Opinião e Análise

Roberto Fragale Filho

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<p>Quando ocorreram as manifestações de junho de 2013, como eu estava residindo fora do Brasil, meus interlocutores pediam­me com insistência uma explicação para o que estava acontecendo no país do futebol. Era a época da Copa das Confederações e, ao invés de celebrar o velho esporte bretão, o povo havia invadido as ruas. Perguntavam­-me como os movimentos sociais haviam conseguido aquele nível de mobilização em um contexto econômico de melhorias sociais com redistribuição (ainda que modesta) da riqueza econômica mediante programas de transferência de renda e, ainda por cima, diante de um governo de esquerda. Como não encontrasse uma explicação razoável, busquei comparações com mobilizações passadas. Pensava especialmente naquele milhão de pessoas na Candelária em 1984 pedindo eleições diretas para presidente e na sua posterior frustração com a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional. Mas, naquela época, por trás do bordão “Eu quero votar para presidente,” havia uma clara demanda, o que não parecia, contudo, existir nas manifestações de junho de 2013.</p>
<p>Diante da minha impotência analítica, debrucei-­me sobre a análise de terceiros. Primeiro, a reação a quente de Werneck Vianna sustentava que a reivindicação, de um lado, por reconhecimento e, de outro lado, por participação política fora o motor das manifestações, cuja amplitude fazia eco a uma forte exclusão dos cidadãos do espaço público. Posteriormente, impressionou­-me a análise fina desenvolvida pelo professor Marcos Nobre consoante a qual, desde os anos 1980, o sistema político construiu uma blindagem, por ele denominada como “peemedebismo”, contra a participação da sociedade, com ela entretendo um relacionamento quase autista, que proporcionou a violenta reação dos “protestos de junho” de 2013. Aliás, era justamente esse distanciamento que explicaria o seu caráter “contra tudo o que se encontra por aqui”.</p>
<p>Entretanto, nos meses seguintes à vitória da Copa das Confederações, a onda de protestos arrefeceu e não voltou a se repetir, ao menos com o mesmo impacto, durante a Copa do Mundo. Era como se o poder de mobilização dos movimentos sociais tivesse desaparecido ou voltado à sua conhecida letargia, movida por pequenos atos e incessantes esforços. Grandes manifestações haviam desaparecido do horizonte quando, no início de fevereiro passado, regressando de São João de Meriti, após uma longa pauta de audiências, ouvi no rádio que o trânsito do Rio de Janeiro havia dado um nó. Perguntei-­me que novidade havia na notícia já que os problemas de mobilidade urbana no balneário carioca são públicos e notórios. Havia, entretanto, algo de inusitado naquele engarrafamento: ele era provocado por uma manifestação dos trabalhadores terceirizados do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que protestavam ao longo da ponte Rio­-Niterói. Entre eles, havia aqueles que, embora dispensados, não receberam suas verbas rescisórias nem tampouco tiveram acesso ao FGTS e ao seguro-­desemprego e alguns outros que, conquanto permanecessem trabalhando, estavam sem receber seus salários há cerca de três meses. A manifestação produziria o caos na cidade e terminaria em frente ao prédio da Petrobrás no Centro do Rio de Janeiro.</p>
<p>Conquanto o destino final dos manifestantes reproduzisse a lógica binária do confronto entre capital e trabalho, dirigindo-­se para o tomador de serviços, a Petrobrás, havia uma dimensão inabitual em sua ação que, por meio de um gigantesco prejuízo à mobilidade urbana, emprestava visibilidade aos seus problemas trabalhistas, que já se encontravam judicializados por conta de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho. Nela, as tentativas de conciliação efetuadas em Itaguaí restaram frustradas e, um mês mais tarde, no início de março, diante de nova tentativa frustrada, dessa vez no Foro Ministro Arnaldo Süssekind, onde estão instalados a administração e o segundo grau da Justiça do Trabalho no Rio de Janeiro, produziu­-se uma inesperada ocupação do prédio pelos trabalhadores. Quase dezesseis anos mais tarde, a construção histórica, que ainda acolhe o Ministério do Trabalho, além da Justiça do Trabalho desde 1972, testemunharia outro tipo de manifestação, completamente distinta daquela que, em março de 1999, resultara em um abraço ao prédio dado por magistrados, servidores, advogados e trabalhadores, quando, no auge da CPI do Judiciário, falava-­se em extinção da Justiça do Trabalho.</p>
