Opinião e Análise

Ana Valeria Fernandes

Arthur Sadami

A agenda concorrencial brasileira em 2023 será marcada por desafios em diversas frentes. Do ponto de vista legislativo, alguns temas merecem destaque. A entrada em vigor da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14470.htm">Lei 14.470/2022</a>, que busca incentivar as ações de reparação de danos concorrenciais ao prever pagamento de indenização em dobro para empresas condenadas por cartel, será testada. A recente mudança legislativa tem como objetivo aumentar o volume de ações perante o Judiciário, mas ainda será preciso verificar se isso de fato ocorrerá.
Outro importante tema que poderá ter um desfecho em 2023 é a aprovação do <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2214043">Projeto de Lei 4323-A/2019</a>, que visa alterar a Lei 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência) com o intuito de modificar os critérios de elegibilidade dos Conselheiros do Tribunal do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cade">Cade</a> e sua composição. Em dezembro de 2022, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ccj">CCJ</a>) da Câmara dos Deputados aprovou o PL, e, posteriormente, houve a apresentação de Recurso contra a tramitação conclusiva. O projeto estabelece a redução do número de integrantes do Tribunal, dos atuais sete Conselheiros para cinco, além de dispor que os nomes indicados tenham formação acadêmica compatível com o cargo — os critérios atuais de nomeação são notório saber jurídico e econômico e reputação ilibada.
Adicionalmente, a fim de evitar que ocorra a suspensão das Sessões de Julgamento do Cade por falta de quórum de instalação e deliberação — como ocorrido em 2019 —, o novo texto determina, em linha com o que já ocorre em agências reguladoras, que, no caso de vacância, o cargo de Conselheiro será ocupado provisoriamente por um servidor da autoridade de nível hierárquico de direção ou chefia, escolhido pelo Presidente da República a partir de uma lista tríplice indicada pelo Tribunal Administrativo do Cade. Por fim, o texto propõe que o mandato do Superintendente-Geral seja equiparado ao atual mandato dos Conselheiros e do Presidente — isto é, de quatro anos, sem recondução.
O direcionamento e a estabilidade da autarquia durante períodos complexos e turbulentos dependem da coesão e unicidade do colegiado, que será significantemente alterado no ano de 2023. Entre outubro e novembro, quatro Conselheiros do Tribunal Administrativo (Lenisa Prado, Sérgio Ravagnani, Luis Braido, e Luiz Hoffmann) encerrarão seus mandatos abrindo espaço para novas nomeações do Presidente da República, a serem sabatinadas pelo Senado Federal. Em um contexto de troca de gestão na chefia do Executivo Federal, a nomeação de novos integrantes à autoridade concorrencial pode representar um redirecionamento de seu enforcement. Note-se que a própria aprovação do Projeto de Lei 4323-A/2019 pode impactar diretamente a renovação dos quadros do Tribunal Administrativo do Cade — mitigando os efeitos de novas indicações, dado que apenas dois novos nomes passariam a integrar a autoridade.
Ainda, apesar de não ser novo o debate a respeito da economia digital, o Cade pode ser impactado por um ambiente mais ávido pela regulação de plataformas que parece se desenhar em âmbito nacional. Um exemplo disso é a tramitação do <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2214237&amp;filename=PL+2768/2022">Projeto de Lei 2.768/2022</a>, apresentado em novembro de 2022 pelo deputado federal João Maia (PL/RN) e que visa regular, através da Agência Nacional de Telecomunicações (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anatel">Anatel</a>), as plataformas digitais que oferecem serviços ao público. Alinhado à tendência internacional de regulação das plataformas digitais, o projeto de lei lida com aspectos concorrenciais dos mercados digitais e visa disciplinar o “poder de controle de acesso essencial”, a fim de garantir eficiência econômica, desenvolvimento tecnológico, fomento à inovação e incentivo à interoperabilidade e portabilidade de dados. A iniciativa prevê às plataformas digitais obrigações como dever de transparência e fornecimento de informações à Anatel, tratamento isonômico e não discriminatório na oferta de serviços a usuários, utilização adequada dos dados coletados e proibição de recusa de acesso à plataforma por usuários profissionais.
