Opinião e Análise

Ticiana Lima

Jéssica Costa

Após a aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020 pelo Senado, no último dia 10 de dezembro, a Nova Lei de Licitações está na iminência de se tornar uma realidade, pendente apenas a sanção presidencial. Caso aprovada, ainda que com vetos, a Lei certamente terá impacto sobre as contratações com a Administração Pública, afetando uma série de normas e políticas públicas a elas conexas, sejam elas de direito administrativo, penal, entre outros.
A política de defesa da concorrência, nesse sentido, é particularmente afetada por inovações da Nova Lei. Afinal, o combate a cartéis em licitações públicas tem sido prioridade para a autoridade concorrencial no Brasil há bastante tempo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
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Esses impactos da Nova Lei vão desde questões mais pontuais como as levantadas pela criação de uma nova modalidade de licitação, com riscos e problemas específicos do ponto de vista da concorrência, até questões mais macro, como aquelas de potencial impacto na articulação da atuação do Cade com outros entes estatais.
No primeiro caso, tem-se que a nova modalidade de licitação, o diálogo competitivo, precisa ser regulamentada com bastante cautela, para não criar incentivos para a prática de condutas anticompetitivas.
Nessa linha, em se tratando de modalidade em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, é preciso garantir, por exemplo, que tais diálogos não criem oportunidades para encontros entre concorrentes.
Além disso, deve haver cuidado com a divulgação de informações de modo discriminatório que possa implicar vantagem para algum licitante (art. 32, § 1º, inciso III) e com a disponibilização do áudio das reuniões com os licitantes pré-selecionados (art. 32, §1º, inciso VI e VIII), para evitar a publicização desnecessária de informações concorrencialmente sensíveis.
Vale lembrar que a modalidade do diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração vise a contratar objeto que envolva inovação tecnológica ou técnica, adaptação das soluções disponíveis no mercado ou a impossibilidade de definição precisa das especificações técnicas do objeto, dentre outras condições (art. 32, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”).
<blockquote class="jota-article__eye">Logo, uma infração à ordem econômica, diante dessas circunstâncias, tem o claro potencial de prejudicar o desenvolvimento de soluções, serviços e produtos de melhor qualidade tanto para o erário quanto para o contribuinte.</blockquote>
No segundo caso, tem-se que o art. 158 prevê a apuração conjunta de atos previstos como infrações na nova Lei de Licitações e que também sejam tipificados como lesivos na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846), o que pode levar à implementação do instrumento do balcão único para as negociações de Acordos de Leniência.
Apesar de se tratar de proposta amplamente discutida no Brasil e no mundo, dado que, conforme reconhecido pelo próprio Parecer do Relator do PL nº 4.253, o senador Antonio Anastasia, a multiplicidade de órgãos de controle tem gerado significativa insegurança jurídica para a celebração de acordos de leniência, o impacto de sua aplicação na articulação da atuação do Cade com outros entes estatais, sem a devida regulamentação, pode ter efeito contrário ao pretendido e criar desincentivos à celebração dos acordos.
A política de combate a cartéis, no Brasil, tem como pilar central o Programa de Leniência do Cade. O sucesso do Programa após alterações incorporadas na Lei nº 12.529 levou à extensão da imunidade decorrente da celebração do acordo à casos de cartel em licitação investigados sob a antiga Lei de Licitações, o que se mantém com a Nova Lei, e demais condutas criminais relacionadas à prática de cartel.
De igual maneira, diante dos êxitos obtidos, foram assinados múltiplos acordos de cooperação com diversas autoridades responsáveis pela persecução penal e promotorias a nível Federal e Estadual, sobretudo no contexto da Operação Lava-Jato.
Ou seja, há tempos já há iniciativa do Cade em ampliar seus esforços para solidificar a cooperação com outras instituições para a negociação desses acordos. O que ainda não há é uma clareza quanto aos termos e regras que serão observados quanto à apuração e julgamento das infrações administrativas dessa natureza.
Nesse sentido, a Nova Lei é vaga quanto à forma como se dará esse processo de apuração e julgamento conjunto, se limitando a dizer que esses atos administrativos deverão ser conduzidos “nos mesmos autos, observados o rito procedimental e a autoridade competente definidos na referida Lei”.
