Opinião e Análise

Roberto Fragale Filho

Houve um tempo em que nossas solidariedades ganhavam concretude pela participação em abaixo-assinados. Ao longo de minha vida, participei de muitos deles, cobrindo um arco amplo e eclético de reivindicações cujo conteúdo podia dizer respeito tanto aos insuportáveis deveres exigidos pelo malévolo professor de química no ensino médio até reivindicações explícitas e contundentes pela realização de eleições diretas para presidente. Eram os anos 80 do século passado. 
Na medida em que não havia internet, petições online ou qualquer outra coisa semelhante, a colheita das assinaturas exigia tempo, além de muita lábia e saliva para convencer o interlocutor quanto à importância da causa em questão. Construir elos de solidariedade exigia um saboroso corpo-a-corpo, cujo resultado era imprevisível e que ganhava contornos de debate acadêmico quando o interlocutor dizia não ao pedido de assinatura.
Com o avanço tecnológico, um universo de possibilidades se abriu para esse tipo de reivindicação e a colheita de milhares de centenas de assinaturas tornou-se uma realidade bastante factível. Com efeito, petições online contra (ou a favor de) reformas legislativas, contra megaempreendimentos governamentais, pela ética na política surgiram em diferentes sítios na internet, ampliando a mobilização em torno dessas reivindicações. Mas surgiram também petições online com demandas mais pontuais (apoio para uma escola em dificuldade, campanha em favor dos animais de um parque temático) e, por vezes, nitidamente individuais (fornecimento de medicamentos). Agora, raramente somos abordados nas ruas para a colheita de uma assinatura, mas somos frequentemente receptores de e-mails solicitando a adesão a uma petição online.
Nas duas últimas semanas, recebi dois pedidos de assinatura de petições online. Por meio do primeiro, enviado por José Emilio Burucúa, um antigo residente do Instituto de Estudos Avançados de Nantes (França) que por lá conhecera, descobri a difícil situação em que se encontra o professor Jorge Machado da Escola de Filosofia da Universidade Central da Venezuela. Responsável nacional de formação do partido de oposição Vontade Popular, ele teria sido preso na noite do dia 19 de maio de 2017 por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) e acusado de organizar e financiar grupos violentos e terroristas em Caracas.
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Diante do frequente encarceramento da oposição venezuelana, é difícil emprestar grande credibilidade à acusação. Na verdade, depois de Santiago Guevara e Sergio Contreras, professores, respectivamente, da Universidade de Carabobo e da Universidade Católica Andrés Bello, Jorge Machado foi o terceiro docente universitário a ser preso após o início em fins de fevereiro de 2017 da atual onda de protestos contra o governo. Na pertinente petição online, os signatários declaravam sua solidariedade e dor diante da situação do professor Jorge Machado, enfatizando que sua prisão significa um atentado contra o inalienável direito dos cidadãos americanos em cultivar a crítica e o pensamento livres. Ora, diante da confiança no interlocutor e de minhas leituras em relação ao cenário político venezuelano, não hesitei em assinar.
No segundo, encaminhado por Brian Iselin, fundador de slavefreetrade, uma organização não governamental que se propõe a auditar cadeias de suprimentos para certificar a inexistência de trabalho escravo em suas correspondentes produções, era-me solicitada a realização de um juramento consoante o qual, em uma conferência pública, eu me comprometo a não participar em um painel de duas ou mais pessoas, salvo se houver pelo menos uma mulher entre os seus participantes, sem incluir, naturalmente, seu presidente ou coordenador. Na <a href="http://www.owen.org/pledge">página eletrônica</a> para realização do juramento, via-se uma impactante fotografia retratando um painel havido na Cimeira Mundial das Mulheres realizada em Paris em junho de 2014 cujos seis participantes eram todos homens, CEOs masculinos, devidamente vestidos com ternos de tons escuros e gravata. Em princípio, a foto valia mais que palavras, mas nada é tão simples assim e pode-se encontrar um bom e sério debate em torno da referida imagem na internet (<a href="http://www.globewomen.org/ENewsletter/Issue%20No.%20CCXIX,%20June%2027,%202014.html">confira-se o item IV do Newsletter Globe Women</a> e o <a href="http://www.slate.com/blogs/xx_factor/2014/06/16/global_summit_of_women_all_male_panel_it_s_important_not_sexist_for_men.html">post realizado por Amanda Hess</a>).
Na verdade, tratava-se do painel "Redefining the Marketplace: The Business Case for Gender Equality” (“Redefinindo o mercado de trabalho: o caso pela igualdade de gênero no mundo dos negócios”), cujo objetivo seria expor publicamente e demandar accountability em relação a políticas de afirmação de gênero das companhias dirigidas por esses mesmos CEOs. Em outras palavras, retirada de contexto, a foto dizia algo que não era o que se propunha dizer originalmente. Não hesitei, contudo, em assinar e assim tornar-me o 1.227º signatário do juramento.
Curiosamente, o pedido encaminhado por Brian deu-se de forma quase simultânea à publicação no blog #AgoraÉQueSãoElas da postagem <a href="http://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2017/06/05/machismo-na-academia/">“Machismo na Academia”</a>, assinada por Angela Donaggio, Catarina Barbieri, Eloísa Machado, Luciana Ramos, Marta Machado, todas professoras na FGV Direito SP. Além de trazer desconcertantes dados, indicando a existência de um teto de vidro na advocacia privada, onde a prevalência de mulheres em início e meio de carreira em oito dos nove maiores escritórios do Brasil resulta em uma surpreendente participação média de apenas 30% delas na condição de sócia, e na magistratura paulista, onde a relação parelha entre juízas e juízes no ingresso se dissipa diante da proporção de nove desembargadores homens para cada desembargadora mulher, o texto faz conhecer o selo “Congrats, you have an all male panel” e a semelhante iniciativa #NãoTemConversa. Mais ainda, a postagem narrava a reação à crítica por elas efetuada ao seminário internacional “<a href="http://movimentoviva.org.br/wp-content/uploads/2017/05/programacao_seminario.pdf">Tributo ao Brasil – A reforma que queremos</a>”, cuja programação estabelecia um monopólio masculino de conferencistas e/ou debatedores. É difícil imaginar que não há aqui algum problema, cujo alcance ultrapassa fronteiras e ratifica a opção em favor do juramento proposto por Brian Iselin.
Mal eu acabara de assinar as duas petições, enquanto ainda redigia esta coluna, mais dois outros pedidos de assinatura chegaram à minha caixa postal. Encaminhados por desconhecidos e tratando de assuntos diversos, com os quais tenho pouca ou nenhuma proximidade, eles sinalizam que estamos afogando em petições online. Mais ainda, eles evidenciam a repaginação de um velho formato de manifestação de solidariedade, cujo impacto não sei estimar, assim como, na verdade, tampouco sabia em relação aos velhos abaixo-assinados. O certo é que as petições online cobram uma tomada de posição instantânea, como parece ser a tônica do mundo virtual, onde mal temos tempo para examinar a complexidade dos assuntos discutidos. No final das contas, sigo assinando algumas e recusando subscrever outras, pois ter uma opinião sobre tudo parece ser a tônica da sociabilidade proporcionada pelo mundo virtual.

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JOTA

Ter uma opinião sobre tudo parece ser a tônica da sociabilidade proporcionada pelo mundo virtual

Afogando em petições online

Ter uma opinião sobre tudo parece ser a tônica da sociabilidade proporcionada pelo mundo virtual