Opinião e Análise

Felipe Recondo

Um advogado que vê seu pedido negado pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) costuma usar dos recursos judiciais disponíveis para demonstrar sua contrariedade. Não costuma criticar publicamente a decisão, muito menos acusar o relator do processo ou algum outro ministro da prática de irregularidade. Há 100 anos, contudo, um caso foi parar na Justiça.
O advogado Romualdo Baena impetrou um habeas corpus no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em favor de Guilherme Maria Pinto. Ele contestava a decisão de um juiz da 2a Vara de Niterói que manteve a cargo da prefeitura municipal a manutenção de uma estrada específica e determinou a Guilherme que se abstivesse de praticar atos ou ameaças que perturbassem as obras que estavam sendo executadas nesta pista. Se não cumprisse a decisão, seria aplicada multa de 50 contos de réis.
No habeas corpus, o advogado contestava a decisão de atribuir à prefeitura a responsabilidade pela administração da estrada. E alegava que a 2a Vara de Niterói não deveria sequer existir, porque a organização judiciária do estado teria sido alterada por completo. O Tribunal da Relação não conheceu do pedido porque não era possível contestar a decisão do juiz pela via do habeas corpus.
https://youtu.be/8vxcYqw2vRc
O advogado então recorreu ao Supremo. O processo foi distribuído para o ministro Hermenegildo de Barros. Nascido em 1866 na cidade de Januária, Minas Gerais, formou-se pela Faculdade Direito de São Paulo. Promotor, depois juiz e desembargador em Minas Gerais, foi nomeado ministro do Supremo em junho de 1919.
Assim como o Tribunal da Relação, o Supremo também considerou que o habeas corpus não era o instrumento correto para contestar a decisão judicial. “Além disso, o recorrente pretende, por meio de habeas corpus, invalidar a organização judiciária do Estado. Hoje a providência é requerida para se declarar inexistente um juizado de direito; amanhã com o mesmo argumento de não existir ainda a lei ordinária, definido as atribuições de cada um dos órgãos do poder judiciário criadas pela nova Constituição do Estado, o habeas corpus seria o meio idôneo de declarar também inexistente o próprio Tribunal da Relação, que é um dos órgãos daquele poder, resultando daí que o estado do Rio ficaria sem justiça organizada e em situação de verdadeira anarquia”, escreveu em seu voto o ministro Hermenegildo de Barros.
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A decisão, de dezembro de 1920, foi unânime. O advogado foi então aos jornais para dizer que o habeas corpus fora denegado porque o relator teria sido infiel a expor os fatos aos demais integrantes do tribunal.
“Se a publicação pela imprensa contivesse apenas injúrias, sem fatos especificados, eu as desprezaria; mas a publicação me imputava um fato suscetível de prova e que se referia ao exercício de minhas funções, como o de haver eu, como relator do HC, deixado de relatar circunstâncias provadas dos autos, induzindo os demais juízes a erro no julgamento de um feito de que somente eu tinha conhecimento”, afirmou o ministro.
Hermenegildo de Barros ajuizou uma queixa por injúria e calúnia, dando ao advogado “o meio de provar a sua alegação”. O advogado, em defesa própria, arguiu a suspeição do juiz responsável por julgar a queixa - Leopoldo Augusto de Lima. O magistrado, contudo, sentenciou Baena.
O advogado, irresignado, recorreu à Corte de Apelação, alegando que a arguição de suspeição foi ignorada. E que o juiz do caso se deixou pressionar pelo ministro do STF. Novamente sem sucesso.
<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/excelso/excelso-o-stf-da-maquina-de-escrever-aos-ataques-hackers-22112020">Leia mais: O STF da máquina de escrever aos ataques hackers</a>
Baena então impetrou um habeas corpus no Supremo, argumentando que o juiz que o condenou marcou o julgamento do processo instaurado contra ele sem notificar as testemunhas de defesa. E sustentou da tribuna seus argumentos. Mas o STF não conheceu do pedido. O ministro Hermenegildo de Barros, evidentemente, não participou do julgamento porque estava impedido.
[caption id="attachment_284678" align="aligncenter" width="282"]<img class="wp-image-284678" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/11/1606520269086-captura-de-tela-2020-11-27-as-21-22-47-01.jpeg" alt="Jornal do Brasil" width="282" height="400" /> Jornal do Brasil, edição de 21 de junho de 1921[/caption]
Mas Baeana acabou não sofrendo outras consequências. “Não executei, porém, a sentença, porque não me interessava a prisão do venerando advogado. Bastava-me o efeito moral da condenação e esse foi conseguido num caso, aliás, de extrema simplicidade”, justificou ao ministro o ministro do Supremo.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.

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JOTA

Insatisfeito com decisão do Supremo, há 100 anos, advogado acusou ministro do STF de manipular os fatos

ExCelso: Quando um ministro do STF processa um advogado por injúria e calúnia

Insatisfeito com decisão do Supremo, há 100 anos, advogado acusou Hermenegildo de Barros de manipular fatos. Ministro do STF processou advogado por isso