Opinião e Análise

Breno Vasconcelos

Carla Mendes Novo

Maria Raphaela Matthiesen

Como contamos em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/inspertax/ainda-sobre-a-racionalizacao-do-sistema-de-precedentes-vinculantes-29092022">artigo anterior</a> nesta coluna<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, em 6/9/2022 a Comissão de Juristas do Senado Federal aprovou seu Relatório Final com anteprojetos de lei voltados a dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional, posteriormente apresentados como projetos de lei pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Entre eles, o <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/plp-124-2022">PLP 124/2022</a> propõe a edição de lei complementar sobre normas gerais de prevenção de litígios, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária, prevendo alterações no Código Tributário Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ctn">CTN</a>) para a instituição de mediação e arbitragem, e a inclusão de regras sobre consulta fiscal, transação, processo administrativo fiscal, autorregularização e criação de programas de conformidade.
Além desses temas, com a inserção dos artigos 113-A, 194-A e 211-A no CTN, o projeto de lei estabelece um novo marco normativo para o desenho e a instituição de multas tributárias.
Como fundamentado na Exposição de Motivos nº 2/2022/CJADMTR<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o referido “regime jurídico das multas tributárias, até hoje inexistente no ordenamento pátrio” pretende impor limites à atuação das administrações tributárias, alinhando suas diretrizes à observância dos princípios constitucionais do não confisco, da capacidade contributiva e, especial e expressamente, da razoabilidade e da proporcionalidade. Tais diretrizes, inclusive, são há muito determinadas como parâmetro para a imposição de penalidades pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>).
O projeto de lei, ainda, propõe limites quantitativos para a fixação das multas tributárias, bem como a dosimetria para a gradação das penalidades, individualizando-se a conduta concreta do contribuinte e observando, para tanto, critérios como a reincidência e o perfil de conformidade tributária dos contribuintes.
Nesse contexto, com o intuito de contribuir para o debate trataremos de modo mais detalhado das previsões relacionadas ao novo marco normativo das multas tributárias, trazido pelo PLP 124/2022.
<h3>Análise do marco normativo previsto para a aplicação de multas tributárias no PLP</h3>
Diretrizes gerais de aplicação das multas: razoabilidade e proporcionalidade
A definição das sanções tributárias observará o princípio da razoabilidade e manterá relação de proporcionalidade com a infração praticada pelo contribuinte.
Ao estabelecer um vínculo de proporcionalidade e razoabilidade entre a penalidade e a gravidade da infração, o PLP aproxima a aplicação de sanções no sistema brasileiro à lógica incentivada nos modelos de relacionamento cooperativo entre fisco e contribuintes – referidos como Enhanced Relationship pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) –, em que contribuintes devem ser tratados de acordo com seu grau de conformidade e cautela para o adequado cumprimento das obrigações tributárias<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Nesse formato, em nossa análise alinhado ao racional espelhado pelo PLP, contribuintes cooperativos e conformes devem receber tratamento baseado na concessão de incentivos positivos ao cumprimento de suas obrigações, devendo os mecanismos de coerção, representados pela imposição de multas, ser direcionados com mais ênfase aos contribuintes desconformes e que não demonstram interesse em se regularizar.
Limites máximos para a aplicação de penalidades
O artigo 113-A, §§ 1º e 2º, do PLP estabelece que a multa tributária não poderá exceder “o valor do próprio tributo lançado ou do crédito cuja fiscalização tiver sido afetada pela desconformidade ou pelo atraso na prestação das informações pelo” contribuinte, exceto com relação à multa isolada. Além disso, propõe que a majoração de multas com fundamento em dolo, fraude, simulação, sonegação ou conluio será limitada ao dobro do valor da multa originalmente aplicável.
