Opinião e Análise

Larissa Luzia Longo

No último dia 6, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou o <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/reforma-tributaria-texto-final-e-entregue-com-proposta-de-iva-duplo-veja-integra-07062023">relatório da reforma tributária</a> ao Grupo de Trabalho (GT) da Câmara dos Deputados. Coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), o grupo foi criado por Arthur Lira (PP-AL) em fevereiro, com o objetivo de analisar e debater a <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45/2019</a>, escolhida como veículo para reformar o sistema tributário.
O relatório<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> apresenta os consensos alcançados pelo GT e indica diretrizes a serem seguidas pelo substitutivo que o deputado Aguinaldo, também relator da PEC 45, deve apresentar para votação no plenário da Câmara na primeira semana de julho.
O GT analisou as principais propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional – notadamente, PEC 45<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, Emenda 178/2019<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> (Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável), PEC 7/2020<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, PEC 110/2019<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e PEC 46/2022 (Simplifica Já)<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> – e reuniu uma série de recomendações a serem adotadas pelo texto que será votado.
<h3>O que está sendo proposto?</h3>
As diretrizes adotadas pelo grupo se alinham bastante ao que já vinha sendo proposto pela PEC 45 e pela PEC 110, em especial, em suas últimas versões, respectivamente, o substitutivo apresentado à Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária em 12/5/2021 e o substitutivo apresentado à CCJ do Senado em 16/3/2023.
O texto defende a substituição dos cinco atuais tributos incidentes sobre o consumo (a contribuição ao PIS, a Cofins e o IPI, de competência federal, o ICMS, de competência estadual, e o ISS, de competência municipal) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pelo Imposto Seletivo (IS) – imposto especial que possui a finalidade de desestimular o consumo de determinados bens ou serviços.
O IBS seguirá o modelo de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), adotado em mais de 160 países do mundo<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, dada sua elevada capacidade de arrecadação e neutralidade econômica.
O IVA é coletado das empresas ao longo da cadeia de produção e comercialização de bens e serviços, mas é o consumidor final que arca com seu ônus econômico. Como o imposto incidente nas etapas anteriores gera um crédito para as empresas nas etapas posteriores, independentemente do modo de organização das empresas ou da caracterização dos insumos como bens ou serviços, o IVA é neutro, ou seja, não afeta as decisões de negócio e não provoca distorções concorrenciais.
As diretrizes delimitadas pelo relatório coincidem com as melhores práticas internacionais no âmbito do IVA. Recomenda a adoção de base ampla de incidência, para alcance de toda a base do consumo, independentemente de classificação como bens, materiais ou imateriais, ou serviços, de forma a eliminar as disputas, cumulatividade e inseguranças hoje existentes pela segregação da base entre bens (ICMS) e serviços (ISS) ou entre industrialização (IPI) e prestação de serviço (ISS), por exemplo.
O texto defende a cobrança por fora, ou seja, que o valor do IBS não integre sua própria base de cálculo, viabilizando a transparência fiscal, diferentemente do que se pratica hoje no âmbito do ICMS e do ISS. Também orienta a cobrança do IBS no destino, para que a tributação ocorra de acordo com a alíquota do local em que o bem ou o serviço for consumido, para evitar a guerra fiscal, hoje perpetuada pelo ICMS, e assegurar a não-incidência do imposto sobre as exportações.
<h3>Não cumulatividade</h3>
Outro aspecto basilar do IVA explicitado pelo GT é a não cumulatividade plena, justamente o que garante a neutralidade do imposto. Assim como a PEC 110, o texto recomenda a garantia do aproveitamento de créditos de todo o IBS cobrado na aquisição de bens e serviços utilizados como insumos da atividade produtiva (o chamado crédito financeiro), independentemente do efetivo recolhimento do imposto pelo fornecedor aos cofres públicas – exigência que era prevista na PEC 45.
Segundo o relatório, a vinculação do crédito ao recolhimento pode ser contemplada a partir da previsão de instituição do split payment, mecanismo que possibilita a divisão automática entre o pagamento devido ao fornecedor e o imposto incidente nas transações comerciais, o que também já era planejado nas PECs.
É destacado no texto que a devolução dos créditos acumulados deve ser feita o mais rapidamente possível, sendo explicitamente razoável o prazo máximo de 60 dias – já estipulado na justificativa da redação original da PEC 45.
<h3>IVA dual</h3>
Assim como na PEC 110, o GT recomenda a adoção do modelo de IVA dual, com um tributo de competência da União e outro partilhado pelos estados, Distrito Federal e municípios.
Embora o texto reconheça que um IVA único, de competência nacional, como o da PEC 45, tenha a capacidade maior de simplificação, a versão dual é preferida em razão do maior consenso político. O grupo pondera, no entanto, que a viabilidade do modelo depende que o desenho constitucional dos dois tributos seja o mais harmônico possível.
<h3>Conselho Federativo</h3>
Em relação ao IVA de competência subnacional, o relatório esclarece que não haverá prevalência de um ente sobre o outro. A gestão do imposto será compartilhada por meio de um Conselho Federativo, órgão integrador, comandado pelos estados, Distrito Federal e municípios, que regulamentará e arrecadará o IBS, além de distribuir as receitas arrecadadas aos entes e harmonizar a fiscalização compartilhada do imposto.
A diretriz proposta é que o substitutivo, assim como a PEC 110, conceda independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira ao Conselho Federativo e que suas decisões sejam tomadas a partir de votos distribuídos de forma paritária entre estados, Distrito Federal e municípios.
<h3>Transição</h3>
