Opinião e Análise

Maria Raphaela Matthiesen

Breno Vasconcelos

Leonardo Alvim

Ao traçar a linha do tempo da história da riqueza no país<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, Jorge Caldeira descreve os esforços que começaram a ser implementados após as eleições de 1994 para domar os métodos arbitrários e poderes excepcionais do governo federal. Como conta o autor, era fundamental, naquele momento, recolher os demônios da dívida pública.
Entre as ações previstas para esse saneamento, foi editada a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-responsabilidade-fiscal">Lei de Responsabilidade Fiscal</a> (LRF), que integrava o conjunto de medidas instituídas pelo Programa de Estabilidade Fiscal (PEF) com a finalidade de reduzir o déficit público e estabilizar a dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).
A LRF foi desenhada com forte apelo à transparência, identificada pela experiência internacional como um dos instrumentos mais eficazes para a disciplina fiscal<a href="#_ftn2" name="_ftnref3">[2]</a>. Como narram os documentos que resgatam o trâmite legislativo de seu Projeto de Lei originário, o tratamento dispensado a essa matéria visa consagrar, no plano legal, os princípios da divulgação e acesso amplos a informações confiáveis, abrangentes, atualizadas e comparáveis sobre as contas públicas nos três níveis de governo, incluindo os objetivos e metas da política fiscal, as projeções que balizam os orçamentos públicos.
Nesse contexto, o artigo 4º da LRF direcionava as medidas para a melhoria da gestão fiscal e do planejamento orçamentário à elaboração de dois Anexos: o de Metas Fiscais (§1º e §2º) e a outro, o de Riscos Fiscais, voltado a propor medidas em relação a riscos fiscais, assim entendidos os passivos contingentes e outros capazes de afetar as contas públicas (§3º)<a href="#_ftn3" name="_ftnref4">[3]</a>.
Divulgado pela primeira vez em 2003, na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.707.htm">Lei 10.707</a>, o Anexo passou a ser integrado por temas tributários apenas com a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11178.htm">Lei 11.178/2005</a>, tratado entre os riscos específicos<a href="#_ftn4" name="_ftnref5">[4]</a> no item relativo às demandas judiciais contra a União, com estimativas elaboradas pela Receita Federal do Brasil (RFB)<a href="#_ftn5" name="_ftnref6">[5]</a>.
Ao longo dos últimos 17 anos, os dados sobre o impacto fiscal das demandas judiciais tributárias têm ganhado destaque, tendo sido utilizados inclusive como fundamento em decisões de mérito e debates sobre modulação de efeitos no Poder Judiciário<a href="#_ftn6" name="_ftnref7">[6]</a>.
Sob a perspectiva da transparência ampla e da garantia de previsibilidade ao orçamento, contudo, os objetivos que motivaram a criação do Anexo ainda não foram totalmente alcançados.
A título de exemplo, entre 2008 e 2020 o tema “PIS e COFINS. Base de cálculo, inclusão do ICMS” (Tema 69 da repercussão geral) foi apontado no Anexo como risco fiscal estimado em R$ 250 bilhões. Em resposta fornecida a pedido de acesso à informação, em 2017, a RFB esclareceu que tal valor foi apurado pela presunção de que o ICMS representa 9,57% do valor do PIS/Cofins. Este percentual foi aplicado aos valores da arrecadação total do PIS/Cofins (excluindo-se as instituições financeiras). 
Ocorre que, a respeito desse percentual de 9,57%, o órgão afirmou não ter recuperado nenhum dado que pudesse esclarecer sobre ‘a metodologia empregada pelos pareceristas na elaboração da referida Nota nº 001, de 2008<a href="#_ftn7" name="_ftnref8">[7]</a>, que embasava a estimativa de impacto do tema no orçamento público.
Apenas em 2018 a forma de cálculo foi revista, passando a RFB a adotar nova metodologia para a apuração da estimativa de risco fiscal.
O exemplo não é isolado.
No Anexo que acompanha a mais recente LDO publicada (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14194.htm">Lei 14.194/2021</a>), dos 39 temas listados entre as ações tributárias com risco possível no STF e no STJ, 19 não contavam com estimativa de impacto disponível para consulta<a href="#_ftn8" name="_ftnref9">[8]</a>.
As informações prestadas para dois assuntos listados no Anexo chamam ainda mais a atenção: os valores apontados nas estimativas de impacto relativas aos Temas 684<a href="#_ftn9" name="_ftnref10">[9]</a> (R$ 19,4 bilhões) e 756<a href="#_ftn10" name="_ftnref11">[10] </a>(R$ 472,7 bilhões) da repercussão geral foram obtidos com base em metodologia “em fase de apuração” pela RFB, a quem cabe a elaboração das estimativas.