Nos parece que a fixação de tetos para a imposição de penalidades tributárias sugerida pelo PLP busca solucionar algumas das discussões atualmente pendentes no Poder Judiciário sobre sanções tributárias. Apenas para ilustrar a complexidade do tema e a sua recorrência no contencioso tributário, destaca-se estarem pendentes de julgamento pelo STF pelo menos quatro temas de repercussão geral envolvendo multas tributárias, fundadas especialmente na violação ao princípio constitucional do não confisco<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
É de se destacar que, a despeito da boa intenção da norma, a exceção proposta no PLP, a fim de permitir que as multas isoladas sejam aplicadas em valor superior ao do tributo lançado, pode gerar novos embates perante o Judiciário, especialmente ao se considerar que a finalidade precípua das obrigações acessórias, cujo descumprimento acarreta a imposição da penalidade isolada, também é a de garantir a correta satisfação das obrigações tributárias principais pelo contribuinte.
Critérios para a gradação das multas
O PLP propõe que as multas sejam aplicadas em patamares modulados pela autoridade administrativa de acordo com os seguintes critérios:
<ol>
<li>cumprimento de obrigação acessória relacionada à conduta infringida, na hipótese de lançamento da obrigação principal,</li>
<li>readequação das obrigações às normas tributárias entre o início do procedimento fiscal e a lavratura do auto de infração, ausência de dolo, fraude ou simulação,</li>
<li>ausência de reincidência específica,</li>
<li>verificação de bons antecedentes fiscais,</li>
<li>ausência de prejuízo ao Erário em razão da infração praticada, assim entendido como a falta de recolhimento de tributos e valores pecuniários referentes a direitos antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas; e</li>
<li>verificação de erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria fática.</li>
</ol>
As alterações pretendidas condizem com a melhor prática internacional no que diz respeito ao desenho dos sistemas penalidades tributárias e prestigiam princípios constitucionais, notadamente o primado da isonomia.
A despeito da boa intenção da norma, alguns dos critérios eleitos pelo PLP podem ser debatidos no curso do processo legislativo, a fim de evitar futuros litígios quanto à sua interpretação. A título de exemplo, citamos a alínea “e”, que faz referência a bons antecedentes fiscais. A nomenclatura usualmente utilizada na experiência tributária é “conformidade do contribuinte”, de modo que sua substituição pode evitar insegurança quanto à correta interpretação desse critério.
A fim de facilitar a interpretação do dispositivo também é possível estabelecer uma ordem de relevância entre os critérios de gradação, segregando-os entre hipóteses (i) atenuantes, (ii) ensejadoras da majoração da multa e (iii) qualificadoras da penalidade, assim classificadas de acordo com a gravidade da infração e a presença de dolo na conduta do contribuinte.
Por fim, a inclusão da readequação às normas tributárias (alínea “b”) pode ser compatibilizada com o direito do contribuinte de discordar da interpretação conferida à legislação tributária pelo fisco (agree to disagree), reforçando a garantia da ampla defesa e do contraditório ao contribuinte.
Com relação à definição dos bons antecedentes fiscais, citamos a potencial alteração superveniente no curso do processo legislativo, a fim de que sejam incorporadas ao dispositivo as iniciativas existentes e em construção para a criação de programas de conformidade fiscal, a exemplo do Confia RFB, do Nos Conformes (São Paulo) e do Pai D’Égua (Ceará), aproximando os critérios para a aferição dos bons antecedentes às melhores práticas identificadas na experiência internacional e nos relatórios da OCDE<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, como o diálogo proativo e tempestivo com o fisco, e a transparência com relação às operações tributáveis.
Definição de reincidência específica
Conforme a redação proposta para o artigo 211-A, §3º, a reincidência específica é caracterizada pela “prática de nova infração de um mesmo dispositivo, ou de disposição idêntica, da legislação do mesmo tributo”.
A previsão de reincidência é inovadora em matéria tributária e, portanto, traz grandes desafios. A definição proposta no PLP, embora alinhada de modo geral à prática penal, pode ser aprimorada para considerar também algumas especificidades das relações jurídicas tributárias, como os potenciais desdobramentos da prática de um mesmo ato em competências subsequentes.
Esse é o caso, exemplificativamente, do aproveitamento fiscal do ágio com reflexos na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em diferentes exercícios.
