Opinião e Análise

Anna Binotto

Ticiana Lima

A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm">Lei n° 12.529/2011</a> (Lei de Defesa da Concorrência) estabelece as hipóteses de operações e contratos que precisam ser submetidos à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) previamente à sua concretização. Para além dos critérios de faturamento das partes envolvidas e seus grupos econômicos, a lei estabelece quais negócios jurídicos configuram os chamados “atos de concentração econômica”.
A grande maioria das operações analisadas pelo Cade se enquadra na disposição do art. 90, II da Lei de Defesa da Concorrência, que indica haver um ato de concentração quando “uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas”. Trata-se, na prática, de um comando deliberadamente aberto, que busca englobar diferentes estruturas econômicas e jurídicas de aquisição, total ou parcial, de uma empresa.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>
A Resolução Cade n° 02/2012 disciplina o procedimento de análise de atos de concentração e, especificamente, regulamentou o art. 90 II. No entanto, o fez unicamente em relação às aquisições de participação societária, estando silente sobre outras formas de “aquisição de empresa”, sobretudo a aquisição de ativos.
Na falta de uma definição clara via resolução sobre o tema, a jurisprudência do Cade é a única fonte de orientação para os administrados diante de dúvidas sobre a necessidade de notificar uma aquisição de ativos para análise antitruste. De fato, ao longo dos anos o Cade analisou diversos atos de concentração envolvendo unicamente a aquisição de ativos. Embora muitos desses casos tenham sido considerados atos de concentração e analisados sem grande aprofundamento, por não suscitarem preocupações concorrenciais, em alguns deles a autoridade trouxe considerações mais substanciais sobre as hipóteses em que, de fato, aquisições de ativos tornavam-se relevantes para o controle prévio de estruturas do Cade.
Uma das primeiras ocasiões em que o Cade trouxe essa discussão à tona foi uma operação envolvendo uma aquisição de imóvel pela Companhia Brasileira de Distribuição. Neste caso, a Procuradoria do Cade (ProCade)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> indicou que a aquisição de ativos (no caso, imóveis para implantação de novas unidades produtivas do grupo) poderia ser interpretada como um mecanismo de “crescimento orgânico”, sem possibilidade de afetar a concorrência.
Nos anos subsequentes, entretanto, a jurisprudência desenvolveu-se para considerar que o efeito dos ativos sobre a capacidade produtiva do comprador é central para a identificação de aquisições que devem ser notificadas ao Cade. Nesse sentido, enquanto aquisições de ativos que não guardassem relação com as atividades da adquirente não configurariam um ato de concentração, aquisições de ativos que pudessem agregar capacidade produtiva para o adquirente deveriam ser notificadas ao Cade.
Como exemplo do primeiro grupo de casos, uma decisão relevante se deu na operação entre as farmacêuticas Biomm e Novartis em 2016, envolvendo uma aquisição de ativo imobiliário sem destinação específica.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Neste caso, a SG/Cade decidiu que o imóvel não poderia ser considerado um ativo essencial à atividade econômica da adquirente, tanto por ser não-operacional, quanto por não ter destinação específica. Isso porque o ativo exigiria investimentos específicos para agregar capacidade produtiva e, na prática, poderia ser empregado para qualquer finalidade.
De outro lado, destaca-se a decisão de 2017 da operação entre as concreteiras Polimix e Silcar,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> que envolvia a aquisição de caminhões betoneira que estavam, até o momento, inoperantes. No caso, as partes pediram o não conhecimento da operação, indicando que “caminhões betoneiras, isoladamente, não permitem a atuação de um agente qualquer no mercado de serviços de concretagem, já que um conjunto mais amplo de equipamentos é necessário para realizar essa operação”. No entanto, a SG/Cade decidiu, ao final, que o fato de nunca terem sido utilizados não descaracterizava o fato de que os caminhões eram ativos centrais para a prestação de serviços de concretagem e que, na prática, aumentava a capacidade de produção e distribuição de concreto pela empresa adquirente. Ao mesmo tempo, no entendimento da SG, a aquisição desses ativos de um concorrente, e não, por exemplo, diretamente de um fabricante, alterava a dinâmica concorrencial e capacidade de rivalidade no mercado.
