Opinião e Análise

Felipe Recondo

O primeiro grande processo julgado pelo Supremo com transmissão ao vivo da sessão pela TV Justiça tratava de um tema que ainda hoje é uma crise sem solução: o pagamento de precatórios.
Em 14 de agosto de 2002, o presidente do STF, ministro Marco Aurélio, levava a julgamento do plenário o pedido de intervenção no estado de São Paulo em razão do não pagamento dessas dívidas judiciais. Duas ações que eram movidas por 172 pessoas.
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Os pedidos de intervenção protocolados no Supremo se avolumaram nas décadas de 1990 e 2000 em razão das dificuldades dos estados em quitar essas dívidas. E culminou na emenda constitucional, gestada no próprio STF durante a gestão de Nelson Jobim, permitindo o parcelamento dos precatórios.
Emenda que depois o próprio STF julgou inconstitucional. Hoje, o governo federal procura uma solução – legislativa ou pela via judicial – para fazer frente a R$ 89 bilhões em dívidas decorrentes de decisões judiciais.
Em 2002, a pauta de julgamentos não era divulgada como hoje. E a expectativa de que as duas intervenções federais – 2915 e 2953 – fossem julgadas lotou o plenário, com cadeiras extras dispostas para dar conta do público interessado na solução do caso.
O primeiro advogado a sustentar no plenário, ao vivo pela TV Justiça, foi Antônio Roberto Sandoval Filho, que patrocinava os pedidos de diversos credores do estado de São Paulo. “Hoje lamentavelmente conforme é notório o estado de São Paulo tornou-se um caloteiro oficial”, disse da tribuna.
Ele dizia que os créditos em disputa eram de natureza alimentar e estavam previsto para pagamento no orçamento de 1998. E as ações que originaram esses precatórios foram propostas em 1987 e 1998 por servidores estaduais. Sendo que num processo, o valor devido era de R$ 74 mil a serem divididos entre 123 pessoas.
Pelo governo do estado, comandado na época pelo governador Geraldo Alckmin, falou da tribuna o procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos. “Neste julgamento histórico, o que se espera  do Supremo Tribunal Federal é fixar definitivamente qual o papel do poder judiciário para avaliar pedidos de intervenção decorrentes de suposto descumprimento de ordem ou decisão judicial”, ele afirmou no início de sua sustentação.
O ministro Marco Aurélio, como relator do processo, votou pela intervenção no estado de São Paulo. E a transmissão ao vivo da sessão difundiu a crítica política implícita no seu voto. Seria o primeiro de tantos recados que ele enviaria em suas manifestações pelas câmeras da TV Justiça.
“Continuo acreditando que o exemplo a ser seguido, o bom exemplo, vem de cima; preservo na crença do Direito, no caráter perene dos princípios que o respaldam, na prevalência da Constituição como lei fundamental, nada justificando o abandono, o menoscabo de que vem sendo alvo”, afirmou.
E prosseguiu na conclusão do voto: “É hora de o Judiciário definir-se: ou bem zela pelo dever de guardião máximo da ordem jurídica, ou se mostra sensível a atitudes que desta discrepam, e aí acaba como responsável pelo atual estado de coisas, que pode ser retratado em quadro estarrecedor quanto aos precatórios que vêm, nos diversos estados, sendo liquidados, isso considerada a data de expedição”.
O plenário lotado ignorou a liturgia dos julgamentos do Supremo e aplaudiu o voto do ministro. Mas Marco Aurélio ficaria vencido posteriormente. Já de saída, quatro ministros votaram em sentido contrário, começando pelo ministro mais novo na época, o hoje decano Gilmar Mendes.
Mas a primeira transmissão ao vivo de sessão do STF pela TV Justiça terminou num anticlimático pedido de vista do ministro Carlos Velloso. O processo só terminou de ser julgado em 2003, com o indeferimento do pedido de intervenção.
Antes desses processos, apenas o julgamento sobre o impeachment do ex-presidente Fernando Collor tinha sido transmitido ao vivo – mas não pela TV Justiça, que só foi criada na gestão do ministro Marco Aurélio em 2002.
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Os julgamentos do plenário passaram a ser transmitidos ao vivo, permanentemente, na gestão do ministro Maurício Corrêa, que sucedeu Marco Aurélio na presidência do tribunal. História que é contada no podcast especial do JOTA - <a href="https://www.jota.info/blog/paredes-sao-de-vidro-jota-lanca-podcast-para-contar-como-stf-virou-protagonista-20082021">Paredes São de Vidro</a>.
De lá para cá, duas coisas não mudaram. Os precatórios permanecem como problema fiscal renitente, desafiando o Supremo e as contas públicas. E, desde a primeira transmissão ao vivo, quem apresenta para os telespectadores os julgamentos do plenário é o jornalista e advogado Carlos Eduardo Cunha, um dos primeiros funcionários da TV Justiça.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada quinzenalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.

Primeira sessão ao vivo (2)

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JOTA

O processo envolvia um problema que hoje desafia o Supremo e o governo Bolsonaro: o pagamento de precatórios

O primeiro grande caso transmitido pela TV Justiça

O processo envolvia um problema que hoje desafia o Supremo e o governo Bolsonaro: o pagamento de precatórios