Além de criar insegurança jurídica para as empresas sobre sua imunidade na esfera administrativa e penal, a falta de regras claras para essas negociações conjuntas pode levar à protelação na celebração dos acordos de leniência.
Dito isso, para além dessas questões que exigirão uma regulamentação criteriosa do ponto de vista da garantia da livre concorrência, certamente o maior desafio que a Nova Lei de Licitações coloca diante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) diz respeito a uma questão de caráter mais fundamental que é a ênfase da Nova Lei em transparência, o que parece ser um eixo central de grande parte das inovações propostas.
A questão aqui é menos uma de inovação legislativa e mais de consolidação de uma tendência com impactos ainda pouco conhecidos na política antitruste em tempos de tecnologia da informação. Afinal, não é novidade que as informações relacionadas a licitações são historicamente publicizadas e que alterações no sentido de aumentar a transparência dos processos licitatórios estão em voga há algum tempo fundamentadas em princípios democráticos e republicanos.
A questão é que a transparência é um fator que também facilita a formação de conluios e o monitoramento dos acordos anticompetitivos pelos agentes de mercado e que desenvolvimentos tecnológicos recentes têm colocado essa questão em torno do acesso a informações de mercado em um novo patamar.
A Nova Lei segue essa tendência ao propor a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP ou Portal – art. 174 da referida lei). O PNCP será um sítio eletrônico destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela Lei e à realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos.
Dentre outras funcionalidades, o PNCP oferecerá um sistema de registro cadastral unificado de licitantes, bem como disponibilizará painel para consulta de preços, banco de preços em saúde e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas, assim como aos planos de contratação anual dos entes da Administração.
Ora, o fato de que informações comerciais estarão disponíveis em meio online exige ainda mais cuidado com as consequências do uso do Portal, pois algoritmos e outras ferramentas similares podem ser utilizados na análise dos dados do mercado disponibilizados como estratégia para promover acordos entre concorrentes, de maneira mais velada e de difícil detecção, ou mesmo tacitamente.
Assim, no que pese haver justificativas razoáveis para a tendência de maior transparência e publicidade com relação às contratações da Administração Pública, é preciso que a política de defesa da concorrência seja capaz de acompanhar essa evolução e de desenvolver mecanismos capazes de lidar com os efeitos negativos que podem advir da centralização das informações sobre as licitações e contratações em uma única plataforma.
Sem isso, de pouco adiantará a incorporação expressa do princípio da competitividade no rol de princípios da licitação e da garantia de justa competição como objetivo do processo licitatório.
O Cade tem dado indicativos de que está apto a enfrentar essa tarefa. A autoridade tem um projeto de monitoramento chamado “Cérebro”, desenvolvido a partir de 2013, que permite a automação dos meios de análise anteriormente realizados por servidores do Cade.
A plataforma permite a integração de bases de dados de compras públicas e a aplicação de filtros econômicos para identificar indícios de cartel com base em dados relacionados a preço margens de custo e outras variáveis, e avaliar a probabilidade de conluio. Trata-se de um recurso importante que deverá ser mais explorado no novo cenário que se desenha.
Além disso, iniciativas como o já premiado<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Guia de Combate a Cartéis em Licitação seguem importantes na medida em que ajudam a própria administração pública a desenhar editais que garantam mais concorrência.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> OCDE (2019), Revisão por Pares da OCDE sobre Legislação e Política de Concorrência: Brasil. Disponível em: &lt;<a href="http://www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-2019.htm">http://www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-2019.htm</a>&gt;. Acesso em 28 de dezembro de 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Em 2020, a autoridade venceu premiação internacional de “Best Soft Law – Concerted Practices” e “Best Soft Law – Readers’ Choice”.

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JOTA

Caso aprovada, ainda que com vetos, Lei certamente terá impacto sobre as contratações com Administração Pública

Nova Lei de Licitações: o que muda para a defesa da concorrência?

Caso aprovada, ainda que com vetos, Lei certamente terá impacto sobre as contratações com Administração Pública