Ademais, o termo “infração” permite a interpretação de que qualquer descumprimento de obrigação tributária, principal ou acessória, poderá ensejar a reincidência, independentemente de se tratar de condutas dolosas ou não, comissivas ou omissivas.
Considerando especialmente o cenário de alta complexidade e insegurança que caracteriza nosso sistema tributário, essa amplitude poderá acarretar a aplicação indevida e desproporcional da reincidência, que será potencialmente alegada diante de qualquer falha incorrida pelo contribuinte no cumprimento de suas obrigações.
Exceções à gradação das multas
O PLP prevê que sejam excetuados das previsões de gradação das multas o responsável tributário ou devedor contumaz, frente aos quais a multa não será reduzida, graduada ou afastada.
Especificamente no que diz respeito ao responsável tributário, a exceção parece desconsiderar a multiplicidade de situações em que a responsabilização pode ser suscitada, apurada e, ou, deferida, conferindo tratamento uniforme a todos os casos previstos entre os artigos 121 e 137 do CTN. Em prestígio à isonomia, e considerando a complexidade do sistema e a intenção da norma desenhada pela Subcomissão, nos parece que seria mais adequado adotar para os casos de responsabilização tributária a mesma lógica estabelecida ao contribuinte principal, criando escalas de penalização de acordo com a gravidade da infração e o grau de zelo adotados para evitar sua ocorrência.
<h3>Conclusão</h3>
Ao trazer uma nova lógica à imposição de sanções tributárias, alinhada às boas práticas internacionais e atenta à adoção do paradigma do serviço pelas Administrações nacionais, o PLP 124/2022 propõe um modelo moderno e positivo ao ordenamento brasileiro, expressando o cuidado da Comissão de Juristas com a adoção das melhores técnicas no processo de elaboração dos anteprojetos, sempre pautada por debates plurais entre seus membros e pela participação da sociedade por meio de audiências e consultas públicas.
Essa é a tônica que deverá permear também as discussões durante a tramitação legislativa dos projetos, na construção de um modelo mais racional e eficiente para imposição de sanções tributárias.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Artigo "Ainda sobre a racionalização do sistema de precedentes vinculantes", de autoria de Breno Vasconcelos e João Victor Emile Andrade Safieh.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Disponível em: <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9199119&amp;ts=1663791322598&amp;disposition=inline">https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9199119&amp;ts=1663791322598&amp;disposition=inline</a>, acessado em 26/10/2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> A título de exemplo, confira-se: Accordingly, some of these tools and techniques will need to be service offerings, meeting the needs of taxpayers and tax intermediaries. Others need to be designed to respond directly to the challenges posed by highrisk behaviour, deterring challenges to the tax system and ensuring non-compliant behaviour is identified and subject to appropriate penalties. Such tools are necessary for the integrity of the tax system as a whole, providing reassurance to the majority of lower-risk taxpayers and tax intermediaries that revenue bodies are capable of responding appropriately and effectively to risk. In: Co-operative Compliance: A Framework. From Enhanced Relationship to Co-operative Compliance, disponível em: <a href="https://www.oecd.org/publications/co-operative-compliance-a-framework-9789264200852-en.htm">https://www.oecd.org/publications/co-operative-compliance-a-framework-9789264200852-en.htm</a>, acessado em 26/10/2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> A exemplo do RE 640.452, do RE 882.461 e do RE nº 1.335.293.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Nesse sentido, confira-se: <a href="https://www.jota.info/especiais/ideias-para-um-cadastro-positivo-de-contribuintes-27112018">https://www.jota.info/especiais/ideias-para-um-cadastro-positivo-de-contribuintes-27112018</a>.

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JOTA

Análise do PLP 124/2022, fruto dos trabalhos da Comissão de Juristas do Senado

Um novo marco normativo para a imposição de multas tributárias

PLP 124/2022 propõe um modelo moderno e positivo ao ordenamento brasileiro, mais racional e eficiente na imposição de multas tributárias