Além disso, com relação ao tema 736<a href="#_ftn11" name="_ftnref12">[11]</a> (R$ 3,7 bilhões), a resposta ao pedido de acesso à informação se limita a informar que a “Estimativa não foi realizada pelo CETAD”, apesar de o tema constar no Anexo de Riscos Fiscais desde 2018, com a edição da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13473.htm">Lei 13.473/2017</a>. Para o 1108<a href="#_ftn12" name="_ftnref13">[12]</a> (R$ 4 bilhões) da repercussão geral, a Nota SIC registra somente que Não consta histórico desta apuração no CETAD.
Embora a elaboração do Anexo já tenha passado por mudanças positivas<a href="#_ftn13" name="_ftnref14">[13]</a>, os exemplos citados mostram que o cálculo das estimativas de risco das demandas judiciais tributárias ainda requer atenção e melhorias.
O Anexo de Riscos Fiscais da LDO é importante instrumento não só para a projeção do equilíbrio orçamentário de longo prazo, mas também para o exercício pleno da cidadania, permitindo à sociedade o escrutínio dos dados e formas de cálculo utilizados na construção do orçamento.
A necessidade de tornar pública a metodologia utilizada na apuração dos riscos estimados, aliás, é reconhecida pelo próprio texto introdutório do Anexo, que inclui entre os objetivos buscados na elaboração do documento a explicitação dos critérios utilizados para a mensuração dos riscos e para a construção de projeções<a href="#_ftn14" name="_ftnref15">[14]</a>.
Além disso, dada a escassez, a concretização do risco estimado pode levar, em última análise, à frustração de execução de políticas públicas. Em um país com tantas carências, o assunto transcende a tecnicidade contábil-fiscal e se transforma em premissa fundamental para a realização de valores constitucionais.
Assim, o cumprimento da LRF, com a elaboração de cálculos embasados em metodologia transparente e confiável para todas ações judiciais, é necessário para se permitir o controle social e evitar surpresas à União e aos administrados.
Com esse norte, ao longo do ano as estimativas de risco divulgadas no Anexo para as demandas judiciais tributárias serão submetidas a análise na linha de pesquisa dedicada à avaliação da transparência e confiabilidade do Anexo de Riscos Fiscais da LDO do Núcleo de Tributação do Insper. As conclusões obtidas no estudo serão publicadas e ofertadas ao debate público, para a formulação de propostas de melhoria na elaboração do Anexo.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil – Cinco Séculos de Costumes e Governos. Rio de Janeiro: Ed. Estação Brasil, 2017, pág. 591.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> Trâmite do projeto de lei acessível em: <a href="https://drive.google.com/drive/folders/1t8h5XZADltI98wLayiZ8kQMLJMjaCc00">https://drive.google.com/drive/folders/1t8h5XZADltI98wLayiZ8kQMLJMjaCc00</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn4">[3]</a> Trâmite do projeto de lei acessível em: <a href="https://drive.google.com/drive/folders/1t8h5XZADltI98wLayiZ8kQMLJMjaCc00">https://drive.google.com/drive/folders/1t8h5XZADltI98wLayiZ8kQMLJMjaCc00</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn5">[4]</a> O anexo de riscos fiscais aborda riscos gerais (macroeconômicos) e riscos específicos, entre os quais estão os decorrentes de demandas judiciais, que dizem respeito aos ativos e aos passivos contingentes do governo e se relacionam a eventos que ocorrem de maneira irregular (conforme descrição constante no anexo que acompanha a Lei nº 14.194/21.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn6">[5]</a> Além disso, desde 2015 a classificação de risco das demandas judiciais informadas no Anexo, assim como as demais informações reportadas sobre o tema, seguem os critérios estabelecidos pela Portaria AGU nº 40/2015.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn7">[6]</a> Nesse sentido, em 2017 a União formulou pedido de modulação de efeitos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 574.706/PR, sobre o fundamento de que o aproveitamento retroativo da decisão pelos contribuintes acarretaria prejuízo estimado em R$250,3 bilhões, afetando o equilíbrio orçamentário e financeiro. Os potenciais impactos financeiros de decisões proferidas pelo STF também foram debatidos, exemplificativamente, nos RE 556.664, RE 500.17, RE 559.937.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn8">[7]</a> Parecer nº 257/2017 - Pedido de acesso à informação nº 16853005661201787.