No mesmo sentido, em uma decisão de 2020, a SG/Cade analisou uma aquisição de um ativo imobiliário (um hotel) que não tinha relação com a atividade desenvolvida pelo comprador e decidiu pelo conhecimento do ato de concentração<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Foi central para a decisão o fato de que o ativo contava com estrutura já instalada, sem necessitar de investimentos para torná-lo operacional e, portanto, que o ativo afetava a dinâmica concorrencial do mercado hoteleiro.
Partindo destes e outros casos, seria possível concluir, a princípio, que ativos não operacionais, sem destinação específica, que demandem investimentos substanciais para extrair capacidade produtiva, e que, portanto, não representem um insumo ou infraestrutura central para o seu adquirente, via de regra não seriam atos de concentração de notificação obrigatória ao Cade. No entanto, sempre que os ativos adquiridos possam alterar a capacidade do agente comprador de desenvolver atividades em um dado mercado – mesmo que seja um mercado em que ainda não atua, facilitando sua entrada – e, sobretudo, quando os ativos guardarem relação direta com as atividades do comprador, agregando capacidade produtiva (ou retirando capacidade produtiva de outro agente no mercado), as aquisições deveriam ser submetidas ao Cade.
Essa conclusão, contudo, está longe de esgotar o assunto. Veja-se, por exemplo, que os casos citados acima não deixam exatamente claro qual é o elemento central para a configuração do ato de concentração: seria a relação com a atividade do adquirente? Ou então a necessidade (ou não) de investimentos? Seria a destinação específica, que diferenciaria o ativo de um mero investimento financeiro? Seria o fato de a aquisição ser realizada entre concorrentes?
Essa incerteza pode ser ainda maior em casos em que estes elementos não sejam evidentes. Na prática, há ativos que, em tese, podem agregar “capacidade produtiva” a qualquer atividade econômica. Pensemos no exemplo de imóveis que podem servir para acomodar escritórios, fábricas, centros de distribuição etc. Outro exemplo, que vem ganhando ainda mais proeminência com a digitalização de diversos negócios, é a aquisição de bases de dados, carteiras de informações de clientes, entre outros. Nesses casos, embora, de fato, os ativos possam ser empregados diretamente como fatores de produção que agregam capacidade produtiva em algum nível, não é evidente como estas aquisições se afastariam de um “crescimento orgânico” ou crescimento interno – como primeiro decidiu a ProCade.
Nesse contexto, embora haja diversos casos tangenciando o tema, ainda há muita incerteza em torno da necessidade de notificação de aquisições de ativos ao Cade. Esse cenário indica que o tema poderia ser regulamentado pelo Cade, trazendo maior segurança e transparência aos agentes econômicos.
O momento talvez seja oportuno, não só pelos desafios que se apresentam, como indicamos acima, mas porque o Cade está estudando a possibilidade de atualizar a Resolução Cade n° 02/2012.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Nesse sentido, entendemos que este tema poderia ser incorporado às discussões internas da autoridade, bem como ao debate público sobre o controle de estruturas da política de defesa da concorrência.
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<hr />
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> AC n° 08012.009064/2009-95. APL/Companhia Brasileira de Distribuição. Parecer da ProCade. 03.02.2010.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> AC n° 08700.006524/2016-02. Biomm/Novartis. Parecer da Superintendência-Geral de 18.10.2016.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> AC n° 08700.008315/2016-95. Polimix/Silcar. Parecer da Superintendência-Geral de 13.04.2017.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> AC n° 08700.003501/2020-14. Hankoe/Itaparica. Parecer da Superintendência-Geral de 14.08.2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> A Portaria Cade n° 132, de 20 de março de 2020 instituiu um Grupo de Trabalho com a finalidade de atualização da Resolução nº 2, de 29 de maio de 2012, que disciplina a notificação dos atos de que trata o artigo 88 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que prevê procedimento sumário de análise de atos de concentração e dá outras providências.

cade

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JOTA

Tema poderia ser regulamentado pelo conselho, trazendo maior segurança e transparência aos agentes econômicos

Aquisições de ativos: quando o Cade precisa ser notificado?

Tema da aquisição de ativos poderia ser regulamentado pelo Cade, trazendo maior segurança e transparência aos agentes econômicos