Opinião e Análise

Felipe Recondo

Quando não havia TV Justiça e quando os jornais publicavam poucas matérias e fotos dos ministros do Supremo, conhecê-los e reconhecê-los era uma tarefa para aqueles poucos que frequentavam a Corte ou que tiveram esses juízes como professores.
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Rubem Braga, um dos maiores cronistas da nossa literatura, descreveu num de seus textos dois episódios em que confessou sua péssima memória para fisionomias e seu pecado de, com frequência, não cumprimentar seus “des-reconhecidos”, como ele escreveu. Os dois envolviam ministros do Supremo.
“Quando o não-reconhecido é pessoa humilde, sua reação natural á achar que estou ficando besta. Mulher bonita ou homem importante ligavam menos, mas a regra tem exceções. O ministro Álvaro Ribeiro da Costa é amigo de Aníbal Machado desde tempos imemoriais, e o encontrei dezenas de vezes na casa de Aníbal. Acabou enervado porque eu – embora admirador de seu nome e de sua atuação como magistrado, dos mais cultos, corajosos e íntegros que temos – jamais o reconhecia”.
No governo José Linhares, Ribeiro da Costa foi nomeado chefe de Polícia. E, mesmo neste cargo relevante e depois de tantos encontros, Rubem Braga novamente não o reconheceu.
“Ele telefonou indignado para o Aníbal: - Olhe, aquele seu amigo pode ser muito importante, mas basta! Diga a ele que agora sou Chefe de Polícia e, se ele não me cumprimentar direito quando me encontrar, eu o prendo!”, teria dito Ribeiro, para diversão de Braga.
No outro episódio, seu des-reconhecido era o presidente do Supremo.
“Vi um senhor de certa idade e senti que o conhecia de algum lugar. Ele também deu sinais de me reconhecer. Detive-me para lhe apertar a mão. Trocamos algumas palavras vagas, enquanto eu me esforçava para localizá-lo. Comecei a sofrer; a todos os leitores conhecem essa pequena angústia. Para esconder minha perplexidade, tratei-o de maneira mais cordial, tive realmente muito prazer em vê-lo, há quanto tempo, o senhor está muito bem, está mais moço, francamente, etc”.
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Quando o des-reconhecido disse algo a respeito de Belo Horizonte, Braga suspirou aliviado. “Era o Rodrigues! Seria realmente insultuoso não reconhecer o Rodrigues, sempre tão camarada meu...”.
Mais tranquilo com sua boa memória, tornou a conversa mais informal: “E como vai a vida?”. O tal Rodrigues respondeu que “ia indo”. “Indaguei se não pensava em voltar para Minas, ele disse que não, estava mesmo fixo no Rio. Acompanhei-o carinhosamente até a esquina e, ainda com remorso de não havê-lo reconhecido no primeiro instante me despedi, mudando de tratamento: - Pois olhe, Rodrigues, fiquei muito contente em saber que você se arranjou bem aqui no Rio. Felicidades, hem!”.
Rubem Braga reparou, depois que os dois se afastaram, que o Rodrigues não mencionou o seu nome. Será que não o teria reconhecido tanto tempo depois? Natural, ele pensou, fazia tempo que não se viam.
Noutro dia, andava na calçada da Biblioteca Nacional com Adauto Lúcio Cardoso e Olavo Bilac Pinto – ambos seriam ministros do Supremo – quando apareceu o Rodrigues caminhando na direção contrária.
Cardoso e Bilac Pinto se adiantaram cumprimentaram o Rodrigues com “a maior deferência”. Rubem Braga, claro, fez o mesmo.
“Quando continuamos os três a nossa marcha, comentei com Adauto: ‘que velhinho simpático esse, não?’ Não sei se minhas palavras foram bem essas, sei que Adauto estranhou minha maneira de falar e desconfiou que eu não reconhecera o velhinho simpático”.
“Era o ministro Orozimbo Nonato, presidente do Supremo Tribunal Federal e meu antigo professor de Processo Civil”.
“O pior é que o Rodrigues, o tal agente de publicidade que só anos depois vim a identificar em Belo Horizonte – não se chamava Rodrigues...".

Rubem_Braga

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JOTA

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