Opinião e Análise

Carla Mendes Novo

João Victor Emile Andrade Safieh

Leonardo de Andrade Rezende Alvim

Lorreine Messias

Maria Raphaela Matthiesen

Como relatado em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/inspertax/os-caminhos-para-racionalizacao-do-contencioso-tributario-brasileiro-em-debate-26052022">texto anterior</a> desta coluna, no dia 13 de maio o Núcleo de Tributação do Insper realizou o seminário “Contencioso Tributário no Brasil: Como torná-los mais Racional?”. Entre os tópicos discutidos, debateu-se o modelo de execução fiscal no Brasil; os especialistas presentes buscaram, a partir de evidências empíricas e dados, tecer hipóteses sobre o quadro brasileiro e formular recomendações para aproximá-lo dos padrões internacionais. Em paralelo, enfatizou-se a dívida ativa como uma importante estatística fiscal, uma vez que parcela dela, considerada recuperável, pode corresponder a recursos financeiros futuros para a União.
Na construção de um diagnóstico para o modelo de execução fiscal, observou-se a evolução do estoque de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/divida-ativa-da-uniao">dívida ativa da União</a> (DAU), em valor, comparativamente à evolução da carga tributária do governo central e do PIB nominal. Consta-se que o estoque de dívida ativa da União cresceu muito acima das demais séries analisadas e que essa diferença se aprofundou nos últimos anos.
Os fatores que conduziram a essa diferença serão investigados a seguir, a título de hipótese. Vale lembrar que conclusões mais robustas sobre os fatores requerem estudos aprofundados, inclusive econométricos, que vão além do escopo deste texto. Ainda assim, diante do problema posto, é possível elencar possíveis condicionantes, bem como medidas e experiências exitosas que poderiam ajudar a racionalizar o modelo de execução fiscal brasileiro e, por consequência, reduzir o ritmo de crescimento do estoque da DAU.
Figura 1: Evolução da DAU comparativamente à carga tributária e PIB nominal (em número-índice, 2012=100)
[caption id="attachment_377266" align="aligncenter" width="1144"]<img class="wp-image-377266 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/06/captura-de-tela-2022-06-23-as-11-34-55.png" alt="" width="1144" height="572" /> Fontes: IBGE, PGFN e STN[/caption]
O descolamento entre as séries observadas ocorreu sobretudo a partir de 2015-16, período de forte contração econômica. Como se sabe, é típico de recessões o crescimento das taxas de inadimplência. Em paralelo, observa-se que houve uma queda na taxa de recuperação do estoque da dívida ativa da União nesse mesmo período.
Segundo dados da PGFN, a taxa média de recuperação no triênio 2013-15 foi de 2,1%, ao passo que, entre 2019 a 2021, foi de apenas 1% na média. Como os anos de 2020 e 2021 apresentam ruídos estatísticos severos para a maioria das séries macroeconômicas e fiscais (em função da pandemia), por rigor estatístico, pode-se desconsiderá-los. Ainda assim, ao se ater ao triênio 2017-19 constata-se uma média próxima a 1% (1,1%).
Figura 2: Taxa de recuperação da DAU
[caption id="attachment_377268" align="aligncenter" width="1107"]<img class="wp-image-377268 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/06/captura-de-tela-2022-06-23-as-11-36-50.png" alt="" width="1107" height="640" /> Fonte: PGFN[/caption]
Para uma melhor análise em termos fiscais, o estoque da dívida ativa deveria ser ajustado de modo a contemplar apenas aquela parcela da dívida que tem alguma chance de ser recuperada. Contudo, não dispomos de dados da DAU classificados anteriores a 2018. Ao se observar apenas o período disponível, 2018 a 2021, conta-se que a taxa média de recuperação foi de cerca de 3%.
De modo a reforçar essa constatação, o relatório "Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro", produzido pelo CNJ em parceria com o Insper<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, identificou dados que demonstram baixos índices de garantia do débito em execução fiscal.
Figura 3: Taxa de recuperação para a DAU classificada como “A” e “B”
[caption id="attachment_377272" align="aligncenter" width="1186"]<img class="wp-image-377272 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/06/captura-de-tela-2022-06-23-as-11-38-41.png" alt="" width="1186" height="709" /> Fonte: PGFN[/caption]
Por outro lado, neste mesmo período, a PGFN aumentou seu protagonismo em várias medidas administrativas, relacionadas à recuperação de crédito tributário, como o ajuizamento seletivo em função do valor do crédito tributário, da pesquisa de bens prévia e condicional ao ajuizamento de execuções fiscais, o protesto de CDA, o redirecionamento administrativo de bens, a concentração de esforços em grandes devedores e a regulamentação do instituto da transação tributária, como ficou claro no Diagnóstico de Contencioso Tributário. Por isso, causa estranhamento que o estoque de créditos inscritos em DAU continue aumentando tanto, o que exige a realização de novas pesquisas para tratar o problema.
Como ponto de partida, parece-nos que outras hipóteses, com sub-hipóteses decorrentes, precisam ser investigadas.
A primeira delas é que o aumento do estoque de créditos inscritos em DAU decorra do aumento de créditos encaminhados pela Receita Federal para inscrição pela PGFN. Isso pode ter ocorrido por pedidos de contribuintes que desejam transacionar créditos tributários, pelo aumento do número de apresentação de apólices de seguro-garantia para garantia de créditos ainda não inscritos em DAU e/ou pelo aumento da inadimplência de tributos por ocasião da ocorrência dos fatos geradores anos antes do ato de inscrição em DAU.
A segunda hipótese é que o aumento do estoque tenha ocorrido em função da redução da capacidade da PGFN de execução forçada. Esta hipótese, embora contraintuitiva, como afirmado anteriormente, em decorrência das elogiáveis medidas que vêm sendo tomadas pela PGFN recentemente, pode ter ocorrido em função da adoção de alguma medida especificamente, como o uso do protesto judicial de CDA ou pelas moratórias concedidas pela União, durante a pandemia da Covid-19. É possível também que a transação tributária, que vem aumentando sua importância a cada dia, tenha alterado o fluxo de pagamento. Explica-se. É que talvez alguns contribuintes tenham obtido diferimento de pagamento, direito a prestações balão, uso de precatórios ou outras pactuações que tenham aumentado o número de créditos regularizados, mas, por ora, reduzido o número de créditos extintos por pagamento.
Seja como for, é preciso acompanhar, com atenção, este crescimento do estoque da DAU. Compreender suas causas e apontar caminhos para melhoria das políticas públicas é função primordial de pesquisas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1] </a>A pesquisa e o relatório divulgados no Diagnóstico foram elaborados em conjunto com os pesquisadores Breno Ferreira Martins Vasconcelos, Daniel Santiago, Danilo Carlotti, Larissa Longo, Luciana Yeung, e com a fundamental contribuição de Vanessa Rahal Canado, a quem agradecemos nominalmente. O Diagnóstico está disponível em: <a href="https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf">https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf</a>, acessado em 22/06/2022.

nota

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JOTA

Estoque cresceu muito acima das demais séries analisadas e diferença se aprofundou nos últimos anos

Aspectos da trajetória da dívida ativa da União

Estoque de dívida ativa da União cresceu muito acima das demais séries analisadas e essa diferença se aprofundou nos últimos anos