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn9">[8]</a> Limitação a 20 salários mínimos na apuração da base de cálculo de contribuições a terceiros; COFINS/PIS. Importação. Exigência de lei complementar para a disciplina de PIS e COFINS sobre a importação. Lei nº  10.865/2004; IOF. Fato gerador. Incidência nos contratos de mútuo onde não participem instituições financeiras. Factoring. Artigo 13 da Lei nº 9.779/99; IRPJ. Demonstrações financeiras. Correção monetária. Julho e agosto de 1994. Constitucionalidade. Art. 38 da Lei 8880/94; IRPJ. Contratos de Swap para fins de Hedge. Resultados financeiros. Art 5º, Lei 9779/99. Antigo RE 596286; Imunidade. Imposto Importação. Caracterização de atividade filantrópica executada a luz de preceitos religiosos (ensino, caridade e divulgação dogmática) com assistência social; Imposto de importação. Comércio internacional. Direitos Antidumping. Retroatividade. Diversidade de estágios da operação de importação; IPI. Princípio da Seletividade. Aplicação de alíquota mais favorável à operação de industrialização de embalagens restrita às indústrias alimentícias; IPI. Incidência. Bacalhau: processo de alteração de sua apresentação natural; Crédito presumido de IPI na base de cálculo do PIS e da COFINS; Contribuição Previdenciária. Cooperativas. LC 84/96, artigo 1º, inciso II. Alegação de cobrança de alíquotas superiores às das empresas em geral; CSL e IRPJ sobre rendimentos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável e superávits das entidades fechadas de previdência complementar. Ausência de finalidade lucrativa; Constitucionalidade da expressão "de forma não cumulativa" constante no caput do art. 20 da Lei 8212/1991, o qual prevê a sistemática de cálculo da contribuição previdenciária devida pelo segurado empregado e pelo trabalhador avulso; Incidência de Imposto de Renda sobre os depósitos bancários considerados como omissão de receita ou de rendimento, em face da previsão contida no art. 42 da Lei 9.430/1996; Possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e do COFINS dos valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal; Incidência do Imposto de renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a taxa Selic (juros de mora e correção monetária) recebida pelo contribuinte na repetição do indébito; Possibilidade de desoneração de Estrangeiro com residência permanente no Brasil em relação às taxas cobradas para o processo de regularização migratória; Constitucionalidade da inclusão dos expurgos inflacionários na correção monetária incidente sobre valores depositados em juízo; Alcance da imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, em relação a suportes materiais importados e produzidos fora do Brasil que contenham obras musicais de artistas brasileiros; e Limitação a 20 (vinte) salários mínimos na apuração da base de cálculo de contribuições a terceiros.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn10">[9]</a> RE 659.412 - PIS E COFINS. Incidência sobre as receitas decorrentes da locação de bens móveis.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn11">[10]</a> RE 841.979 - PIS e COFINS. Validade de critérios de aplicação da não-cumulatividade.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn12">[11]</a> RE nº 796.939 - Multa por indeferimento administrativo de pedidos de ressarcimento, compensação e restituição. Discussão sobre a aplicação das multas de 50% dos §§ 1 5 e 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, na redação que lhes foi conferida pelo art. 62 da Lei nº 12.249/2010, em caso de indeferimento de pedidos de ressarcimento de compensação já efetuados (ou que venham a ser efetuados), ressalvando-se a possibilidade da incidência de multa em caso de má-fé do contribuinte.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn13">[12]</a> RE 1.285.177 - Aplicabilidade do princípio da anterioridade geral (anual ou de exercício) em face das reduções de benefícios fiscais previstos no Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn14">[13]</a> A exemplo da indicação dos recurso especiais e extraordinários vinculados ao tema e da segregação, quando possível, da estimativa correspondente aos 5 anos que precedem a elaboração do Anexo e ao  impacto anual estimado.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn15">[14] </a>Disponível em <a href="https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38983">https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38983</a>, acessado em 10/05/2022, pág. 7.

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JOTA

Documento permite à sociedade o escrutínio dos dados e formas de cálculo usados na construção do orçamento

Transparência e confiabilidade do Anexo de Riscos Fiscais da LDO

Anexo de Riscos Fiscais da LDO permite à sociedade o escrutínio dos dados e formas de cálculo usados na construção do orçamento