Note-se, ainda nesse tocante, que houve uma movimentação recente da autoridade concorrencial sobre novos casos em tais mercados. Em 2022, a autarquia instaurou o <a href="https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPEJuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcezNhn4uqGQ95WWISkLKJqNBC_GBBzQvk-fg9fVhhrtd">Inquérito Administrativo nº 08700.002940/2019-76</a>, tendo em vista a <a href="https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=7423107b-b748-4836-b1f0-0f1e73e2534f">confirmação, pelo Tribunal Geral da União Europeia, da condenação do Google</a> no âmbito do caso <a href="https://ec.europa.eu/competition/antitrust/cases/dec_docs/40099/40099_9993_3.pdf">COMP/AT nº 40099 (Google Android)</a>, por práticas anticompetitivas relacionadas ao sistema operacional (Operating System - “OS”) para dispositivos móveis Android.
Em janeiro de 2023 houve a instauração do <a href="https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?1MQnTNkPQ_sX_bghfgNtnzTLgP9Ehbk5UOJvmzyesnbE-Rf6Pd6hBcedDS_xdwMQMK6_PgwPd2GFLljH0OLyFUsJpu5C1ProV1zLrv9dPsgwllnq3_Q7zJg7Cr5_JvAc">Inquérito Administrativo nº 08700.009531/2022-04</a> após o recebimento de representação formulada pelo Mercado Livre em desfavor da Apple, pela suposta prática de abuso de posição dominante no mercado de distribuição de aplicativos para dispositivos com sistema iOS. Isso sem contar os outros casos que versam sobre tais mercados, como as investigações a respeito das práticas do iFood, o recente procedimento preparatório contra a OLX, a investigação sobre supostas condutas de Google e Facebook no mercado de propaganda online, entre outros. Tudo isso pode representar, em diálogo com as transformações no ambiente regulatório brasileiro, um olhar mais atento da autoridade sobre tais mercados.
Por fim, ainda em aspectos de novos pontos de atenção de enforcement concorrencial, sinalizações recentes de jurisdições estrangeiras em relação a medidas de ESG (sigla para environmental, social and governance) podem reverberar sobre o tratamento do Cade a respeito da temática. Posicionamentos institucionais recentes da Federal Trade Commission (FTC) estadunidense, da Comissão Europeia e da Competition and Markets Authority (CMA) inglesa vêm indicando uma maior atenção ao assunto.
A chairwoman da FTC, Lina Khan, afirmou <a href="https://www.wsj.com/articles/esg-wont-stop-the-ftc-competition-merger-lina-khan-social-economic-promises-court-11671637135">Wall Street Journal</a>, que a adoção de medidas de ESG não implicaria em uma isenção concorrencial a grandes agentes empresariais, em uma barganha com empresas entre a redução de enforcement pela autoridade concorrencial dos EUA por benefícios sociais não relacionados à concorrência. Paralelamente, a Comissão Europeia abriu uma <a href="https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_23_102">consulta pública em 10.01.2023</a> a respeito de uma proposta de guia sobre acordos de sustentabilidade no setor agrícola. Em sentido similar, <a href="https://www.ft.com/content/6513ae6f-2347-409c-9be1-eee673d9447f">a chief executive da CMA, Sarah Cardell, afirmou</a> que a autoridade poderá flexibilizar o monitoramento concorrencial de acordos entre concorrentes destinados à redução de impactos ambientais.
A despeito da multiplicidade de frentes de trabalho sobre as quais a autoridade concorrencial pode se deparar ao longo do presente ano, resta saber como o Cade guiará seus esforços de gestão em 2023 diante desses novos desafios.

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JOTA

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