Opinião e Análise

Fernando Fontainha

João Gabriel Couri

Difícil é a tarefa de lembrar quando um nome de ministro do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/supremo-tribunal-federal">Supremo Tribunal Federal</a> ganhou tanta repercussão quanto o de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/alexandre-de-moraes/page/5?noamp=available">Alexandre de Moraes</a>. Seu mandato à frente do TSE durante a última disputa presidencial, marcado por uma atuação que visava coibir a desinformação durante o processo eleitoral, foi mais um dos capítulos dessa conturbada relação envolvendo o chefe do Poder Executivo, a ideologia dos seus seguidores e Moraes.
Desta vez, a derrubada de canais de militantes no YouTube notadamente ligados à ideologia bolsonarista, bem como direitos de resposta concedidos ao candidato petista ganhador do pleito, serviram de material incendiário para alimentar discursos golpistas pelo lado perdedor.
As raízes desse discurso remontam a ações praticadas anteriormente por membros da elite do sistema de justiça. Seja nos casos de grande repercussão como a ação penal dita do mensalão e no impeachment de Dilma Rousseff, seja no capilar poder geral de cautela. Em 2018, o STF teve papel ativo no processo político ao reafirmar o desprezo ao direito fundamental à presunção de inocência em nome de um suposto combate à impunidade. Com essa decisão, Lula, que havia sido condenado pelo TRF4, foi levado à prisão e enquadrado pela Lei da Ficha Limpa, o que impossibilitou sua candidatura às eleições presidenciais daquele ano.
A retirada do favorito no pleito favoreceu inegavelmente a vitória de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a>. Em 8 de novembro de 2019, o STF retomou o entendimento constitucional da presunção de inocência dos acusados em sede criminal, devolvendo a liberdade a Lula e pavimentando seu retorno ao cenário político. Em 2021, após a anulação das decisões condenatórias que estavam contaminadas pela suspeição do juiz Sergio Moro, Lula teve os seus direitos políticos restituídos.
A prisão, a soltura e o processo eleitoral de 2022 colocam o sistema de justiça brasileiro, mais especificamente o STF, como agente causal fundamental. A conjuntura política desenhada nos últimos anos foi influenciada por decisões judiciais, mas não meramente de efeitos jurídicos. A ideologia cultivada por membros da elite do direito brasileiro, revestida dos atributos de imparcialidade, universalidade, neutralidade e expertise próprias, expressa a ideia de que existe um entendimento justo e correto por parte dessa elite sobre por quais caminhos o processo político deve seguir.
Diante das lutas pelo controle e aplicação desses entendimentos, consequências não intencionais são esperadas. Uma delas é o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes <a href="https://www.jota.info/legislativo/bolsonaro-pede-impeachment-de-moraes-ao-senado-20082021">protocolado em 2021 pelo presidente Bolsonaro</a>, que argumentou que Moraes atuava como “verdadeiro censor da liberdade de expressão, ao interditar o debate de ideia e o respeito à diversidade". A despeito do não avanço deste pedido de impedimento, esta demanda continuou no seu governo ecoando em declarações públicas de Bolsonaro e em protestos com bandeiras “anti-STF”. Pode-se afirmar que a percepção de que o Supremo atua de forma política é uma ideia corrente propagada na vida cotidiana da população, até mesmo na sua parcela não radicalizada.
Nesse sentido, termos como “judicialização da política”, “politização da justiça”, “ativismo judicial", por exemplo, são articulados no discurso político para caracterizar os excessos da atuação do Judiciário nas questões políticas centrais no Brasil. Há, por outro lado, um esforço de construção de ideologias que mobilizam tanto o direito quanto uma base de membros do sistema de justiça.
É o caso do lawfare, que é exposto e se tornou objeto de críticas por um grupo de juristas ligados à defesa de Lula. Segundo eles, haveria um uso político do direito durante a <a href="https://www.jota.info/justica/livro-traca-caminho-institucional-que-desembocou-na-lava-jato-25072022">atuação da Operação Lava Jato</a>, por meio do seu aparato punitivo imbuído de estigmatizar a figura de Lula e seu partido. Por outro lado, é também o caso da ideologia da corrupção sistêmica, que anima fração considerável do sistema de justiça, que paradoxalmente se coloca fora do Estado, este irremediavelmente corrompido por práticas patrimonialistas e ímprobas.
Se a corrupção sistêmica existe, o lawfare também existe, ambos para fora da imaginação jurídico-política dos seus operadores, mas no mundo. Se isso é verdade, e se as crenças se consubstanciaram em atos concretos e ação coletiva, o que vimos foi o combate à corrupção ser usado para fulminar uma coalizão política e mantê-la por um tempo fulminada. O resultado, que claramente escapou do controle dos seus produtores, dentro e fora do sistema de justiça, trouxe como uma das novidades a repulsa pública aos magistrados, no roldão vindo as ideologias antivacina, antigênero, antiurna eletrônica, entre outras.
A virada ideológica e na ação concreta veio meio que como reação ao forte ataque, provavelmente nunca sentido pelo coletivo dos juízes. Atabalhoadamente, pode-se dizer que contribuíram para o fim do governo Bolsonaro e a eleição de Lula. Será esta virada política suficiente para desidratar a ideologia antijustiça já fortemente disseminada? Estará sempre o sistema de justiça neste nível exposto aos calores e humores do mundo da política? Não há uma maneira de administrar esta tensão exercitando a reserva e a prudência, esperada de atores políticos sem voto?
A maneira como o corpo de juristas vai lidar com o bolsonarismo definirá a reconquista da sua credibilidade, considerando que é a única coisa que eles perderam até agora.

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JOTA

Combate à corrupção foi usado para fulminar uma coalizão política e mantê-la por um tempo fulminada

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