Opinião e Análise

Vinicius Marques de Carvalho

Tilman Kuhn

A parte inicial desse <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/fronteiras-concorrencia-regulacao/sustentabilidade-no-enforcement-antitruste-do-brasil-e-da-uniao-europeia-28012021">artigo</a>, publicada no mês passado, nos levou à conclusão de que o antitruste tem sido cada vez mais pressionado a estar atento a questões que vão além de uma análise estrita do bem-estar do consumidor. Uma dessas preocupações refere-se à sustentabilidade. Neste texto, focaremos na forma como esse tema tem sido abordado pela Comissão Europeia, e em como o Brasil tem enfrentado a questão da sustentabilidade no enforcement antitruste.
A Comissão Europeia e os seus estados membros têm envidado esforços para promover um cenário mais claro no que tange à possibilidade de as empresas celebrarem acordos a fim de perseguir os objetivos do Green Deal. Dentre tais objetivos, as organizações internacionais e supranacionais estabeleceram metas bastante ambiciosas, como tornar a União Europeia neutra em relação à emissão de CO2 até 2050. Para que esses objetivos sejam atingidos, é importante que existam mudanças de paradigma, visto que inúmeras questões relacionadas a padrões de negócios em diversos setores precisam ser adaptadas ou mesmo reinventadas.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
É evidente que as empresas podem, individualmente, perseguir objetivos relacionados à sustentabilidade, mas significativas mudanças sociais dependem de esforços coletivos. Assim, a cooperação entre empresas para a implementação de ações sustentáveis tem sido cada vez mais importante.
As iniciativas para promoção do desenvolvimento sustentável dizem respeito, essencialmente, a três diferentes cenários: (i) “iniciativas de autorregulação” entre empresas para estabelecer um autocontrole do setor, o que normalmente ocorre por meio de troca de informações; (ii) “iniciativas de avanço tecnológico”, nas quais empresas celebram acordos a fim de introduzir uma tecnologia ou sistema em um setor por meio de investimento conjunto; e (iii) “iniciativas de substituição”, que visam efetivamente substituir ou introduzir novos produtos para que seja atingida uma determinada meta de sustentabilidade, como a melhora do bem-estar animal, por exemplo.
O guia da Comissão Europeia que trata de acordos de cooperação horizontal possui um capítulo específico relacionado a acordos ambientais, embora, desde 2011, não seja aperfeiçoado pela Comissão. No guia, há apenas duas referências explícitas a acordos que visam estabelecer metas de sustentabilidade - que são limitadas a questões ambientais e não incluem outras dimensões de sustentabilidade (bem-estar animal, por exemplo) - e se referem a iniciativas relacionadas a padrões de desempenho ou acesso a uma marca de qualidade específica, embora existam outras formas de acordos muito mais eficientes para proteger o meio ambiente.
Em outras palavras, os acordos que visem promover maior sustentabilidade enfrentarão um dilema no qual metas de conformidade mais brandas não serão suficientes para avançar consideravelmente no que tange ao desenvolvimento sustentável, enquanto obrigações rigorosas estabelecidas em comum acordo por empresas poderão ser vistas como restrição à liberdade de escolha e assim constituir violação ao Artigo 101 (1) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Ainda no contexto europeu, a autoridade da concorrência holandesa (Authority for Consumers &amp; Markets) deu um passo importante em relação à divulgação de orientações relacionadas a acordos entre concorrentes que visem o desenvolvimento sustentável. Em julho de 2020, a autoridade publicou uma primeira versão do <a href="https://www.acm.nl/en/publications/draft-guidelines-sustainability-agreements" target="_blank" rel="noopener noreferrer">guia sobre “acordos de sustentabilidade”</a>, contendo diretrizes relacionadas à cooperação entre empresas para promoção do desenvolvimento sustentável.
Vale notar que a Corte de Justiça Europeia (CJE) há anos entende que certas restrições à concorrência podem não violar o TFUE se a conduta tiver como finalidade o interesse público e se os seus efeitos forem “inerentes” e proporcionais à perseguição de tal objetivo. A Corte desenvolveu essa jurisprudência nos casos “<a href="http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=A2376C9A14F1E64351EBFC1E5C337110?text=&amp;amp;docid=44710&amp;amp;pageIndex=0&amp;amp;doclang=EN&amp;amp;mode=lst&amp;amp;dir=&amp;amp;occ=first&amp;amp;part=1&amp;amp;cid=15541329" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Albany</a>” e “<a href="https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A61999CJ0309_SUM" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Wouters</a>”, e confirmou tal entendimento em 2014 no caso “FNV Kunsten”, inclusive declarando explicitamente que a sua jurisprudência em Albany não se limitava a uma lista finita de objetivos específicos de política social.
Independentemente desses precedentes, a CJE estabelece que a interpretação do Artigo 101 do TFUE deve ser feita de forma conjunta e coerente com os demais objetivos estabelecidos nos Tratados da União Europeia. Esses objetivos incluem diversos tópicos relacionados à proteção ao meio ambiente, desenvolvimento sustentável, bem estar dos animais e saúde pública.
A autoridade antitruste brasileira
<blockquote class="jota-article__eye">No Brasil, embora o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) esteja atento às iniciativas realizadas pela Comissão Europeia e pelos seus membros em relação aos temas que envolvem sustentabilidade e acordos ambientais, nenhuma diretriz sobre o tema foi publicada até o momento.</blockquote>
Em geral, o Cade tem analisado operações que suscitam metas de sustentabilidade (como a criação de associações e a celebração de contratos associativos) sob os termos e padrões usuais estabelecidos pela Lei nº 12.529/2011.