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<p>Ora, manifestar diante de um prédio público não é em si nenhuma novidade, pois este tipo de manifestação evoca um diálogo com a instituição simbolizada por meio de sua expressão arquitetônica. O abraço traduz­-se em proteção da mesma forma que o protesto e o uso de palavras de ordem traduzem-­se em reivindicação. Entretanto, a agenda dos ocupantes produzia um não­-diálogo, dessa vez bem mais tenso, cujo sentido não era muito distinto do caos urbano produzido pela marcha na ponte Rio­-Niterói. Em suma, tratava-­se de dar visibilidade à dimensão de seus problemas trabalhistas e, por via de consequência, produzir alguma sensibilização diante de seus dramas familiares hiperbolizados pela falta de pagamento. Ao cabo de algumas tensas horas, a ocupação foi desfeita, sem que, felizmente, nenhuma violência física dela resultasse.</p>
<p>Cinco meses após, é chegado o tempo de fazer um balanço refletindo sobre o impacto da ocupação, que vá além das preocupações com a segurança de magistrados, servidores e usuários da Justiça do Trabalho, cuja importância é, entretanto, inegável. Pode-­se dizer que teria sido ela uma reação à blindagem, não mais do sistema político, como indicado pelo professor Marcos Nobre em sua análise sobre as jornadas de junho de 2013, mas das instituições (em especial, a judiciária lato sensu) diante dos problemas sociais? Esta hipótese não pode ser afastada de imediato, embora careça de uma demonstração robusta. A trajetória da Justiça do Trabalho e a atuação resiliente de seus magistrados talvez seja uma evidência contrária à referida hipótese. Afogados em números, todos continuamos esforçando­-nos para produzir justiça. Ainda assim, minha impressão é que a invisibilidade social dos problemas desses (e de outros) trabalhadores parece não encontrar eco nas instituições em geral e, por via de consequência, transforma-­se em uma espécie de intolerância para com o outro. Essa intolerância não se manifesta apenas em momentos tais como a referida ocupação, mas faz-­se cotidianamente presente nos corredores forenses, nas salas de audiência, na postura de litigantes, no espírito belicoso com que os protagonistas do judiciário (trabalhista) se comportam. Instaura­-se, assim, um perigoso processo de dilapidação da confiança na coisa pública, cujo resultado é a perda da sacralidade das instituições, que passam a serem vistas como espaços privilegiados para obtenção de uma resposta imediata para os problemas de uns e outros ainda que com isso a sua importância para a democracia saia chamuscada. Nesse sentido, a ocupação nada mais seria do que uma hiperbolização do nosso dia­-a-­dia forense.</p>
<p>Enquanto, há dezesseis anos, o abraço ao Foro Ministro Arnaldo Süssekind buscava preservar a instituição, sua ocupação em março passado transformava essa mesma instituição em refém. Nesse intervalo, dissipou-­se sua sacralidade, cuja recuperação não se fará por meio de um saudosismo dos símbolos do passado. Com efeito, construir novos símbolos é o desafio de uma instituição judiciária ainda e sempre em busca de uma identidade própria e que dele não se desincumbirá sem a realização de um esforço de compreensão. Longo é o caminho que resta a percorrer para a construção de uma democracia sadia e, para tanto, romper com a intolerância em face do outro, com sua violência desmedida, deve ser nossa palavra de ordem. É uma ruptura que se faz, certamente, com pequenos e contínuos passos, mas que nos levará, sem dúvida, a um mundo mais democrático e, por via de consequência, melhor.</p>
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Aerial view of Christ the Redeemer Monument and Rio De Janeiro

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JOTA

Breve esforço de compreensão sobre um tribunal invadido

Do abraço à ocupação

Breve esforço de compreensão sobre um tribunal invadido