Opinião e Análise

Silvia Fagá de Almeida

Anna Olimpia de Moura Leite

Gabriel da Silva Takahashi

Especialmente nos últimos dois anos, no Brasil vem intensificando o interesse em discutir a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/regulacao-das-plataformas">regulação das plataformas</a> digitais, tópico proeminente no direito e na economia há pelo menos cinco anos na Europa e nos Estados Unidos, com casos antitruste e iniciativas regulatórias.
Especificamente no que se refere às questões concorrenciais, acadêmicos e profissionais destacaram preocupações sobre a capacidade das ferramentas antitruste tradicionais de lidar com os desafios colocados por essas plataformas. Em resposta, autoridades regulatórias como a Comissão Europeia e a CMA (Autoridade de Concorrência e Mercados) avançaram em novos marcos regulatórios envolvendo plataformas digitais.
No Brasil, tal discussão regulatória ganhou força com a introdução do <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2337417">PL 2768/2022</a> e tem se intensificado notadamente em 2024, com a Tomada de Subsídios do Ministério da Fazenda para avaliar a necessidade de uma regulação dedicada às plataformas digitais.
Mais de 300 partes interessadas, incluindo o Cade (autoridade antitruste), think tanks, associações e empresas participaram do processo. Há elevada expectativa sobre o resultado desta iniciativa da Fazenda, que deve representar um passo bastante importante no debate mais qualificado, uma vez que conta com equipe especializada e dedicada para processar as contribuições. De forma geral, as contribuições lançam luz nas limitações das estruturas regulatórias em discussão, considerando benchmarks internacionais, e sem uma avaliação das características domésticas.
O diagnóstico da necessidade de um novo arcabouço regulatório varia entre jurisdições, portanto, é crucial realizar uma avaliação local antes de decidir sobre o modelo mais adequado. As abordagens desenvolvidas pela Comissão Europeia com o o Digital Markets Act (DMA) e a CMA com o Digital Markets Competition and Consumers Bill (DMCC Bill) foram referências para aqueles que defendem uma regulação ex-ante das plataformas digitais. De fato, ambas as autoridades realizaram investigações detalhadas dos casos antitruste relacionados às plataformas digitais em suas jurisdições e cada uma propôs uma regulação diferente.
O DMA adota uma abordagem rule-based, visando a equidade e a contestabilidade nas plataformas digitais, enquanto o DMCC Bill oferece um framework mais flexível, baseado em princípios. Seu objetivo é o comércio justo, escolhas abertas e transparência e confiança.
A Alemanha adotou uma solução diferente em 2021, considerando as especificidades jurídicas e realidade econômica. A Lei de Concorrência Alemã (GWB) foi alterada para introduzir a Seção 19a, que permite à autoridade antitruste intervir em empresas com "significância primordial para a concorrência entre mercados", mesmo que não possuam uma posição dominante. A Seção 19a visa manter "mercados abertos, promover a inovação e proteger a escolha do consumidor".
Ao contrário da União Europeia, que estabelece um padrão mais rígido, com obrigações específicas para os designados, a Seção 19a oferece uma abordagem mais flexível, caso a caso. O modelo europeu mira exclusivamente às empresas online consideradas "gatekeepers", caracterização que depende de critérios quantitativos e qualitativos.
Embora ofereça maior flexibilidade para lidar com os desafios em evolução colocados pelas plataformas digitais, a eficácia da Seção 19a é limitada pelo DMA. Já a regulamentação do CMA, que tem maior flexibilidade de enforcement, desde a saída do Reino Unido da UE, em 2020, optou por uma definição menos objetiva e introduziu o conceito de "status de mercado estratégico" (SMS), definido como "poder de mercado substancial e consolidado" (com base em uma avaliação prospectiva de um período de pelo menos cinco anos) e uma posição de "significância estratégica" na prestação de um serviço online ou de um ou mais conteúdos digitais. Esses diferentes modelos têm sido considerados como referência no Brasil.
Por aqui, o Cade emitiu sua opinião formal sobre a regulação de plataformas digitais em maio de 2024, como parte da consulta pública da Fazenda. Os resultados dessa consulta, esperados para o segundo semestre deste ano, poderão ser importante referência para a futura direção da regulação de plataformas digitais no Brasil.
A opinião da autoridade concorrencial que defendeu um modelo regulatório ex-ante para plataformas digitais que complementaria a Lei 12.529/2011 provavelmente terá especial relevância no debate. O Conselho reconhece que a doutrina antitruste atual é pautada no conceito de bem-estar do consumidor e a regulamentação proposta deve permitir escopo mais amplo e, por isso, uma regulação ex-ante exigirá uma reformulação da política de concorrência.
O Cade também concluiu que a intervenção regulatória deve promover a concorrência e  que não há um modelo único de regulação ex-ante para plataformas digitais.
