brasileira.
A ampla autonomia e discricionariedade garantida aos ministros possibilita não apenas variações significativas nos processos de escolha da equipe e na gestão dos gabinetes ministeriais como, também, variações significativas na transparência e publicização dessas estruturas burocráticas. Alguns ministros apresentam na página do STF na internet a composição dos seus gabinetes, outros não<a href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a>.
O que isso significa, do ponto de vista da accountability democrática? É desejável impor regras de transparência e responsividade aos membros dos gabinetes dos ministros do STF?
Outra questão pouco debatida é o custo do Judiciário e, especificamente, da estrutura do STF. Sabemos que o Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. E o custo de funcionamento do gabinete de cada um dos 11 ministros do STF? Qual o valor da estrutura de cargos em comissão que compõem o STF? Sabemos que a maior parte dos juízes auxiliares chega a ganhar mais do que os próprios ministros para quem trabalham, pois acumulam seus salários, vantagens e indenizações, conforme reportagem do JOTA<a href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>. Mas, além destes, os gabinetes contam com os assessores jurídicos. Como são selecionados e qual o custo de corpo burocrático é uma incógnita, pois esses dados não são facilmente encontrados, apresentados ou questionados.
<blockquote class="jota-article__eye">O fato é que a burocracia dos poderes Executivo e Legislativo é mais avaliada e controlada do que a burocracia do Judiciário.</blockquote>
O discurso sobre a independência judicial foi usado para garantir autonomia ampla e irrestrita, livrando a burocracia judicial dos controles democráticos a que estão submetidas as burocracias dos demais poderes de Estado.
Conhecer o perfil desse corpo burocrático, compreender como ele se configura e opera, e identificar os fluxos relacionais nas redes profissionais às quais esses burocratas pertencem são aspectos cruciais no estudo do processo decisório judicial, na medida em que assessores e auxiliares podem atuar como mediadores, coordenadores ou gatekeepers entre diferentes grupos de interesse e os ministros do STF. Esses aspectos delineiam uma nova pauta de pesquisas sobre a qual pretendemos nos debruçar.
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supre

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JOTA

É desejável impor regras de transparência e responsividade aos membros dos gabinetes dos ministros do Supremo?

Redes informais e discricionariedade burocrática no STF

É desejável impor regras de transparência e responsividade aos membros dos gabinetes dos ministros do Supremo?