Em março de 2014, por exemplo, o Cade aprovou uma operação relacionada à criação do Instituto Jogue Limpo, que tem por objetivo congregar fabricantes e importadoras de óleos lubrificantes que promovem ações voltadas à proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. Na oportunidade, o Cade não apontou eficiências específicas relacionadas à sustentabilidade ambiental como resultado da operação para fundamentar sua decisão de aprovação sem restrições. Mais recentemente, em março de 2018, o Cade teve a oportunidade de analisar a ampliação do escopo desse Instituto, mas afirmou que tal operação não era de notificação obrigatória nos termos da legislação antitruste brasileira, tendo em vista que as empresas que celebraram o contrato não compartilhariam riscos e resultados em decorrência da operação. Mais uma vez, a autoridade não analisou aspectos ambientais específicos relacionados ao acordo de cooperação e analisou a operação sob a perspectiva usualmente adotada pelo antitruste.
Em 2017, o Cade destacou aspectos relevantes que deveriam ser levados em consideração ao analisar a aprovação de uma operação. Após a aprovação da aquisição do controle da Vale Fertilizantes pela The Mosaic Company, o Município de Patrocínio/MG encaminhou notificação ao Cade solicitando a suspensão da aprovação da operação, argumentando que a Vale Fertilizantes não possuía licenciamento ambiental para operar. Em resposta a tal notificação, o Cade não acatou o pedido de suspensão da aprovação da operação e esclareceu que “a decisão do órgão se limita aos aspectos concernentes à defesa da concorrência, não fazendo uma análise sob os requisitos para a aprovação da operação com base em critérios como tributário, trabalhista ou ambiental, por exemplo. Assim, eventuais questões relacionadas a Licenciamento Ambiental são analisadas apenas sob a perspectiva da defesa da concorrência e seus impactos no consumidor final”.
Desafios futuros - almejando previsibilidade
Como a jurisprudência demonstra, abordar os efeitos competitivos relacionados a iniciativas de sustentabilidade e tentar compará-los com “objetivos não-competitivos”, como benefícios ambientais, suscita desafios tanto sistêmicos quanto técnicos. Embora já existam formas de introduzir tais mecanismos de equilíbrio na legislação antitruste tal qual ela se encontra hoje, maior esforço é necessário, e quanto mais essas metas públicas puderem ser desenvolvidas e quantificadas segundo as análises antitruste tradicionais, mais previsibilidade será alcançada, e menos controverso se tornará o debate.
Na perspectiva da União Europeia, é de grande importância que a Comissão Europeia forneça orientações claras sobre esse tema, e não deixe tal questão a ser desenvolvida pelas autoridades da concorrência de cada país, individualmente. Conforme indicado na minuta de guia holandês, os efeitos da sustentabilidade costumam ir além das fronteiras nacionais e, nesse contexto, a Comissão Europeia parece ter compreendido a relevância do seu papel no que tange ao desenvolvimento sustentável na Europa.
Em maio de 2020, a Comissão publicou o chamado <a href="https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:ea0f9f73-9ab2-11ea-9d2d-01aa75ed71a1.0001.02/DOC_1&amp;amp;format=PDF" target="_blank" rel="noopener noreferrer">“Farm to Fork Strategy”</a>, no qual ressalta a importância de se ter um sistema de produção alimentar sustentável e convida a sociedade e o Parlamento para o debate. Em outubro de 2020, ao participar de seminário que discutia concorrência e sustentabilidade, a Comissária Margrethe Vestager <a href="https://www.youtube.com/watch?v=7mpWAOhkQbY" target="_blank" rel="noopener noreferrer">prometeu fornecer “aconselhamento específico” sobre o tema</a> e, mais recentemente, <a href="https://ec.europa.eu/commission/commissioners/2019-2024/vestager/announcements/green-deal-and-competition-policy_en" target="_blank" rel="noopener noreferrer">anunciou conferência e chamada para contribuições</a> sobre como conciliar as políticas de defesa da concorrência e a persecução dos objetivos do Green Deal.
É importante que a Comissão Europeia avance na redação do guia referente a acordos de cooperação horizontal de modo a incluir diretrizes que tratem de acordos entre concorrentes que tenham como metas o desenvolvimento sustentável do mercado. Se a ideia é promover mais iniciativas sustentáveis, é indispensável que haja orientações claras relacionadas à aplicação da legislação antitruste a esses casos. Qualquer cenário adverso e de insegurança, em verdade, inibe iniciativas entre concorrentes, causando dúvidas sobre a efetividade dos objetivos estabelecidos no Green Deal.
Na mesma linha, é importante que o Cade forneça orientações sobre os temas que envolvem os limites e as possibilidades de cooperação entre empresas no que se refere a iniciativas voltadas ao desenvolvimento sustentável. A falta de orientação e de discussões relevantes sobre o assunto inibe as empresas de avançar com qualquer estratégia de negócio relacionada a esse tópico. Em um país como o Brasil, onde o potencial de fontes sustentáveis é muito relevante, tal questão não é importante apenas para a autoridade antitruste, mas para a economia como um todo.
<hr />
O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
<hr />

pno_bandeiras-da-franca-e-uniao-europeia-a-meio-mastro-apos-atentados-em-nice-franca_002150716

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Cade tem analisado operações que suscitam metas de sustentabilidade sob termos estabelecidos pela Lei nº 12.529/2011

A sustentabilidade no enforcement antitruste do Brasil e da União Europeia

Cade tem analisado operações que suscitam metas de sustentabilidade sob termos estabelecidos pela Lei nº 12.529/2011