Apesar das abordagens regulatórias diversificadas, uma característica comum é a participação das autoridades antitruste no arcabouço regulatório. Embora o PL 2768 inicialmente sugerisse um papel para a Anatel, as contribuições para a consulta aberta da Fazenda têm inclinado a responsabilidade para a agência antitruste.
O Cade também defende seu papel como protagonista pela aplicação da regulação das plataformas digitais, citando sua expertise em concorrência digital, supervisão intersetorial e engajamento internacional. A agência destaca seu histórico na análise de questões concorrenciais dentro da economia digital, seu amplo alcance setorial e suas relações estabelecidas com autoridades globais de concorrência como qualificações importantes para esse papel.
Além disso, uma característica comum entre as jurisdições é o objetivo de promover a contestabilidade nos mercados afetados, embora seu significado e como será aplicado permaneçam em debate. Crémer et al. (2023), ao discutir esse termo no contexto do DMA, forneceram uma análise desse conceito, definindo contestabilidade como a capacidade de empresas não dominantes superarem barreiras de entrada no mercado e expandirem-se para beneficiar os consumidores. Os autores também destacaram o papel desempenhado pela concorrência potencial em restringir efetivamente o poder de mercado.
Embora a contestabilidade seja um objetivo crucial, esse conceito também pode ser considerado para identificar com precisão as plataformas que representam desafios competitivos significativos. No arcabouço brasileiro e considerando a contestabilidade conforme definida por Crémer et al. (2023), mostraremos brevemente a necessidade de uma avaliação aprofundada.
O comportamento do consumidor, incluindo as tendências de multihoming, desempenha um papel significativo na modelagem das dinâmicas de mercado. É sabido que os brasileiros são usuários intensos de serviços digitais. Segundo uma pesquisa do Cetic de 2023 aproximadamente 84%, são usuários de internet. Esses usuários engajam-se ativamente em atividades online, com 74% assistindo a vídeos, 58% realizando buscas de produtos e 54% gerenciando transações financeiras.
Como resultado, o Brasil possui um ecossistema digital diversificado, com plataformas abrangendo vários setores. Um estudo da LCA identificou 252 plataformas em 24 setores que seriam impactadas pelo PL 2768. A rápida proliferação de plataformas digitais em setores que vão do setor da saúde ao transporte aponta para a necessidade de uma abordagem regulatória diferenciada. Isso exige entender as dinâmicas intrincadas dentro de cada setor, incluindo a interação entre negócios tradicionais e digitais.
Tendo em mente que há a possibilidade desta iniciativa da Fazenda resultar em avanços relevantes na direção da implementação de uma regulação ex-ante e assimétrica das plataformas digitais, vale atentar para pontos importantes.
No caso de uma regulação assimétrica, a primeira diretriz é identificar o alvo, ou seja, os critérios para designação dos agentes a serem regulados. Como mencionado, a discussão sobre as plataformas a serem reguladas pode envolver diferentes critérios, mais ou menos rigorosos.
Sendo uma regulação ex-ante, também se mostra importante atentar para os limites que serão estabelecidos para a atuação das plataformas alvo da intervenção. As regras podem ser menos rigorosas, focando na inversão do ônus da prova, colocando o regulado na posição de comprovar que determinada estratégia não implica prejuízo. Alternativamente, a regulação pode ser mais rígida, estabelecendo proibições a priori, impedindo que determinadas estratégias sejam adotadas pelos regulados.
Tais pontos são centrais para o desenho institucional envolvendo a regulação, uma vez que regras mais flexíveis ou mais rigorosas implicam maior ou menor discricionariedade para o regulador. Também são elementos que contribuem na avaliação da Agência mais capacitada para a sua aplicação.
E todos esses elementos dependem da questão central: quais são as preocupações que se pretende remediar com a possível nova regulação. Sem a clareza do diagnóstico, o remédio não será eficaz.
Tais pontos de atenção ganham complexidade diante da dificuldade de se transferir para a realidade doméstica as referências internacionais. O diversificado ecossistema digital do Brasil, caracterizado pela coexistência de negócios tradicionais e digitais, dificultam muito a tarefa de identificar plataformas com poder de mercado significativo e quais seriam estratégias eficazes para promover a contestabilidade, caso a intervenção se mostre necessária.
A consulta pública do Ministério da Fazenda é uma excelente iniciativa nesse sentido, mas ainda representa o início de uma discussão mais profunda. Em especial, se mostra crucial a elaboração de análise de impacto regulatório, trazendo mais evidência empírica para o debate. Há, portanto, importantes pesquisas a serem feitas para discutir e desenvolver um possível arcabouço regulatório de plataformas digitais no Brasil.

regulação das plataformas

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JOTA

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