O relatório não define prazo de transição para o novo modelo, mas estipula que, para adaptação das empresas, a alteração seja feita ao longo de alguns anos e possibilita a migração mais rápida da contribuição ao PIS e da Cofins para o IBS, seguida da mudança gradual dos outros tributos, como também previam a PEC 45 e a PEC 110.
O texto propõe transição mais lenta para os entes federativos, sendo possibilitada a compensação financeira dos entes que eventualmente perderem receitas no início do novo modelo, com a transição da tributação para o destino – o que, novamente, já vinha sido defendido pela PEC 45 e pela PEC 110.
Outro aspecto relevante, reforçado pelo GT, é a vedação ao aumento de carga tributária. Afinal, a reforma não tem o propósito de alterar a carga incidente sobre o consumo, mas o de racionalizar, simplificar e tornar a tributação eficiente, para atrair investimentos e gerar empregos. Ainda assim, estima-se que a proposta é capaz de reduzir a tributação paga por 90% da população brasileira, aumentando um pouco o que os 10% mais ricos pagam<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
<h3>Tributação do patrimônio</h3>
Embora não seja o objetivo principal da reforma, o relatório aproveita as modificações no sistema tributário constitucional e recomenda também ajustes em tributos incidentes sobre o patrimônio, como pretende a PEC 110. São sugeridas alterações (i) no IPVA, para prever incidência sobre veículos aquáticos e aéreos particulares e instituir progressividade em razão do impacto ambiental do veículo, (ii) no ITCMD, para prever progressividade em razão do valor da transmissão, e (iii) no IPTU, para autorizar atualização da base de cálculo do imposto por meio de decreto, a partir de critérios gerais previstos em lei municipal.
O trabalho do GT consolidou muito bem o amadurecimento dos, pelo menos, últimos quatro anos de debates sobre a reforma da tributação do consumo e demonstrou, como bem expresso no relatório, um vasto repertório de “conhecimento acumulado nos últimos anos” – afinal, desde maio de 2019, o Congresso Nacional promoveu 74 eventos públicos sobre o tema, ouvindo 287 participantes, entre palestrantes e debatedores.
O novo texto segue as evidências recomendadas pelas vastas experiência e literatura internacionais em matéria de IVA e representa um importante passo para desatar os nós do emaranhado sistema tributário brasileiro. É claro que ainda há alguns detalhamentos que precisarão ser feitos no substitutivo ou até mesmo na legislação infraconstitucional, mas o cenário é animador e muito condizente com a evolução da discussão sobre a PEC 45 e a PEC 110.
As diretrizes propostas pelo GT continuarão sendo analisadas nesta <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/inspertax">coluna InsperTax</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Câmara dos Deputados. Relatório do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater a PEC 45/2019. Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2285113">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2285113</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Representada pelo substitutivo elaborado pela Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária. Disponível em: <a href="https://legis.senado.leg.br/comissoes/arquivos?ap=6335&amp;codcol=2334">https://legis.senado.leg.br/comissoes/arquivos?ap=6335&amp;codcol=2334</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Câmara dos Deputados. Emenda Substitutiva Global 178/2019, apresentada à PEC 45/2019. Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1815822&amp;filename=EMC%20178/2019%20PEC04519%20=%3E%20PEC%2045/2019">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1815822&amp;filename=EMC%20178/2019%20PEC04519%20=%3E%20PEC%2045/2019</a>.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Câmara dos Deputados. PEC 7/2020. Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1862900&amp;filename=PEC%207/2020">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1862900&amp;filename=PEC%207/2020</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Senado Federal. PEC 110/2019 (substitutivo apresentado em 16/03/2022). Disponível em: <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9090455&amp;ts=1686844115934&amp;disposition=inline&amp;_gl=1*cf6g9r*_ga*MTczNTkzNzc5Mi4xNjQyOTkwNDEz*_ga_CW3ZH25XMK*MTY4Njg1Mzg4NC4yNi4wLjE2ODY4NTM4ODQuMC4wLjA">https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9090455&amp;ts=1686844115934&amp;disposition=inline&amp;_gl=1*cf6g9r*_ga*MTczNTkzNzc5Mi4xNjQyOTkwNDEz*_ga_CW3ZH25XMK*MTY4Njg1Mzg4NC4yNi4wLjE2ODY4NTM4ODQuMC4wLjA</a>.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Senado Federal. PEC 46/2022. Disponível em: <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9232853&amp;ts=1674175994140&amp;disposition=inline&amp;_gl=1*43wu9y*_ga*MTczNTkzNzc5Mi4xNjQyOTkwNDEz*_ga_CW3ZH25XMK*MTY4Njg1Mzg4NC4yNi4xLjE2ODY4NTM5MzAuMC4wLjA">https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9232853&amp;ts=1674175994140&amp;disposition=inline&amp;_gl=1*43wu9y*_ga*MTczNTkzNzc5Mi4xNjQyOTkwNDEz*_ga_CW3ZH25XMK*MTY4Njg1Mzg4NC4yNi4xLjE2ODY4NTM5MzAuMC4wLjA</a>.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Dado computado até novembro de 2018, segundo estudo da OCDE. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/consumption-tax-trends-2018_ctt-2018-en#page195.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Orair, Rodrigo Octávio; Gobetti, Sérgio Wulff. IPEA. Texto para Discussão 2530 – Reforma Tributária e Federalismo Fiscal: Uma Análise das Propostas de Criação de um Novo Imposto Sobre o Valor Adicionado Para o Brasil, 2019. Disponível em: <a href="https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/sites/observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/files/u49/td_2530.pdf">https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/sites/observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/files/u49/td_2530.pdf</a>.

antonio cruz congresso

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Novo relatório da reforma tributária consolida o amadurecimento dos últimos 4 anos de debates no Congresso

GT da Câmara dá importante passo rumo ao aperfeiçoamento do sistema tributário

Novo relatório da reforma tributária consolida o amadurecimento dos últimos 4 anos de debates no Congresso